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Decisão da 5ª Câmara Cível do TJ-MS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) manteve o pagamento indenizatório para família de detento do presídio de segurança máxima, que morreu dentro da cela, em 2016, por overdose de cocaína. Serão pagos R$ 90 mil, em valores corrigidos, além de pensão retroativa ao filho, que tinha 17 anos na época do ocorrido.
A família alega que o rapaz foi morto por faccioados do PCC (Primeiro Comando da Capital), sendo obrigado a tomar mistura de água e cocaína, conhecida como "Gatorade".
A decisão foi mantida em sessão da 5ª Câmara Cível do dia 16 de agosto, indeferindo os recursos apresentados pela PGE (Procuradoria Geral do Estado) e pela família do detento. O teor do acórdão foi publicado no Diário Oficial da Justiça esta semana.
A morte aconteceu às 15h30 de 17 de junho de 2016. Conforme dados da ação que tramitou pela 2ª Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos, o detento de 38 anos foi condenado em regime fechado e chegou a ir para Penitenciária Federal de Porto Velho (RO) em 2013.
Em 2016, estava sob custódia na cela 203 do Pavilhão IV, com outros quatro internos. Era a vivência destinada aos internos em período de reabilitação disciplinar, para onde ele foi levado depois que foi flagrado com porção de droga. Ele foi encontrado morto, sentado no canto da cela.
A ação foi protocolada em setembro de 2016 pelo advogado Josielson Garcia que representou os pais do preso e o filho, àquela época, com 17 anos. Alegou que o detento morreu após ser forçado a usar uma mistura de água e cocaína, conhecida dentro dos presídios como “Gatorade” provocando parada cardíaca, resultando em morte por overdose.
Segundo o advogado, laudo necroscópico indicava morte por intoxicação exógena. O preso ainda foi encontrado com lesões nas duas coxas, nos joelhos, lado direito da perna e do quadril e hematomas na coxa direita e quadril. Também apresentava “traumatismo raqui medular (post mortem) no pescoço”, o que seria comprovação de que a vítima foi forçada a tomar a substância causadora da morte.
Na ação consta que o preso estaria jurado de morte pelo PCC. A ameaça já era sabida pelo sistema carcerário desde 1º de julho de 2014, segundo Garcia. Naquela data, quando estava na Penitenciária Federal de Porto Velho (RO), o detento escreveu carta para a juíza federal daquela cidade pedindo que, caso fosse transferido para Campo Grande, não fosse levado ao presídio de segurança máxima ou para Dourados, pois estava jurado de morte pelo PCC. Solicitou, ainda, que fosse transferido ao IPGC (Instituto Penal de Campo Grande), o único que não tinha membros da facção.
“(...) se eu chegar a entrar lá na máxima ou em Dourados eles pegam a gente e dá um coquetel para nóis beber, é cocaína misturada com água (...)”, descreveu na carta. A advogada que representava o preso em 2016 teria sido surpreendida com ligação de número restrito, informando que o detento havia sido julgado pela facção e fora condenado à morte.
Para Garcia, era obrigação do Estado zelar pela segurança do preso. “Foi negligente na proteção àquele que tinha sob sua guarda”, alegou. O advogado cita, ainda, o fato de ter cocaína dentro do presídio. “É dever do Requerido [Estado], através dos agentes penitenciários responsáveis pela guarda e segurança da unidade vetar a entrada de drogas no estabelecimento prisional”. Também avalia que os presos deveriam ser separados para evitar que a proximidade entre os que têm alguma rixa.
A ação pediu indenização por danos morais e materiais. “O falecido era filho e pai de família. Ainda que tenha tido conduta criminosa, isso não interfere necessariamente na dor que a morte traumática causou ou possa ter causado”.
Para dano moral, foi calculado pedido de indenização de R$ 446.160 mil, com base na expectativa de vida de 75 anos, levando-se em conta a idade da morte, acrescido de 13º. Para dano moral, a quantia mensurada foi de 300 salários mínimos (em 2016), sendo 100 salários mínimos para cada um na ação – pais e o filho do detento, sendo estipulada em R$ 264 mil, totalizando R$ 710.160 mil.
A PGE se manifestou, alegando que o Estado não deveria figurar como requerido na ação, pois o detento estava sob custódia da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário), que tem personalidade jurídica própria e autonomia administrativa.
Mas, caso esse critério não fosse levado em conta, que a Justiça avaliasse que o Estado não pode ser responsabilizado pela morte do preso, já que a razão das circunstâncias fugiu ao controle dos agentes penitenciários, pois a causa foi intoxicação exógena.
O histórico do preso também foi citado, como as várias ocorrências registradas a partir de 2004, como roubo, furto qualificado e outros, além das diversas faltas disciplinares graves, com a última, em que foi encontrado com porção de droga e por isso foi levado à cela 203 do Pavilhão IV.
Sobre o exame pericial, a PGE alega que não evidencia sinais de agressão, lesão ou indícios de interferência de terceiros, que somente apresentava luxação no pescoço, decorrente da intoxicação. “Houve, portanto, culpa exclusiva da vítima no caso em tela, não havendo responsabilidade do Estado/requerido pelo evento danoso, o que importa, necessariamente, em julgamento de improcedência total”.
A pedido da PGE, a ação saiu da 2ª para 1ª Vara, onde já tramitava ação da mãe de outros dois filhos do detento, sendo transferida por conexão. Em março de 2020, o juiz Marcelo Andrade Campos Silva pediu audiência para ouvir testemunhas.
Em julho de 2020, a ação ficou suspensa por 60 dias após a morte do pai do detento, sendo necessária a entrada das três filhas que seriam herdeiras em caso de indenização.
No dia 27 de setembro de 2023, Campos Silva condenou o Estado ao pagamento da indenização, avaliando que o ente público é responsável pela saúde e integridade dos internos de estabelecimento prisional estadual. “Não há que se falar, no caso, em culpa exclusiva da vítima ou fato de terceiro, como pretende o requerido, na medida em que a morte do detento não ocorreu em circunstâncias extraordinárias, como em uma rebelião, por exemplo”.
O magistrado citou trecho do laudo pericial. “No local dos fatos foi encontrado um cadáver de um ser humano, adulto com 'aparente' característica de morte por 'overdose' acidental (causado pela própria vítima), porém há indícios e lesões na vítima que levam este perito a descartar a hipótese de morte acidental por overdose e sugerir a hipótese de homicídio, onde posteriormente o(s)autor(es) tentou(aram) simular uma situação de overdose". Considerando a dúvida, caberia ao Estado demostrar, por exames mais aprofundados, que realmente houve morte natural.
O juiz calculou valor por danos morais de R$ 30 mil para pai (herdeiras), mãe e filho do preso, dizendo que a “indenização não há de ser pequena a ponto de menosprezar o dano sofrido, nem grande a ponto de configurar enriquecimento ilícito”.
Para o filho, além dos R$ 30 mil, foi previsto o pagamento de 1/3 do salário mínimo com pensão, desde 17 de junho de 2016, dia da morte do pai, até o rapaz completar 25 anos de idade. Os valores serão corrigidos pelo IPCA-e e acrescido de juros.
Sobre danos materiais, o juiz diz que não cabe indenização aos pais, pois não restou comprovada a dependência econômica deles.
A PGE recorreu da decisão, voltando a alegar que o Estado não deveria contar no polo ativo e não teria responsabilidade pela morte do detento. O advogado da família apresentou contestação, voltando a afirmar que deve ser responsável.
Em sessão na 5ª Câmara, a sentença de primeira instância foi mantida.
À reportagem, Josielson Garcia diz que os valores corrigidos ainda serão anexados na ação e que a pensão do rapaz, hoje com 25 anos, será retroativa. A PGE foi questionada se irá recorrer da decisão e ainda não retornou com resposta.