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O governador do Texas, Greg Abbott, relativizou os questionamentos sobre responsabilidades nas respostas às enchentes que mataram ao menos 119 pessoas e deixaram 173 desaparecidos no estado. Segundo ele, "os times perdedores são aqueles que tentam apontar quem é o culpado", enquanto os campeões respondem: "Nós conseguimos".
Apesar de Abbott afirmar que as perguntas levam em conta uma "escolha de palavras de perdedores", análises realizadas pelo jornal The Washington Post apontam que modelos meteorológicos já previam a possível extensão do desastre que estava por vir e, mesmo assim, não houve alertas efetivos à altura dos altos riscos de inundação.
Não há ainda uma investigação formal sobre a possível falha das previsões e alertas. Abbott, além de minimizar a procura por responsáveis, afirmou que "a principal tarefa agora continua sendo localizar todos os afetados por esta enchente".
A partir dos modelos meteorológicos mais utilizados no país, o jornal americano indica que o Serviço Nacional de Meteorologia tinha motivos para alertar sobre riscos maiores de inundações. Meteorologistas ouvidos pelo Post afirmam que as previsões se basearam nas informações disponíveis e levaram em conta a maneira com que informações alarmantes podem ser recebidas pela população.
Um cargo importante nesse tipo de acontecimento, o meteorologista de coordenação de alertas, está vago no escritório do Serviço de Meteorologia de Austin/San Antonio desde abril, quando o antigo responsável se demitiu -ele foi um dos centenas de funcionários da agência que aceitaram a oferta de demissão voluntária do governo Trump.
A tragédia no Texas deve ultrapassar sozinha o número de mortes causadas por inundações em 2024 (145) em todo o país, já muito além da média dos últimos 25 anos, que é de 85 mortes. De acordo com o serviço americano de meteorologia, houve uma inversão histórica nos últimos dez anos em relação aos fatores de maior perigo: as inundações de água doce -que ocorrem durante chuvas fortes e rios cheios- matam mais que as marés de tempestade -que ocorrem quando ventos fortes empurram a água do mar para a costa.
Segundo especialistas, isso se deve tanto à melhoria dos sistemas de alerta nos casos de eventos extremos no litoral quanto ao aquecimento dos oceanos e da atmosfera, que permite que as tempestades levem mais chuvas para áreas como a região montanhosa do Texas, a centenas de quilômetros do mar.
Dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência da ONU para questões do clima, indicam que eventos climáticos extremos como secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestades e incêndios mais do que triplicaram ao longo dos últimos 50 anos em consequência do aquecimento global.
Outro órgão ligado à ONU, o IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática), já afirmou em relatório que hoje é inequívoco que parte dessas mudanças foi causada pela ação humana.
A despeito do embasamento científico robusto, movimentos de extrema direita nos EUA começaram a publicar numerosas teorias da conspiração acerca das causas da tragédias no Texas. Em publicações que distorcem dados ou escrevem números sem lastro na realidade, usuários sugerem que o clima extremo tem sido controlado e manipulado por autoridades do governo americano.
"Preciso de alguém que investigue quem foi o responsável por isso", publicou Pete Chambers, um ex-integrante das forças especiais americanas e figura frequente na extrema direita que já organizou um comboio armado até a fronteira do Texas. "Quando foi a última semeadura de nuvens?", questionou, citando uma das supostas formas pelas quais, segundo os conspiracionistas, o governo estaria controlando as condições climáticas.
Uma das figuras mais emblemáticas da extrema direita americana, Mike Flynn, republicou o conteúdo de Chambers e indagou: "Alguém sabe responder a isso?" O ex-conselheiro de segurança nacional de Trump foi uma das pessoas que jurou lealdade ao movimento QAnon, que afirma haver um obscuro "estado profundo" de esquerda que age contra o presidente Donald Trump.
Na mesma toada, o Congresso dos EUA ecoou parte desses questionamentos. A congressista republicana da Geórgia, Marjorie Taylor Greene -aliada de Trump, expulsa de comitês da Câmara em 2021 por declarações conspiratórias e negacionistas- apresentou um projeto de lei "que proíbe a injeção, liberação ou dispersão de produtos químicos ou substâncias na atmosfera com o propósito expresso de alterar o tempo, a temperatura, o clima ou a intensidade da luz solar". Segundo a proposta, agir para tal "será considerado um crime grave".