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Polícia
27/09/2024 06:46:00
Despachante propõe delação ao MP e aponta Beto Pereira como chefe da corrupção no Detran-MS
David Cloky Hoffaman Chita diz que entregou mais de R$ 1,2 milhão de propina para campanha de Beto Pereira à prefeitura de Campo Grande

MMN/PCS

Foto: Reprodução

O despachante David Cloky Hoffaman Chita, apontado como operador de um esquema de corrupção no Detran-MS (Departamento de Trânsito de Mato Grosso do Sul), aponta Beto Pereira, candidato do PSDB a prefeito de Campo Grande e deputado federal, como chefe da organização que atuava no Detran-MS para usar o dinheiro desviado na atual campanha eleitoral.

Hoffaman oficializou nesta semana ao MPMS (Ministério Público de MS) um pedido de acordo para colaboração premiada. Segundo ele, a delação poderia derrubar suposta quadrilha com servidores do órgão, empresários, delegados de polícia, assessores e políticos.

Em entrevista exclusiva ao Jornal Midiamax, David Chita, que tem mandado de prisão decretado e está foragido, garante que fugiu porque corre grave risco de vida em Mato Grosso do Sul, principalmente se for parar nas unidades prisionais do Estado.

Assim, ele constituiu um advogado de fora de MS para encaminhar o acordo. O despachante garante que está pronto para comprovar todas as denúncias caso tenha oportunidade de entregar o material probatório ao MPMS.

O pedido está na mesa do PGJ (Procurador-Geral de Justiça), Romão Avila Milhan Junior. No entanto, fontes dentro do MPMS relatam à reportagem que o assunto seria tratado ‘com muita cautela’ pela cúpula do órgão ministerial por causa dos políticos implicados.

David Chita: passado de envolvimento com poderosos

O despachante já foi flagrado junto a personagens poderosas nos bastidores da política sul-mato-grossenses em outros casos policiais, e conta que passou a receber ameaças de morte desde que informações do processo 0002668-91.2024.8.12.0001 teriam supostamente vazado para integrantes da organização criminosa.

É justamente nesta ação que David teve a prisão preventiva decretada.

A investigação, atualmente na 4ª Vara Criminal de Campo Grande, acerta em cheio o suposto esquema de corrupção que cobrava propina para ‘esquentar’ documentos de veículos no Detran-MS e, segundo o despachante, direcionou mesadas para o caixa de campanha de Beto Pereira.

Segundo David, no entanto, as investigações teriam sido supostamente direcionadas para livrar políticos implicados e deixar o despachante e a ex-servidora Yasmin Osório Cabral como ‘bucha de canhão’.

Yasmin Osório Cabral atuava na corregedoria do Detran-MS e agia conforme as ordens do grupo (Foto: Reprodução)

‘Este pato é do Beto Pereira, do Thiago e do Neto’

“Agora eu acredito que vão fazer alguma coisa comigo, mas eu tinha que falar, eu tenho que falar, porque o que eles fizeram comigo, que trabalhou tanto ali do lado, que ajudou tanto que era pau pra toda obra. Fui abandonado e escrachado e jogado aos leões, entendeu?”

“A Yasmin foi presa grávida e ela não fez nada mais do que foi mandado. Neto, Thiago e Beto mandaram ela fazer pra arrecadar fundos. Eu fui usado, Yasmin foi usada”, reclama.

“Eu não acho justo pagar esse pato sozinho, porque esse pato é do Beto Pereira, é do Thiago e do Neto, porque a maior parte do dinheiro foram pra eles”, argumenta. “Foi pra campanha do Beto e eu vou falar. Eu vou falar, mas eu não estou falando tudo, eu não estou falando tudo”, diz David Hoffaman Chita.

Conforme documentos obtidos com exclusividade pelo Jornal Midiamax, David detalha verdadeira trama orquestrada em reunião no escritório de Beto Pereira, no Bairro Tiradentes, em Campo Grande, em dezembro de 2022.

De acordo com David, ele teria chegado até Beto Pereira porque interlocutores do PSDB avisaram que o deputado federal tucano estaria ‘levantando dinheiro para campanha de prefeito’.

O despachante é velho conhecido do grupo político do qual Beto Pereira participa e é citado em diversas investigações por fraudes no Detran-MS.

Além disso, o esquema de propinas e fraude no sistema de cadastro do Detran-MS não é novo e foi denunciado antecipadamente em reportagem do Núcleo de Jornalismo Investigativo do Jornal Midiamax em 2020. Na época, a Operação Gravame confirmou as denúncias e até chegou a alguns servidores, mas a suposta blindagem de políticos na atuação do MPMS e de delegados de polícia manteve o grupo a salvo.

Braço direito de Beto Pereira, Thiago intermediava fraudes no sistema do Detran para formar caixa 2 para a campanha do ‘chefe’ (Foto: Reprodução)

Propina do Detran-MS para caixa 2 na campanha de Beto Pereira

Assim, David teria sido ‘recrutado’ por Beto para atuar em conluio com servidores do Detran-MS no esquema e repassar o dinheiro sujo diretamente a pessoas ligadas à organização do ‘caixa não-oficial de campanha’ do PSDB para chegar à Prefeitura de Campo Grande.

Então, ficaram combinados repasses mensais a três pessoas tratadas como a cúpula do esquema criminoso. Em troca, Beto Pereira supostamente atuou para facilitar a operação com nomeações dentro do Detran-MS, acesso à cúpula da Polícia Civil e da Casa Civil para ‘blindar’ a operação.

Chita: “Mais de R$ 1,2 milhão da propina no Detran-MS para campanha de Beto Pereira”

Segundo David Hoffaman afirma, o chefe, Beto Pereira, supostamente recebia R$ 30 mil todo dia 10. Já seu assessor e braço direito à época, Thiago Gonçalves, seria responsável por negociar e articular em nome do ‘chefe’ e, ainda segundo David, receberia R$ 20 mil todo dia 30.

Por fim, o então diretor-adjunto do Detran-MS, Juvenal de Assunção Neto, receberia R$ 20 mil no dia 20.

“E tem muito mais. O que estou contando para vocês não é nem 30% de tudo que eu sei. Tem muito mais coisas que podem aparecer se quiserem investigar e se não me matarem antes”, alerta Hoffman.

Além dos pagamentos fixos, David conta que ainda repassava uma comissão por cada documento fraudado. Segundo ele, mais de R$ 1,2 milhão de reais foram repassados ao grupo chefiado pelo deputado federal no período em que o esquema criminoso operou.

“Beto [Pereira] sempre foi o chefe, nada era feito sem autorização dele”, reforça David Cloky Hoffaman Chita.

Atualmente, Thiago atua na campanha de Beto Pereira e também é nomeado para o cargo de diretor da escola do legislativo, na Alems (Assembleia Legislativa de MS), sob matrícula 8608 e cargo PLDS.02.1. O Portal Transparência do órgão, no entanto, não traz a remuneração recebida por ele para a função.

Beto queria R$ 300 mil para a reta final da campanha

Segundo relatado pelo despachante que segue foragido, o esquema criminoso passou a ser operado por ele e chefiado por Beto Pereira em 2023.

O que começou com pagamentos mensais de R$ 30 mil em cédulas dentro de envelope que eram repassados diretamente a Beto ou ao irmão dele, Gustavo Pereira, deveria chegar em R$ 300 mil no último mês da campanha para prefeito este ano.

“Começamos em R$ 30 mil. Depois ia chegar em R$ 100 mil [por mês]. Um mês antes da campanha ele cogitava R$ 200 mil ou R$ 300 mil para ele”, revela David.

Envelopes com dinheiro e encontros

David relata pagamentos mensais feitos ao grupo liderado por Beto dentro de envelope com dinheiro em espécie. Alguns repasses, segundo ele, em locais públicos.

Alguns eram feitos em uma conveniência na Avenida Mato Grosso e outros em uma lanchonete na Bom Pastor.

“Estive cinco vezes com Beto, uma para o acordo e outras quatro para pagamentos”, relata David.

Beto Pereira: ‘Preciso de parceiros para a campanha’

Ao ser chamado por Beto Pereira para ajudar a formar caixa dois para sua campanha a prefeito de Campo Grande, o deputado federal teria sido muito claro em seus objetivos. “Preciso de parceiros para ajudar na minha campanha”.

Para que o esquema pudesse funcionar sem ‘problemas’, David pontuou o que precisava. O ponto central para que os serviços criminosos pudessem fluir seria tirar um delegado que atuava na Corregedoria do Detran-MS. Segundo ele, a quadrilha precisava de alguém mais ‘maleável’ no cargo.

Então, David relata que, no mesmo instante, Beto afirma ter muita influência com a cúpula da Polícia Civil à época e que iria providenciar o pedido.

Ainda, o despachante apontou outros setores estratégicos do órgão que precisariam ter ‘gente do esquema’. Beto também teria concordado em conseguir nomeações e acessos privilegiados ao sistema do Detran-MS para membros da quadrilha.

Thiago Gonçalves, que segundo correligionários ‘oficialmente saiu de perto de Beto assim que as investigações avançaram’ e atualmente está nomeado na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, ficou responsável por encaminhar os ‘pedidos’ e achar ‘novas agências’ para o grupo agir.

As nomeações supostamente prometidas por Beto Pereira a David Cloky Hoffaman Chita saíram e pessoas ligadas ao grupo político integrado por Beto desde que foi presidente da Assomasul (Associação dos Municípios de Mato Grosso do Sul) entraram no esquema.

Foi assim que Yasmin Osório Cabral foi parar na Corregedoria do Detran-MS, segundo comprova troca de conversas entre David e Thiago Gançalves, apontado pelo despachante como ‘braço direito’ de Beto.

O esquema de fraudes que cobrava propina de donos de veículos e, segundo David, supostamente repassava o dinheiro para caixa de campanha de Beto Pereira, passou a chamar a atenção dentro do Detran-MS. Em série de reportagens, o Jornal Midiamax já adiantava como operava a quadrilha que trouxe caminhões de todo o país para fraudar documentos em MS e virou alvo da Operação Miríade.

‘Cabo de guerra’ e denúncia de assédio contra delegado

No entanto, a troca do delegado que causava problemas para o grupo demorou a sair.

Foi o começo da ruína para o esquema, segundo Chita. Após denúncia em reportagens do Jornal Midiamax, as investigações sobre o esquema de fraude nos documentos de veículos, principalmente caminhões, se intensificaram, expondo a quadrilha em flagrante no interior, como em Rio Negro, onde já há servidores indiciados.

Justamente quando a disputa se acirrou, Yasmin fez uma denúncia de assédio contra o delegado que, segundo David, o grupo de Beto Pereira queria fora do Detran-MS. Servidores da Sejusp que atuam na Cotra (Corregedoria de Trânsito) ouvidos pela reportagem confirmam que a situação virou verdadeiro ‘cabo de guerra’.

“Todos lá dentro sabem até que os delegados da corregedoria chegaram a pedir ajuda ao Gaeco para investigar este esquema de fraudes, que tem proporções nacionais e pega muita gente graúda do PSDB aqui em MS. Só que o pessoal do MP deu pra trás. Não quiseram e usaram como desculpa que já estava tudo na mão da Medina”, relata.

O servidor se refere à delegada Ana Cláudia Medina, titular do Dracco (Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado), onde as investigações de denúncias sobre esquemas no Detran-MS passaram a ser sistematicamente centralizadas.

No mesmo mês em que Yasmin vai à delegacia denunciar o delegado Rossi por assédio sexual, o Dracco inicia investigações contra a servidora.

Com as documentações que comprovam as fraudes feitas no sistema do Detran-MS pelo grupo comandado por Beto Pereira, Medina, então, encaminha em março deste ano a representação pela prisão de David e autorização para executar buscas e apreensões nas dependências do órgão de trânsito e endereços ligados ao despachante.

‘Fizeram acordo para livrar os grandões’

Enquanto isso, David confronta Thiago: “É isso mesmo meu amigo, joga eu e a menina [Yasmin] na cadeia e todo mundo fica tranquilo. O que chegou pra mim e que foi acordado para livrar agentes públicos e tocar pau em nós dois. Jamais esperava isso do Beto e companhia”, esbraveja.

E continua: “Estou sabendo que os grandões já fizeram acordo. Livrar geral, mas moer eu e a menina”.

Thiago tenta acalmar o ‘parceiro de negócios’: “Vamos conversar pessoalmente para eu entender isso”.

Porém, o processo ainda tramitava em sigilo absoluto na Justiça. Somente em maio a polícia obtêm os mandados. Então, no dia 12 de junho, a operação é deflagrada.

Na tentativa de cumprir o mandado de prisão de David, as equipes policiais são informadas por um familiar de Chita de que ele estaria fora do Estado pelo menos desde abril.

“Não deram apoio e fizeram de tudo para irmos presos Eu sei que eles mexeram nas delegacias, que jogaram gasolina, mexeram para ferrar eu e a Yasmin”, conclui, explicando os motivos pelos quais quer delatar todo o esquema.

A reportagem entrou em contato com Beto Pereira por ligação telefônica e mensagens no número pessoal do deputado, mas não foi atendida. Questionamentos também foram enviados para a assessoria de comunicação e para o e-mail oficial do gabinete do parlamentar. Até a publicação deste texto, não obtivemos retorno.

Já em ligação telefônica gravada, o braço direito nomeado de fevereiro de 2019 a março de 2023 no gabinete de Beto Pereira e que está na campanha do tucano, Thiago Gonçalves, ao ouvir o nome de David, reagiu e ameaçou processar o Jornal Midiamax, caso a reportagem fosse publicada. Thiago sequer quis ouvir os questionamentos que a reportagem fez para esclarecer as acusações.

À reportagem, o ex-diretor adjunto do Detran, Juvenal Neto, disse apenas que ‘desconhece o assunto’.

A reportagem também acionou o irmão de Beto, Gustavo Pereira, que não respondeu aos questionamentos.

A delegada Ana Cláudia Medina também foi acionada.

O MPMS também foi acionado para emitir posicionamento sobre o pedido de delação de David, mas não retornou.

Vale ressaltar que o espaço segue aberto e posicionamentos podem ser incluídos após a publicação.