VERSÃO DE IMPRESSÃO
Política
07/11/2015 07:00:00
Eduardo Cunha sustenta que não tem contas no exterior

G1/LD

O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reafirmou nesta sexta-feira (6), em entrevista ao G1 e à TV Globo, que não tem contas bancárias nem é proprietário, acionista ou cotista de empresas no exterior.

Ele responde a processo no Conselho de Ética da Câmara, no qual é acusado de quebra de decoro parlamentar por ter supostamente mentido ao declarar à CPI da Petrobras que não tem contas fora do país.

Cunha diz ter um contrato com um truste proprietário de recursos "de origem antiga" que ele acumulou no exterior nos anos 1980. Um truste é uma entidade legal que administra propriedades e bens em nome de um ou mais beneficiários mediante outorga.

"Desses ativos, administrados e geridos pelo truste, eu sou usufrutuário em vida, em condições pré-contratadas", afirmou Eduardo Cunha.

Durante pelo menos dez anos, de 1993 a 2003, Cunha manteve contas em nome dele no exterior. Posteriormente, o dinheiro passou a ser administrado, segundo ele, pelo truste.

Na entrevista, Cunha antecipou a linha de defesa que adotará no processo no Conselho de Ética e que, se enviado ao plenário para votação, pode levar à cassação do mandato.

Investigado na Operação Lava Jato e respondendo a inquérito que tramita no Supremo Tribunal Federal, o presidente da Câmara é acusado em representação dos partidos PSOL e Rede de ter mentido em depoimento à CPI da Petrobras, em março, quando afirmou não ter contas no exterior.

Documentos enviados à Procuradoria Geral da República pelo Ministério Público da Suíça dizem que ele é o controlador de contas naquele país.

A eventual comprovação da mentira é que caracterizaria a quebra de decoro parlamentar, infração pela qual ele ficaria sujeito à cassação do mandato pelo plenário. Daí a tentativa do presidente da Câmara de reunir elementos para demonstrar que não mentiu ao afirmar à CPI: "Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu imposto de renda.”

Venda de carne na África

Cunha afirmou na entrevista que o dinheiro mantido no exterior é “lícito” e proveniente da venda de carne e outros produtos alimentícios no Zaire (atual República do Congo). Os valores teriam sido acumulados na década de 1980, quando ele atuava como uma espécie de “caixeiro-viajante”, vendendo mercadorias na África.

Outra parcela dos recursos depositados fora do Brasil vêm, de acordo com Cunha, de investimentos em ações e bolsas de valores de países como Estados Unidos e China.

O presidente da Câmara argumenta que, por não ser atualmente o titular das contas bancárias, não mentiu à CPI da Petrobras quando disse, em março, que não possuía contas no exterior.

“Veja bem, a minha declaração à CPI pode ser facilmente defendida. Eu não tenho conta no exterior, não sou proprietário ou acionista, cotista de empresa offshore no exterior. O que tenho é um contrato com um truste que passou a ter a propriedade nominal de ativos meus de origem antiga. E desses ativos, administrados e geridos pelo truste, eu sou usufrutuário em vida, em condições pré-contratadas, e por familiares meus, em morte”, disse.

Os documentos enviados pelo Ministério Público da Suíça apontam a existência de três contas ligadas a Eduardo Cunha, chamadas Orion, Triumph, e Netherton. Além de uma outra, chamada Kopec, cuja titular é a mulher dele, Claudia Cruz.

Cunha disse que Orion, Triumph e Netherton foram abertas pelos trustes constituídos por ele para administrar o dinheiro que obteve na venda de carne e investimento em ações, nas décadas de 1980 e 1990. Ele também confirmou a existência da conta em nome da mulher.

Declaração às autoridades

Nenhuma das contas mencionadas pelo Ministério Público da Suíça nem as contas abertas anteriormente por Cunha foi declarada ao Banco Central e à Receita Federal.

Cunha diz que não precisaria declarar os valores atualmente existentes no exterior às autoridades brasileiras porque não é o titular das contas – os titulares, afirmou, são os trustes.

Além disso, segundo ele, os recursos foram gerados e investidos no exterior, sem ter havido envio de dinheiro do Brasil para fora. O peemedebista argumenta que, se tivesse declarado, seria tributado duas vezes – pelas normas do país onde está o dinheiro e pelas regras brasileiras.

“Não declarei ao Banco Central e à Receita Federal porque não houve evasão de recursos. Foram recursos gerados e ganhos no exterior. Hoje, já está fora do período fiscal. A discussão seria sobre a manutenção ou não desses recursos de forma não declarada. Não sou proprietário mais desses recursos. O proprietário é o truste, eu sou apenas o contratante e beneficiário em vida. Por isso a gente acha, os advogados entendem, que não tem obrigatoriedade de declarar o suposto benefício “, alega o presidente da Câmara.

No entanto, de acordo com o Banco Central, todos os acordos de truste que envolvam a guarda e administração de ativos no exterior, tendo como beneficiários pessoas físicas ou jurídicas residentes no Brasil devem ser declaradas por meio de Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE). A declaração precisa ser feita em nome do “beneficiário residente” no Brasil.

O tributarista Heleno Torres, professor da Universidade de São Paulo, afirmou, em entrevista à TV Globo, que os valores também precisariam ser declarados à Receita Federal. “Todos os recursos investidos ou aplicados em trustes no exterior devem ser declarados à Receita Federal e ao Banco Central. É perfeitamente lícito, mas sempre efetuada a declaração ao Banco Central e à Receita Federal”, disse.

Caminho do dinheiro

Cunha afirmou que as primeiras contas no exterior foram abertas nos anos 1980, para depositar dinheiro proveniente da venda de mercadorias para o Zaire. Na década de 1990, as contas “engordaram” com dinheiro que ele obteve em lucro de operações nas bolsas de valores. Naquela época, as contas estavam em nome do próprio Cunha.

Até 2007, o presidente da Câmara diz ter conseguido cerca de US$ 4 milhões. Perguntado se teria provas dos recursos obtidos com operações em bolsa e comércio internacional. Cunha disse que não.

“Veja bem, naquele momento constituí uma companhia fora do Brasil que fazia essa intermediação de mercadorias para serem importadas e exportadas. Obviamente que estamos falando de coisa de 30 anos atrás. Isso não tem documento nem contabilidade de assunto dessa natureza. Essa empresa já foi desfeita. Eu não tenho mais a guarda de nenhum documento que possa gerar isso, a não ser meu passaporte provando as minhas viagens”, disse.

Em 1993, o presidente da Câmara diz ter aberto conta no banco Merrill Lynch, em Nova York, para gerir esses recursos.

Em 2003, contratou dois trustes, no mesmo banco, para administrar os valores e passou a ser beneficiário dos recursos em condições específicas, como pagamento de cursos no exterior para os filhos.

Outra parte do dinheiro deveria render para, após a morte, ficar com a família. Portanto, só no banco de Nova York, Cunha manteve por dez anos conta em nome próprio e sem declarar.

“Não declarei porque o recurso foi gerado fora do país. Pela legislação do país que ele existia, ele foi tributado. Você não tinha naquela época legislação clara sobre lucros no exterior, como tem hoje. Não houve uma evasão de divisas. O que houve foi ganhos no exterior que não foram declarados aqui”, disse.

Em 2007, segundo Cunha, os trustes foram transferidos para a Suíça, por decisão do Merrill Lynch, porque o banco teria uma nova orientação de que contas de estrangeiros deveriam ficar na sede do país europeu.

Entre maio de 2007 e junho de 2008, após o Merrill Lynch ser vendido para o banco Julius Baer, houve nova composição de trustes, com a abertura das contas Triumph e Orion, citadas nos documentos que o Ministério Público da Suíça enviou à Procuradoria Geral da República.

De acordo com Cunha, em setembro de 2008, criou-se a conta Netherton, para onde foram transferidos os recursos das duas contas anteriormente criadas. Essa conta permanece em operação, e o saldo de 2,348 milhões de francos suíços (equivalente a R$ 8,89 milhões, ao câmbio desta sexta) foi bloqueado pelas autoridades da Suíça. A Orion e a Triumph foram extintas.

Conta da mulher

A conta Kopek, da mulher de Cunha, foi aberta em fevereiro de 2008. Segundo o presidente da Câmara, ela possuía como finalidade única pagar despesas de cartão de crédito internacional usado para gastos da família. O peemedebista afirma que já chegou a depositar até US$ 225 mil em “garantia” aos cartões de crédito.

Confrontado com a exigência do Banco Central de que contas com mais de US$ 100 mil sejam declaradas por meio da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), Cunha afirmou não considerar os US$ 225 mil rendimentos da conta, mas sim dinheiro em posse dos cartões de crédito.

Ainda assim, ele admite a possibilidade de declarar a conta e pagar multa e Imposto de Renda pelos anos em que não houve comunicação às autoridades brasileiras.

“Essa conta não foi declarada porque não tinha saldo superior a US$ 100 mil. O dinheiro era do cartão de crédito”, justificou.

Depósito de US$ 1,3 mi

Cunha também diz que não sabe como comprovar a origem de um depósito de 1,3 milhão de francos suíços (US$ 1,3 milhão) feito em 2011 na conta Netherton, da qual é beneficiário.

Esse depósito, feito em cinco transferências, foi apontado em depoimento ao Ministério Público Federal por João Augusto Henriques, lobista supostamente ligado ao PMDB.

Investigado na Operação Lava Jato, João Augusto Henriques disse que o dinheiro seria de um contrato da Petrobras para a exploração de petróleo em Benin, na África.

O lobista diz que fez a transferência a mando do economista Felipe Diniz, filho do deputado Fernando Diniz, ex-líder do PMDB na Câmara, morto em 2009.

Na entrevista ao G1 e à TV Globo, Eduardo Cunha afirma que só soube do depósito um ano depois de o dinheiro aparecer na conta.

O peemedebista diz acreditar que o 1,3 milhão de francos suíços seriam pagamento de uma dívida que o pai de Felipe Diniz, Fernando Diniz, teria contraído com Cunha antes de morrer.

Ele apresentou documentos que mostram quatro transferências de 250 mil francos e uma de 311 mil, em junho de 2011.

Segundo o peemedebista, o dinheiro não foi reconhecido nem aplicado pelo truste que opera a conta na Suíça, por não ser um recurso esperado.

“O truste nem sequer aplicou na taxa de juros mínima, para não perder dinheiro. Qualquer ativo adicional precisa ser contratado, até porque o truste não quer ser associado a uma possível lavagem de dinheiro”, disse.

O peemedebista afirma que não conversou com Felipe Diniz sobre esse depósito, por temer que isso fosse interpretado pelo Ministério Público como combinação de versões.

Segundo Cunha, Diniz desmentiu, em depoimento ao MPF, que tenha determinado esse depósito de 1,3 milhão de francos.

“A única coisa que posso ter me arrependido é de não ter feito uma gestão mais forte desse recurso que o truste teve. A declaração das contas, em si, entendo que não era obrigatória. Não me arrependo disso porque teria feito exatamente a mesma coisa”, afirmou o presidente da Câmara.