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Meio Ambiente
11/07/2024 07:40:00
Assoreado e em risco: Rio Miranda é candidato a repetir desastre do Taquari
Tudo vai mal para o mais relevante afluente do Paraguai, o principal rio do Pantanal

CGN/PCS

Assoreamento engole trecho do Rio Miranda, na ponte velha de Jardim.

Na barranceira do Rio Miranda, a cerca de propriedade rural flutua porque já não há mais terra onde se prender. O solo solapa a cada dia e os sedimentos assoreiam o mais relevante tributário do Rio Paraguai, o principal curso de água do Pantanal, que há seis anos não tem o pulso de cheia.

Tomado por bancos de areia, o Miranda, que é água de beber (abastece duas cidades) e água de garantir sustento com o turismo de pesca, já surge como candidato a repetir o desastre ambiental do Taquari.

O assoreamento mais "famoso" de Mato Grosso do Sul começou na década de 1970. Asfixiado pela terra, o rio saiu do leito e se espalhou pelas propriedades rurais, inviabilizando a produção, num verdadeiro deserto líquido, principalmente em Corumbá. A remoção da areia dos “arrombados” do Taquari custaria na casa de R$ 1 bilhão.

De volta às margens do Rio Miranda, no dia 4 de julho, especificamente na divisa entre Jardim e Guia Lopes da Laguna, a erosão já engoliu cinco hectares. Do lado de Jardim, a terra cede e leva até as últimas tentativas de colocar vegetação no barranco. No caso, as mudas de árvores plantadas pelo Instituto Guarda Mirim Ambiental de Jardim, como aroeira e ipê branco.

Cerca flutua na margem do Rio Miranda porque erosão fez barranco ceder.

“Isso aqui é um exemplo de muitos que o Rio Miranda tem. Fica muito evidente o que a falta de mata ciliar faz. Há seis anos, tínhamos mais de 40 metros de margem, que está caindo. Aqui onde estamos vai ser o próximo trecho a cair. Porque não tem cobertura vegetal nenhuma. É por isso que o Instituto Homem Pantaneiro está aqui. Porque vai interferir no Pantanal lá embaixo. Afetando o rio aqui vai ter problemas no distrito Águas de Miranda, Guia Lopes da Laguna, Jardim, Bonito, Miranda. Porque começa a comprometer desde o abastecimento de água da casa das pessoas à piracema. Como os peixes vão fazer a migração com esse nível de água?”, diz o biólogo Sérgio Barreto, do IHP (Instituto Homem Pantaneiro).

Bem em frente, mas do lado de Guia Lopes, a vegetação densa e com árvores mostra como deve ser a margem de um grande rio: forte para segurar a enchente e evitar que a terra vá para dentro do leito. Mas o cenário é uma exceção.

“A gente já tem uma escassez hídrica. O que segura o assoreamento? A velocidade da água. Mas se não tem chuva, aumenta o assoreamento. São as condições perfeitas para um desastre. O próximo passo é acabar o rio. O Miranda caminha a passos largos para ser o novo Taquari”, diz o biólogo.

Nisroque da Silva Soares, diretor do Instituto Guarda Mirim Ambiental de Jardim, conta que o local é visitado para aulas de projetos ambientais. “Faz plantio simbólico, mas também a parte didática sobre o local. A mata ciliar é uma barreira em caso de enchente. Contudo, o plantio não tem surtido efeito. Vai ter que ser uma ação muito mais eficaz”. As soluções são correção do solo e contenções nas margens.

Santo Antônio (à esquerda) é afluente do Rio Miranda (à direira).

Noutro ponto Miranda, embaixo da ponte velha de Jardim, basta descer o barranco para caminhar no banco de areia onde antes corria o rio. O assoreamento se avoluma no encontro com o afluente Santo Antônio, vindo da Serra de Maracaju. Mais caudaloso, o Miranda empurra os sedimentos do afluente para a lateral. Os sedimentos “estacionam” na margem do rio.

“O Santo Antônio tem problema gravíssimo de uso de solo, processos erosivos e falta de APP [Área de Proteção Permanente]”, afirma Sérgio.

“Nunca achei que ia pescar no meio do rio”

Na tarde de quinta-feira, Maria Aparecida de Jesus Gonçalves pescava sentada em uma cadeira dentro do rio, em companhia de dois irmãos. O resultado foi três lambaris. Na pescaria, as iscas são tripa de galinha e massinha de banana com farinha.

“O rio era fundo, a gente pescava no barranco. Nunca achei que ia pescar aqui no meio do rio. Ninguém vinha na entrada do Santo Antônio com o Miranda. Mas antes tinha mais peixes. O curimba, piraputanga, dourado, pintado, cachara. Vinha no barranco e pescava”, conta Jorge Antônio de Jesus Gonçalves, 67 anos.

Morador de Guia Lopes da Laguna, ele conhece o Rio Miranda desde 1976. “As coisas estão acabando. A situação está ficando difícil e ninguém faz nada. Lá nos Estados Unidos limparam o rio, porque aqui não pode limpar? O problema é deixar piorar mais, porque aí não tem jeito. Agora, tem outra também, depende do Pai velho lá em cima, são mais de 40 dias sem chuva”, afirma Jorge.

"Nas lembranças navegar"

A movimentação da reportagem no leito assoreado do Rio Miranda chama a atenção de Eduardo Moreira Bazzano, 68 anos, que desce a ribanceira para, timidamente, entregar uma poesia. Ele decidiu verter em palavras a preocupação com o meio ambiente.

“Escrevo sobre o que vivi. Não tenho formação acadêmica nenhuma, mas vou rascunhando. Conheço o Miranda desde a década de 60. Não sei porque, eu tinha 14 anos naquela época, mas tinha a percepção que o rio iria secar, pela surra que esse rio levava, pelo que já acontecia. Porém, pensava que não ia ver. Infelizmente e felizmente, eu estou aqui e estou vendo. Lá para cima, o Santo Antônio está de poça em poça”

Na memória, o Santo Antônio corria forte. No presente, a preocupação de Eduardo é com a piracema, época em que os cardumes sobem para as nascentes num ciclo de reprodução. “Vai ter piracema, mas os peixes não conseguem nadar. É uma coisa de chorar mesmo”.

Morador de Guia Lopes de Laguna há décadas, a tempo de ver quatro grandes cheias, ele veio de outro rio. “Vim de Bela Vista. Do Rio Apa para o Rio Miranda. Minhas poesias falam muito do homem do campo, do tereré e do Pantanal”.

De acordo com a Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul), atual situação do Rio Miranda não interfere no abastecimento nas cidades de Jardim, Miranda e Águas do Miranda, distrito de Bonito. Ao todo, o rio atende uma população de 42.094 pessoas.

"Até o momento estamos operando com as vazões usuais dos processos, mantendo o abastecimento das cidades e monitorando a situação do manancial. Não foi necessária nenhuma alteração no sistema de captação", informa a empresa.