G1/LD
Unir as paixões pela pesquisa e pelas espécies de plantas do cerrado rendeu à bióloga brasiliense Thaís Vasconcelos, de 29 anos, o prêmio de "melhor tese de doutorado em biologia do Reino Unido". A medalha John C. Marsden foi concedida há duas semanas pela Linnean Society de Londres, uma das mais antigas e renomadas instituições do país inglês.
Em 1858, o naturalista britânico Charles Darwin apresentou a teoria da evolução – base da "seleção natural" – à mesma sociedade de cientistas. A premiação é equivalente à concedida anualmente, no Brasil, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Após quatro anos de estudos, a pesquisadora formada na Universidade de Brasília (UnB) mostrou como evoluem as mirtáceas – uma família de plantas encontrada, principalmente, nos biomas brasileiros. Apesar do nome pouco comum, as espécies deste grupo são velhas conhecidas dos brasilienses: cagaitas, goiabeiras e eucaliptos, por exemplo.
"Mirtáceas são a base de vários ecossistemas. As flores produzem pólen para as abelhas, e os frutos carnosos sustentam a fauna da Mata Atlântica, do Cerrado e da Amazônia."
Biologia evolutiva
Como inovação na ciência, a tese de doutorado comprovou que, diferente do que se pensava até então, essa família de plantas "mudou, ao longo do tempo, menos do que o esperado".
"Em todos os escossistemas da América do Sul, essas plantas são diversas e muito importantes na ecologia desses biomas. Vários animais interagem com elas, por isso esperava-se que os formatos da flores mudassem, mas isso não acontece tanto", explica.
Na prática, Thaís conta que o estudo das plantas ajudou a desenvolver conceitos da biologia evolutiva – uma subdivisão da área que estuda a origem e a descendência das espécies, assim como suas mudanças ao longo do tempo.
Antes das Américas
Uma outra conclusão da pesquisa tem a ver com um fenômeno ocorrido nos primeiros 500 milhões de anos da origem da Terra: a formação do supercontinente do sul Gondwana. De acordo com a hipótese levantada, as mirtáceas chegaram às Américas quando os continentes ainda estavam unidos.
"Pegamos espécies de vários países da América do Sul, América Central e ilhas do Pacífico. Coletamos as amostras das plantas, sequenciamos e, comparando o material genético delas, pudemos reconstruir o parentesco e história evolutiva", detalha a pesquisadora.
Dificuldades
Para Thaís, o prêmio serve como incentivo à pesquisa e à ciência no Brasil, considerada por ela "ainda com pouco investimento". A bióloga destaca que, apesar de viverem em meio ao cerrado do Distrito Federal, por exemplo, as espécies desse bioma ainda são pouco exploradas.
Ainda na graduação, na UnB, ela desenvolveu um projeto de iniciação científica para pesquisar e catalogar as espécies. Mesmo assim, ela acredita que o esforço empreendido nessa direção "ainda é pouco".
"A gente não conhece as espécies do cerrado. Estamos no centro, onde tem tanto potencial para fazer trabalhos teóricos, mas estamos deixando a biodiversidade acabar, sem nem mesmo compreendê-la."
Outro ponto crítico, segundo ela, é a dificuldade em conseguir investimentos financeiros. O doutorado concluído em Londres por Thaís foi financiado pelo programa do governo federal Ciências Sem Fronteiras, em 2013.
Desde julho de 2016, em meio à crise econômica, as instituições de ensino federais e estaduais reduziram em até 99% o número de alunos enviados ao exterior até o ano passado.
"A gente vê que a maioria dos [prêmios] Nobel é de lá [Inglaterra], que os cientistas de destaque são de lá. Não é porque nós não temos capacidade, mas porque lá investem mais em ciência", avalia.
"É uma pena. Nós temos a biodiversidade e um potencial grande, mas não temos incentivo."