Da redação/PCS
Segundo estudos, cerca de 70% da capacidade de geração nacional de energia é composta por usinas hidrelétricas de grande e médio porte e de Pequenas Centrais Hidrelétricas.
Mas o que pouca gente sabe é que as usinas hidrelétricas que geram mais de 30MW repassam mensalmente aos municípios e estados onde tem seus reservatórios um valor referente ao coeficiente da energia produzida (Decreto 3739/01). Esse repasse financeiro é a chamada Compensação Financeira pelo uso dos recursos hídricos, prevista no art. 20, § 1º, da Constituição Federal.
Mas será que esse dinheiro da Compensação Financeira repassado aos municípios tem sido aplicado com vista a promover o desenvolvimento socioambiental da região? Para se ter uma ideia dessa verba que o município recebe, na região sudeste de Mato Grosso, Itiquira recebeu das hidrelétricas instaladas nos rios Itiquira e Correntes, só no mês de julho/2017, a quantia de R$ 285.905,53 (dados da Aneel), a título de compensação financeira.
No mesmo mês, o vizinho município de Sonora-MS, recebeu da usina instalada no rio Correntes a quantia de R$ 118.073,83.
Nas outras regiões de Mato Grosso, recebem também essa compensação financeira os municípios de Vale de São Domingos, Tangará da Serra, Pontes e Lacerda, Nova Brasilândia, Jauru, Indiavaí, Chapada dos Guimarães, Barra do Bugres, Aripuanã e Araputanga. Valores esses depositados ao estado e municípios todo mês em conta específica no Banco do Brasil (art. 26 do D. 1/91).
A aplicação desses recursos, infelizmente, não é fiscalizada por ninguém. Até mesmo porque, não existe nenhum tipo de atividade específica para esse gasto. A única restrição prevista está disposta no parágrafo único do artigo 26 do Decreto 1/91, que veda a aplicação dessa compensação em pagamento de dívidas e no quadro permanente de pessoal.
A construção dessas usinas transformou a vida das pessoas do campo. Para pior, com certeza. Os ribeirinhos que viviam exclusivamente dos rios para seu sustento, hoje estão indo embora para a cidade. Acabaram-se os peixes: a migração deles para desovar nas nascentes dos rios já não mais ocorre.
Se o dinheiro da Compensação Financeira fosse aplicado em prol do desenvolvimento dessas comunidades, na implantação de melhoria do tratamento do lixo e esgoto sanitário, no controle de desmatamento das áreas ribeirinhas, na introdução de práticas de desenvolvimentos sustentáveis nessa região e, no controle das queimadas das áreas ciliares. Daí sim, poderia se dizer que a Compensação Financeira das Usinas hidrelétricas como instrumento econômico de desenvolvimento social, econômico e ambiental atingiu o propósito disposto na Carta Magna.
Outra coisa que muitos não sabem é que a denominação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) dá-se àquelas hidrelétricas que aproveitam os rios com vazão e queda d’água para gerar capacidade máxima de até 30MW e com reservatório do tamanho de até 3,0 km2.
Essa regra é da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), ao leiloar os recursos hídricos àquelas empresas que ofertar a menor tarifa de energia e cumprir uma série de exigências e condicionantes socioambientais para garantir as licenças de instalação e operação. Pergunta-se, essas hidrelétricas cumprem essas normas? Evidente que não. Nem a fiscalização técnica do controle da vazão mínima de água que sai das comportas para garantir a vida da biodiversidade existente ao longo do leito natural do rio, existe.
Sobre os reservatórios, oportuno dizer que no município de Juscimeira-MT, desde o ano de 2009, está em operação duas turbinas da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) instalada no rio São Lourenço. A dúvida que se tem é se o reservatório d’água que se estende além dos 3,0 km2, pode ser utilizado por turistas, pescadores, praticantes de esportes aquáticos e afins, sem estarem essas pessoas submetidas aos constrangimentos dos seguranças da empresa.
Por fim, não se quer discutir aqui o percentual que cada usina deve repassar aos municípios atingidos pelos impactos decorrentes da implantação dessas hidrelétricas. Mas sim, se o dinheiro da Compensação Financeira do uso desses recursos está sendo aplicado nas comunidades que vivem próximo da área alagada pelo reservatório, às margens dos rios e, utilizado principalmente na política de recuperação do ecossistema prejudicado pelo constante desnivelamento das águas desses rios.
Isto é, será que esse dinheiro está ajudando a preservar a qualidade da água, do solo, do ar em níveis suficientes para manter a vida animal, vegetal e humana dessa população? Já está na hora da população de Ouro Branco do Sul, distrito onde está instalada a hidrelétrica Ponte de Pedra, se pensar em emancipação. E o povo de Sonora-MS, será que sabe desse dinheiro que vem todo mês e onde ele é aplicado?
(*) Saulo Moraes é advogado, jornalista por formação acadêmica e amante da pescaria