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A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, informou ao blog que o texto da medida provisória (MP) que trata do ensino domiciliar está pronto. Damares disse que a MP será publicada e enviada ao Congresso na abertura dos trabalhos legislativos, em fevereiro.
Segundo Damares, a medida provisória - uma das metas dos 100 dias de governo - é uma proposta para garantir apoio legal às famílias que quiserem optar pela prática conhecida como "homeschooling".
Para Damares, o "homeschooling" garante aos pais o poder de gerenciar o aprendizado dos filhos e até ensinar mais conteúdo.
"O pai que senta com o aluno duas, três horas por dia, pode estar aplicando mais conteúdo que a escola durante quatro, cinco horas por dia", diz.
Segundo a ministra, a experiência com o ensino domiciliar "é muito boa", mas enfatiza: "Ninguém é obrigado a adotar o ensino domiciliar".
Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, com a atual legislação, os pais não têm o direito de tirar filhos da escola para ensiná-los exclusivamente em casa. Para a maioria dos ministros, educação domiciliar exige a aprovação de uma lei que assegure avaliação de aprendizado e socialização.
Para a ministra, a falta de socialização é a maior crítica de quem se opõe ao ensino domiciliar, mas ela rejeita o argumento: "Não é só na escola que a criança se socializa. Este pai pode, por exemplo, matricular esta criança em um curso de inglês. Ele vai ter amigos do curso de inglês. Esta criança vai fazer esporte, esta criança vai a um clube, esta criança vai à igreja, esta criança tem vizinhos."
Abaixo, os principais trechos da entrevista:
Blog: Ministra, quero falar sobre a medida provisória do governo sobre educação familiar. Por que isso é a prioridade do governo?
Damares: Este ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos surge para atender as demandas de famílias no Brasil. Nós temos um número muito grande de famílias no Brasil que já fazem o ensino domiciliar, só que estas famílias não estão ainda abrigadas pela legislação. Estas famílias não contam ainda com um apoio legal para continuarem fazendo o ensino domiciliar no Brasil. Números de famílias que fazem educação de uma forma direta, em torno de 11 mil famílias, mas a gente pode chegar a mais de 30 mil famílias que a educação não é tempo integral. Elas fazem educação em tempo parcial em casa. Então, é um número muito grande de famílias, mas o interessante é que existem muito mais famílias querendo o ensino domiciliar e ainda não partiram para o ensino domiciliar por que não tem uma legislação. Então, a MP vem para acolher as famílias que já fazem o ensino domiciliar por que nos últimos dois anos elas podiam fazer no Brasil porque havia uma liminar garantindo a elas o direito de ter o ensino domiciliar. Com a decisão do STF, que remete o assunto para o Congresso Nacional, estas famílias não têm mais a força da liminar.
Blog: Então, as aulas vão começar agora nos próximos dias. Como vão ficar estas famílias que têm ensino domiciliar? Vão ficar ilegais?
Damares: Então, este ministério vem com a proposta de apresentar uma MP que garanta a estas famílias a continuidade até o Congresso decidir. Agora, lembrando que isso não é novidade no Congresso Nacional. Esta matéria já está sendo discutida há mais de 26 anos dentro do Congresso Nacional. E o último projeto de lei que está lá sendo discutido tem parecer favorável. Então, não é uma matéria inédita para o Congresso. A MP só vem para este período de vacância, este limbo jurídico que a gente chama. A MP vem para preencher este período e a gente espera que o Congresso Nacional, dentro do prazo regimental, aprove a MP. E aí os pais terão o direito.
Blog: Não será obrigatório?
Damares: Não é, é um direito. A família que quiser ensinar o filho em casa agora poderá fazer sem estar com medo de ser processada, por exemplo. É um direito e fica ali garantido este direito.
Blog: A senhora falou nas redes sociais que estava pronta para a polêmica em relação à essa discussão. Isso não atrapalha a socialização da criança? Qual argumento do governo contra isso?
Damares: Veja só, existe um segmento que acredita que o ensino domiciliar não é bom. Até a gente já ouviu falar em retrocesso. Mas veja só, não é uma novidade no mundo. Dezenas de países no mundo têm esta modalidade de ensino. É uma opção para a família. Eu falei que pode ter muitos barulhos por que os que não entendem direito o que seja o ensino domiciliar vão entender que nós estamos obrigando os pais a ensinarem os filhos em casa. Não. Estamos aqui prontos para o barulho para explicar que o ensino domiciliar é uma modalidade. Já não existe ensino à distância no Brasil? É mais uma modalidade de ensino, o ensino domiciliar. Então, vai haver muitos ruídos, muitos barulhos, mas deixando claro que é uma opção, é um direito e não é uma obrigação.
Blog: Terão várias regras, como fiscalização de cadastro? Como será?
Damares: As famílias que vão ter os filhos no ensino domiciliar elas serão cadastradas. Vai haver um controle destas famílias, quais crianças estão em ensino domiciliar, quais não estão, todas estas regras serão construídas com o nosso ministério, com o ministério da Educação, e as famílias vão estar no cadastro.
Blog: Quem vai fazer esta fiscalização? Como vai proceder?
Damares: Uma das propostas é que o Conselho Tutelar visite estas famílias para saber se as crianças realmente estão estudando em casa. Mas lembrando que estas crianças poderão passar por avaliações, avaliações pedagógicas para fazer uma avaliação do nível de conhecimento delas. Lembrando o seguinte: nos países que já têm o ensino domiciliar, chega um certo momento em que o pai entende que não quer mais o ensino domiciliar e quer matricular a criança, esta criança passa por uma prova de avaliação onde vai se medir o rendimento dela e nivelar em que turma, em que série ela pode ingressar na escola. É tudo muito bem planejado, são 26 anos de debate, de pesquisa, nós já temos inclusive, no Brasil, uma associação nacional das famílias, que aplicam ensino domiciliar. Temos obras e literatura falando de ensino domiciliar, não estamos fazendo nada por um acaso, de repente, e vamos tratar dele com muito carinho e sensatez.
Blog: Isto é uma das principais medidas do governo para melhor o ensino, já que, como o governo avalia publicamente, “ampliou-se o debate nas escolas"?
Damares: Olha, é uma opção para melhoria do ensino, sim. As pesquisas que nós temos nos apontam que os alunos do ensino domiciliar têm melhor rendimento e esta pesquisa é feita a nível de mundo e nós não temos isso a nível de Brasil porque ainda não é uma realidade no Brasil. Nós precisamos que ela se torne realidade para que daqui um tempo a gente comece a apontar os números e as estatísticas no Brasil. Mas a experiência no mundo mostra que o rendimento dos alunos, em muitos casos, é muito acima do rendimento dos alunos que estão em escolas.
Blog: Mas ainda virão políticas para melhorar as escolas? A senhora acredita que as escolas são ambientes...
Damares: Este governo vai fortalecer a educação pública. Nós temos um ministro da Educação que veio com este objetivo. As escolas públicas no Brasil serão fortalecidas, vai haver incrementos e incentivos na educação no Brasil. A educação no Brasil vai ser vista com um olhar muito especial. O fortalecimento da escola pública, o fortalecimento do ambiente escolar, a melhoria do ambiente escolar é meta do ministério da Educação. E eu sou a favor da escola e eu vou lutar junto com aquele ministro (da Educação) pelo fortalecimento da escola, pela valorização do educador, por políticas públicas voltadas para a educação, voltadas para o aluno. A educação no Brasil precisa passar por uma grande revolução.
Blog: A senhora já fez algumas críticas às escolas, em referência à "ideologia de gênero". A senhora considera que a escola domiciliar é um jeito dos pais, famílias terem controle da educação dos seus filhos? Estarem no comando?
Damares: Veja só: Na educação domiciliar, o pai vai poder gerenciar, inclusive, conteúdos. O pai vai poder estar junto com o aluno, com o filho, acompanhando o conteúdo, acompanhando o material didático. Outra coisa que todo mundo fica perguntando: e este material didático? O pai vai ter acesso a este material didático, que vai ajudá-lo a dar a aula em casa. Não é uma coisa solta, perdida. Vai ter logo no mercado material que vai orientar o pai como aplicar a educação para o menino de 4 anos, de 5, de 6...
Blog: Isso é o governo que vai fazer?
Damares: Não, não vai fazer. Neste primeiro momento, não. Porque, como é opção, o pai que vai ter que comprar este material. Mas isto é muito comum nos outros países, tá? Então o pai vai poder estar gerenciando o conteúdo. Nós temos pesquisas que apontam que num ambiente escolar em torno de 40% do tempo com o aluno não é aplicado o conteúdo, é gerenciamento da classe, é gerenciamento do ambiente escolar. Então, o pai que senta com o aluno duas, três horas por dia, ele pode estar aplicando mais conteúdo que a escola durante quatro, cinco horas por dia. A experiência é muito boa, mas, repetindo: ninguém é obrigado a adotar o ensino domiciliar.
Blog: A senhora acha que tem outro espaço de socialização para criança que não seja a escola?
Damares: Esta é a maior crítica de quem se opõe ao ensino domiciliar. ‘Ah, no momento que tirar a criança da escola, onde ela vai se socializar? Vai ficar uma criança isolada, excluída do mundo?’ Não, não é só na escola que a criança se socializa. Este pai pode, por exemplo, matricular esta criança em um curso de inglês. Ele vai ter amigos do curso de inglês. Esta criança vai fazer esporte, esta criança vai a um clube, esta criança vai à igreja, esta criança tem vizinhos. Quem disse que só no espaço escolar que uma criança se socializa? Não, não é. Esta crítica não se sustenta, este argumento não se sustenta.
Blog: Por que esta MP não ficou sob responsabilidade do MEC?
Damares: Nós entendemos que é direito dos pais decidir sobre a educação dos seus filhos, é uma questão de direitos humanos. Então, a iniciativa sai deste ministério sob esta vertente. É uma questão de direitos humanos também. E nós somos signatários do Pacto de San Jose da Costa Rica que garante isso às famílias. E veja só, é uma demanda de família isso e tem que sair do ministério da Família. Claro, em parceria e anuência com o ministério da Educação, mas a iniciativa deste ministério é legítima.