\n \n Cynthiane\n raspou o cabelo e passou cinco meses com um grupo de homens na mata,\n enfrentando dificuldades impostas por um dos mais rigorosos cursos de ações\n táticas e operações especiais do país, que prepara policiais de tropas de elite\n para atuar em situações complexas como sequestros e distúrbios em presídios. No\n dia 19 de outubro, a hoje tenente-coronel Cynthiane Maria Santos, de 40 anos,\n foi nomeada pela Polícia Militar a primeira mulher a comandar uma tropa de\n elite no Brasil: o Batalhão de Choque do Distrito Federal.\n \n Rastejar\n na lama, buscar criminosos na mata e suportar frio, longas caminhadas, noites\n sem dormir, racionamento de comida e horas seguidas de aulas de tiro garantiram\n a Cynthiane a farda com uma caveira, símbolo das melhores tropas de elite do\n mundo.\n \n Ela\n é uma das poucas brasileiras a concluir um curso da elite da polícia. Formada\n em 1999 no treinamento do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do\n Distrito Federal, foi a única mulher em meio a 42 homens. Vinte abandonaram.\n Ela, não.\n \n "Ainda\n há preconceito. Ouço comentários de que não acreditam que eu concluí o curso,\n que não sou capaz. Mas os homens me respeitam, nunca tive caso de\n insubordinação. Ainda quero mais. Todo mundo sabe que meu sonho é comandar o\n Batalhão de Operações Especiais", diz a tenente-coronel.\n \n Ela\n garante que não teve qualquer regalia ou diferencial em relação aos demais\n colegas. Nos treinamentos na mata, tinha que procurar "uma moita"\n mais longe quando precisava ir ao banheiro. "No curso, a pressão é tanta\n que você fica assexuado. Não tive nenhum problema".\n \n “Pede pra sair”
\n As dificuldades do curso fizeram Cynthiane pensar em desistir. "Eu falava “vou\n pedir para ir embora, não aguento mais”, e meus colegas do curso me\n incentivavam a fazer isso. Eles respondiam “pede, pede para sair mesmo, porque\n daí eu posso sair também”. Não desistiam porque eu ainda estava lá",\n relembra. "Mas daí eu pensava: daqui eu não saio, daqui ninguém me\n tira".
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\n Além do Distrito Federal, nove estados possuem Batalhão de Operações Policiais\n Especiais (Bope). Em nenhum deles, no entanto, uma mulher completou o curso de\n formação. Em Roraima, uma sargento passou nos testes físicos e psicológicos,\n conseguiu ingressar no treinamento que dura 7 meses, mas foi cortada depois de\n 80 dias. Segundo o major Elias Santana, comandante do Batalhão de Operações\n Policiais Especiais de Roraima, ela não suportou as adversidades curso.\n \n No Bope do Rio de\n Janeiro, famoso pelo filme "Tropa de Elite", nenhuma mulher foi\n formada desde que a unidade foi criada, em 1978. Em São Paulo, tanto as Rondas\n Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) quanto o Comandos e Operações Especiais\n (COE), tropas usadas na repressão contra grupos armados em situações de alto\n risco, não permitem mulheres em seus grupos operacionais.\n \n Os\n cursos de Comandos, do Exército, de Para-Sar, da Aeronáutica e de Comandos\n Anfíbios, da Marinha, também não permitem o ingresso de mulheres. As três equipes\n das Forças Armadas formam agentes extremamente especializados em ações contra\n terrorismo, no resgate de reféns, em inteligência e conflitos.\n \n "Este\n universo de tropas especiais é muito masculino. Eu já estou completamente\n integrada aqui no Distrito Federal, mas deve ter situações pelo país que\n mulheres ainda enfrentam muito preconceito", afirma Cynthiane.\n \n Depois\n de Cynthiane, nenhuma outra mulher fez um curso de operações especiais no\n Brasil. Onze anos antes dela, duas mulheres, também no Distrito Federal,\n fizeram um curso semelhante, mas ainda não existia Bope na região.\n \n "A\n minha chegada ao comando mostra que uma mulher pode qualquer coisa, basta\n querer, ter preparo psicológico e persistência", completa a oficial, com\n unhas pintadas de vermelho e longos cabelos pretos presos em um rabo de cavalo.\n \n "Vamos cortar o cabelo longo dela"
\n Cynthiane recorda que, no início do curso, ouviu uma conversa entre dois\n instrutores. "Vamos cortar o cabelo longo dela e fazer ela se desligar.\n Pegar ela pela vaidade", recorda. "Eu ouvi o comentário e cheguei ao\n quartel de cabelo curto, mas decidiram passar máquina zero. Meu filho tinha 3\n anos e se assustou quando me viu. Eu brinco que carreguei cada um dos meus\n companheiros nas costas, porque tinha que mostrar que eu estava ali para\n sobreviver, para mostrar para eles que eu era capaz", diz a oficial.\n \n "Acho\n que foi muito mais difícil para eles, homens, entenderem que eu estava passando\n por todas as etapas e conseguindo ir adiante, do que para mim. Quando decidi\n fazer o curso, pensei: eu só saio daqui se algo grave acontecer. Não vou\n desistir", afirma.\n \n Treinamento diferenciado
\n O Bope do Rio de Janeiro, unidade reconhecida como uma das melhores do mundo em\n incursões em favelas, devido a operações diárias contra traficantes, tem\n algumas policiais mulheres que trabalham em áreas como medicina e comunicação\n social. No entanto, segundo o coronel Mário Sérgio Duarte, ex-comandante-geral\n da PM do Rio e que comandou o Bope, nenhuma delas fez o curso.
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\n "Não há mulheres cursadas no Bope. Até há algumas do quadro de combatente,\n em outros setores. Tínhamos o projeto de adequar o curso para a presença de\n mulheres, com um teste de aptidão física (TAF) e treinamentos diferenciados,\n mas não acabou ocorrendo", diz Duarte. Através da assessoria de imprensa,\n o Bope do Rio de Janeiro informou que não limita vagas pelo sexo e que tanto\n homens como mulheres podem se inscrever no curso. "As provas seletivas são\n as mesmas e não há previsão para modificação no edital, visando diferença em\n qualquer etapa do concurso".
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\n Filha de militar do Exército, a tenente-coronel Cynthiane lembra que sempre teve\n o apoio da família na carreira, desde que ingressou na Academia da PM do\n Distrito Federal, em 1992. Nas ruas, ela trabalhou no policiamento de trânsito,\n na Guarda Presidencial e, por um ano, em missão de paz da Organização das\n Nações Unidas (ONU) no Timor Leste.\n \n "Quando\n me formei como PM, os tempos eram outros. As mulheres trabalhavam em grupos\n separados dos homens. Depois que fiz curso de pós-graduação, assumi a\n responsabilidade por áreas de ensino da polícia", relembra. "Resolvi\n conhecer um dos vários cursos realizados no Bope e o primeiro que fiz foi para\n me especializar na segurança de autoridades. Eu estava em ótima forma física e\n o comandante do Bope me convidou para ficar. Não tinha ideia do que me\n esperava".
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\n No comando do Batalhão de Choque, que inclui pelotões que buscam conter\n assassinatos na região metropolitana do Distrito Federal, a oficial diz que a\n profissão lhe permite viver muitas emoções e "situações bem\n peculiares". "Quanto você está em uma troca de tiros, sua vida está\n em risco por milímetros. É uma situação em que você está muito exposto",\n diz.
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\n Ela recomenda que mulheres tenham coragem para arriscar na carreira. "Para\n mim, é um enorme desafio comandar o Choque por nenhuma outra mulher ter\n comandando uma tropa de elite no país. Mas não deixo a feminilidade de lado,\n por ser o que eu sou. Uso vestido, salto alto, maquiagem. Fora do quartel, eu\n sou a Cyntiane, não a comandante."\n \n \n \n \n