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Mundo
16/07/2017 10:41:00
Indonésia testa em larga escala nova arma contra o Aedes

G1/LD

Segundo mais afetado pela dengue, depois do Brasil, país também passa a usar insetos infectados com protozoários para combater o hospedeiro do vírus da doença. Região do experimento tem 3 milhões de habitantes."Por favor, não roubar, não mover e não abrir", está escrito em dezenas de potes brancos, que Sularto e suas colegas Rindhi e Nida levam em suas bolsas ao subir na lambreta. Os funcionários do projeto Eliminate Dengue (Eliminem a Dengue) estão de viagem para Krica, bairro da cidade de Yogyakarta, no centro da ilha de Java.

Os discretos recipientes plásticos contêm uma das armas mais modernas contra a dengue. Se o experimento funcionar, o caminho está aberto para a aplicação em todo o mundo de uma tecnologia completamente nova contra doenças transmitidas por mosquitos. O componente mais importante são justamente os mosquitos – centenas de milhares, cultivados em baldes.

Anualmente, por volta de 390 milhões de pessoas adoecem de dengue, um número 30 vezes maior que há meio século. Em 1970, foram registradas sérias epidemias da enfermidade somente em nove países, hoje a doença atinge quase 130. O crescimento das metrópoles, o turismo e o comércio globalizados proporcionam condições ideais para o vírus, mas especificamente para o seu portador, o mosquito Aedes aegypti.

Enquanto o Aedes aegypti é encontrado principalmente em regiões tropicais e subtropicais, a cepa asiática Aedes albopictus se propaga cada vez mais na Europa. Uma população do inseto já foi encontra perto de Freiburg, na Alemanha.

Na esteira do aquecimento global, boa parte da Europa pode ser povoada pelo mosquito responsável pela transmissão de doenças como dengue, zika e chikungunya. Os cientistas preveem que o período entre 2030 e 2050 deverá proporcionar condições ideais para o Aedes albopictus se desenvolver no oeste alemão, nos países do Benelux e no sul da Inglaterra.

Em Yogyakarta, o avanço dos mosquitos deve ser contido pela bactéria wolbachia. Esse protozoário foi descoberto na década de 1920 por cientistas americanos que acreditavam ter encontrado um novo agente patogênico. No entanto, o organismo parecia não prejudicar ninguém. De acordo com os conhecimentos atuais, cepas de wolbachia povoam 60% dos insetos de todas as espécies.

Inicialmente, os insetos não se importam com essa infecção. No entanto, as bactérias manipulam a reprodução de seus hospedeiros. Elas podem ser transmitidas por meio de óvulos de insetos infectados. Todos os descendentes de uma fêmea com wolbachia também estarão infectados pelo protozoário.

Se um inseto macho se acasala com uma fêmea não infectada, a bactéria não é transmitida, mas os ovos não podem se desenvolver, já que uma célula com wolbachia não é compatível com outra sem a bactéria. Isso freia até certo ponto a reprodução dos mosquitos. O efeito decisivo é, no entanto, a transmissão de bactérias para geração futuras: os micróbios infectam populações inteiras de insetos da forma mais eficaz.

Metade das contaminações

Cientistas britânicos descobriram em 2008 que a wolbachia faz com que moscas fiquem resistentes contra vírus, como o da febre amarela, zika e dengue. Essas bactérias também podem conter a transmissão do vírus da dengue em pessoas?

Na natureza, a wolbachia não infecta mosquitos da espécie Aedes aegypti. No entanto, o biólogo australiano Scott O'Neill conseguiu, após milhares de tentativas, cultivar mosquitos com wolbachia. Nesses insetos, o vírus da dengue praticamente não se reproduz. Em poucos meses, uma pequena quantidade de mosquitos pode transmitir essa propriedade para uma população inteira.

Esse é o plano em Yogyakarta. A organização sem fins lucrativos Eliminate Dengue também está presente no Brasil, Vietnã, Colômbia e Austrália, mas a cidade indonésia, com 3 milhões de habitantes, é perfeita para se testar pela primeira vez em grande escala a tecnologia com a wolbachia. É quente o ano todo, mesmo durante a estação seca chove regularmente, um clima ideal para os mosquitos. Depois do Brasil, a Indonésia é o segundo país mais afetado do mundo pela dengue.

Numa parte da cidade, os cientistas vão espalhar mosquitos com wolbachia durante seis meses, o restante de Yogyakarta servirá então de comparação, para fazer com que o experimento seja o mais controlado possível. As autoridades sanitárias vão monitorar durante dois anos o desenvolvimento das infecções de dengue. Os gestores do projeto esperam uma queda de ao menos 50% nas contaminações.

Ao visitar um morador da cidade, os funcionários de Eliminate Dengue preparam num recipiente um litro de água, dentro dele uma tira de papel com 60 a 80 ovos de mosquitos infectados com a bactéria wolbachia, além de pastilhas de comida de peixe para alimentar as larvas. Os mosquitos aparecem após um período de nove a dez dias de incubação.

Para o sucesso da tecnologia com a wolbachia não é decisivo quantos mosquitos vivem na cidade, mas o fato de a maioria carregar a bactéria dentro de si. Estudos anteriores mostraram que a presença da bactéria na população de insetos aumentou ao menos 80% num período de seis a 12 meses após o início de sua distribuição – um nível que permaneceu estável.

Colômbia, Brasil e Austrália

Na Indonésia, as pessoas acompanham o projeto com grande otimismo, talvez com um excesso de entusiasmo. A equipe de Eliminate Dengue está se preparando para que a situação não continue assim necessariamente. Se, por exemplo, novos casos de dengue forem detectados, o apoio à iniciativa pode diminuir. "Isto aqui é pesquisa, ainda não conhecemos os resultados do estudo", explicou a cientista Bekti Andari. "Também pode ser um fracasso."

Além da Colômbia, o Brasil é um dos dois países sul-americanos mais afetados por epidemias de dengue, zika e chikungunya e que não quiseram esperar o resultado da pesquisa na Indonésia. Por isso, ali foram espalhados mosquitos infectados com a bactéria wolbachia no final de 2016. Na Austrália, foram realizados estudos de campo já em 2013 – ainda que a eficácia ainda não tenha sido definitivamente comprovada.

Primeiros resultados do estudo australiano de longo prazo foram, no entanto, publicados no final de maio na revista especializada Plos Biology. A pesquisa revelou que foi realmente possível infectar 60% da população local de mosquitos com bactérias wolbachia. No entanto, isso não foi válido para o Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, dengue, zika e chikungunya. No experimento australiano, foram utilizados mosquitos da febre amarela especialmente cultivados para a pesquisa.

No Brasil, os resultados da tecnologia do combate ao Aedes aegypti com a wolbachia ainda não são conhecidos.