CE/PCS
A construção de hidrelétricas em toda a extensão do Rio Cuiabá, uma das principais veias de abastecimento do Pantanal e berço para reprodução de peixes, segue proibida, apesar de esforços e jogadas políticas que ocorreram em Mato Grosso nos últimos quatro meses.
Essa decisão só foi sacramentada ontem, quando deputados da Assembleia Legislativa de MT (ALMT) decidiram derrubar um veto do governador Mauro Mendes (União Brasil). Mesmo assim, a votação foi 20 contra o veto e 2 a favor do governo estadual.
Estudos contratados pela Agência Nacional de Águas (ANA) e divulgados pelo Ministério Público de MT indicaram que o Rio Cuiabá é o curso d’água mais importante para reprodução de grandes peixes migratórios que ocorrem em todo o Pantanal.
A reprodução desses peixes acontece, geralmente, de novembro a fevereiro e envolve espécies como pacupeva, armau, pacu, dourado e pintado.
Por conta da possibilidade de liberação desse tipo de obra, que gera diferentes impactos econômicos, sociais e ambientais, mobilização com mais de 500 pessoas de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso ocorreu nos dois últimos dias.
Entre os protestos houve a mobilização de ciclistas fazendo manifestação nas ruas de Cuiabá, ida de diferentes grupos na ALMT para pressionar os parlamentares e disparos em massa de e-mails e mensagens para assessores e deputados.
Entidades não governamentais que acompanham a situação ambiental e social na Bacia do Alto Paraguai contabilizaram que dentro da Assembleia havia a possibilidade de que houvesse a autorização para liberar a construção de seis barragens para alimentar pequenas centrais hidrelétricas (PCHs).
PROJETO DE LEI
O projeto de lei nº 957/2019 previa a proibição de construção de PCHs e hidrelétricas no Rio Cuiabá. Apesar de ter sido apresentado há três anos, os trâmites só ocorreram a partir do segundo semestre de 2021.
Em 11 de janeiro deste ano, ele entrou na pauta, como urgência urgentíssima, para ser votado, o que acelerou o processo de apreciação e aprovação, que ocorreu em 4 de maio.
Em 5 de julho, o governador de MT, Mauro Mendes, decidiu vetar a proposta em edição extra do Diário Oficial de MT, o que tornou possível novamente que empreendimentos fossem construídos ao longo do rio.
A justificativa apresentada foi de que só cabe ao governo federal avaliar competência para exploração, concessão ou permissão sobre o aproveitamento energético de cursos d’água.
MOBILIZAÇÃO
Um dos responsáveis pela mobilização e os protestos é o biólogo e gestor de comunicação do Instituto SOS Pantanal, Gustavo Figuerôa. A entidade tem sede em Campo Grande, mas, nesses últimos dias, houve direcionamento para que todas as ações ocorressem em Cuiabá, onde fica a Assembleia.
“É uma vitória muito importante e um marco porque mostra que a pressão popular faz toda a diferença. Havia deputados que tinham se manifestado em votar contra [a proibição de se construir hidrelétricas]. Quando eles se depararam com aquele movimento gigante de pessoas, mudaram de ideia. Foi uma batalha que vencemos, não foi a guerra. Temos, agora, que ficar de olho, porque esse projeto pode voltar mais para frente e com outros rios da Bacia do Alto Paraguai”, disse.
O andamento sobre a construção de PCHs na Bacia do Alto Paraguai é um tema que existe há 11 anos e envolve projeto da Maturati Participações, que tem autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para exploração do potencial hidráulico no Rio Cuiabá.
Os reservatórios previstos para construção têm menos de 13 km² de área, porém, a sua construção tem potencial para alterar a fauna e a flora, por conta do represamento.
“Caso as represas não sejam barradas, ocorrerá a imensa diminuição da quantidade de peixes no Rio Cuiabá, que prejudicará toda a cadeia da pesca, que é crucial em Mato Grosso, e, ainda, colocará em risco a segurança alimentar das pessoas. Os efeitos danosos afetarão toda a planície pantaneira, uma vez que você coloca seis barragens no rio, você represa a água, e isso vai causando uma seca na parte de baixo do rio. Por isso, é extremamente importante que não só Mato Grosso, mas também Mato Grosso do Sul se mobilize”, defendeu a pesquisadora da ECOA, organização-membro do Observatório Pantanal situada em Campo Grande, Paula Martins.
Nessa mobilização para pressionar deputados, o Observatório Pantanal, que reúne 44 organizações no Brasil, Bolívia e Paraguai, teve envolvimento-chave para conglomerar as manifestações.
Além de pesquisadores e instituições de ensino, o Observatório atuou com a Colônia de Pescadores Z-11, de Poconé (MT).
“Já tivemos, no ano passado, o problema da seca. Muitos tiveram de fazer poço artesiano, fazer tanque nos campos para salvar o gado e os animais. Os afluentes como o Rio Piraim, o Rio Pixaim e o Rio Cassange ficariam todos secos, se as barragens fossem instaladas”, contou Moacir Campos, presidente da Colônia.
(Colaborou Rodolfo César)