G1/PCS
A contaminação por metais de alguns peixes do Rio Doce ultrapassa os limites permitidos por legislação em até 140 vezes. Este, por exemplo, é o nível de arsênio encontrado no peixe roncador, quando o máximo tolerado seria 1. É o que aponta o primeiro laudo produzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) sobre pescados e mariscos da região.
O jornal A Gazeta teve acesso ao relatório com exclusividade. O documento foi apresentado à direção de vários órgãos públicos – como Iema, Tamar, Ibama e o próprio ICMBio – e a pesquisadores em seminário realizado entre os dias 15 e 16 de março. Mas ainda não foi divulgado à população por nenhum deles.
O laudo faz parte de um conjunto de estudos que vem sendo desenvolvidos no Rio Doce após o desastre ambiental causado pelo rompimento de uma barragem da Samarco, na cidade mineira de Mariana. São executados por professores de várias universidades e vários órgãos públicos ligados a área ambiental. Há expectativa de que o relatório dos pescados e outros sejam divulgados esta semana pelo Ministério do Meio Ambiente.
Excessos
As conclusões do documento produzido pelo ICMBio não deixam dúvidas: “Há contaminação da água com metais acima dos limites permitidos pela Resolução 357, do Conama”. E mais: “Há contaminação de pescados (peixes e camarões) acima dos limites permitidos pela Resolução 42, da Anvisa”.
Diz ainda que a contaminação atingiu as unidades de conservação e de preservação ambiental no entorno da região: o Arquipélago de Abrolhos, a Costa das Algas e o Refúgio de Vida Silvestre de Santa Cruz.
Em todas elas houve pontos de coleta de amostras para o estudo, assim como na Foz do Rio Doce – Norte e Sul – e na região de Barra Nova.
Além do arsênio, o roncador citado no início da matéria também está contaminado por cádmio (12 vezes acima do limite) e chumbo (5 vezes a mais do que o permitido).
Não é diferente com o camarão: chega a ter 88 vezes o limite de arsênio (que é de 1) - mas foram encontradas espécies superando o limite em 115 vezes -, além de 5 vezes mais cádmio e 5 vezes mais chumbo do que a legislação estabelece.
O peroá também supera os limites de arsênio em 34 vezes e tem quase 3 vezes mais cádmio do que o permitido. É acompanhado de perto pelo linguado, que ultrapassa os limites de arsênio em 43 vezes, 9 vezes o de cádmio e 6 vezes o de chumbo.
Também é complicada a situação da água na região. Os resultados apontam contaminação por chumbo total quase 10 vezes superior ao limite do Conama (que é de 10). Também foi superado em 9 vezes o nível de cobre dissolvido (que é 5) e duas vezes o de cádmio total (5).
Reações
Segundo João Carlos Thomé, o Joca, coordenador do Tamar e representante do ICMBio junto às universidades e demais órgãos, o estudo a que A Gazeta teve acesso foi desenvolvido pelo professor Adalto Bianchini, da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).
É uma prévia, diz Thomé, de um relatório que trará mais detalhes sobre a situação. “O Bianchini possui o melhor laboratório de ecotoxicologia do país e ficou encarregado de analisar a situação dos pescados e mariscos da região”, explicou.
Joca observa que é exatamente pelos dados levantados pelo estudo que a pesca está proibida na Foz do Rio Doce entre Barra do Riacho, Aracruz, até Degredo/Ipiranguinha, em Linhares. A decisão partiu da Justiça Federal, no final do mês passado, por tempo indeterminado.
Os poucos detalhes já divulgados são considerados extremamente preocupantes, como destaca o consultor ambiental Marco Bravo. “É uma contaminação muito grave, por metais que vão se acumulando no organismo destas espécies e que não são eliminados. E vão comprometer a saúde. É um risco para a comunidade. Não há dúvidas”, diz.
Além da saúde, destaca Bravo, também a economia da região será afetada por tempo indeterminado. O estudo também aponta níveis de contaminação altos na área de Barra Nova, onde é forte o sistema pesqueiro.
Cadeia alimentar comprometida
Outro ponto do estudo desenvolvido pelo ICMBio diz respeito à cadeia alimentar. A conclusão é de que houve “acumulação significativa de metais tóxicos na base da cadeia trófica (nos chamados zooplânctons).”
De acordo com o consultor ambiental Marco Bravo, a base da cadeia alimentar (trófica) são os fitoplânctons (as algas). Depois vem os zooplânctons, que se alimentam das algas e servem de alimentos para peixes, que são alimentos de outros maiores. E assim sucessivamente até chegar ao homem.
Quando há contaminação na base da cadeia alimentar, explica Bravo, todos acabam sendo contaminados. “E o problema é maior à medida que a cadeia cresce. É onde se come mais seres contaminados”, detalha.
O estudo utilizou como parâmetro o zooplâncton porque ele foi encontrado em todos os pontos de coleta e com um volume significativo de acumulação de metais. Também foi identificado um nível alto de contaminação nos corais da região.
A professora Sigrid Costa Valbon Freire, que leciona Ecologia e Análise na Faculdade Pio XII, explica que ocorre na região a chamada bioacumulação. “Algumas substâncias tóxicas que não são metabolizadas acabam se acumulando no organismos dos seres”.
O problema, explica ela, é que os metais tóxicos atingem vias metabólicas de nosso corpo e reagem alterando reações químicas, nos causando problemas. “Os metais tóxicos induzem a produção de radicais livres, que prejudicam as nossas células e complicam a nossa saúde”, diz, lembrando que em excesso eles podem causar várias doenças, inclusive câncer.
Uma outra expedição foi realizada na região com o navio Vital de Oliveira, da Marinha do Brasil. A pesquisa foi concluída e entregue em janeiro, mas o governo do Espírito Santo não divulgou o resultado.
Samarco diz que água é monitorada
A Samarco informou em nota que ainda não teve acesso ao laudo do ICMBio e reitera que desenvolve ações de monitoramento da qualidade da água ao longo do Rio Doce. O monitoramento diário é feito em 118 pontos.
Já foram feitas cerca de 500 mil análises. Segundo a empresa, a água também é monitorada na foz e no oceano. Os laudos são enviados às autoridades ambientais competentes. De maneira geral, há melhoria nos níveis de turbidez da água.
A empresa afirma que análises recentes mostram que a presença de metais pesados está dentro dos padrões da legislação. Cabe ressaltar que o rejeito é composto, basicamente, de sílica e óxido de ferro, material inerte e não perigoso. Estudos preliminares feitos com o pescado mostram que sua qualidade não se alterou.