FP/PCS
Foi com um certo alívio que executivos de setor de energia, óleo e gás receberam a decisão de Rodolfo Landim de recursar o convite para ocupar a presidência do conselho de administração da Petrobras. Agora, o suspense recai sobre o destino do consultor Adriano Pires, indicado para substituir o general Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobras.
Apesar de o mercado financeiro ter comemorado as duas indicações do governo em nova dança das cadeiras na estatal, entre os especialistas da área de energia, Landim e Pires formariam na Petrobras uma dupla considerada constrangedora, pois ambos são próximos ao empresário baiano Carlos Suarez, que tem fortes interesses no setor de gás.
Suarez é dono da Termogás, empresa que controla distribuidoras de gás encanado em regiões ainda não atendidas por gasodutos, como o Distrito Federal. Ficou mais conhecido com o S da OAS, que ajudou a fundar e da qual depois se desligou.
Uma de suas empresas, a Cigás (Companhia de Gás do Amazonas), tem um discussão judicial envolvendo recolhimento de PIS/Cofins com a Petrobras que passa de R$ 600 milhões.
A percepção no setor empresarial, após o anúncio da dobradinha, é que estava em curso uma engenharia política no governo e no Congresso para dar espaço aos interesses de Suarez na Petrobras. O empresário baiano também é próximo de muitos políticos, especialmente do centrão, entre eles o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Nesse contexto, a discussão sobre a política de preços dos combustíveis, que justificou a queda do general Silva e Luna, passou a ser vista como uma mera cortina de fumaça, levando à percepção de que a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL) ultrapassava todos os limites éticos ao colocar na Petrobras, de uma só vez, dois homens ligados a Suarez.
Diferentes interlocutores do setor empresarial afirmaram que nem o PT chegou ao extremo de entregar a estatal a um interesse tão privado.
Landim é amigo de longa data de Suarez. Chegou a ser investigado por conexões financeiras com o empresário. Autoridades da Suíça informaram o MPF (Ministério Público Federal) no Brasil, dentro da Operação Greenfield, que a Termogás tentava dissimular repasses utilizando contas de terceiros. Uma dessas contas era de Landim.
Ao anunciar que declinava do convite para assumir o conselho da Petrobras, ele disse que pretendia se dedicar ao Flamengo. Quem acompanha o setor de óleo e gás, porém, avalia que há outras razões.
Em 2021, Landim foi denunciado pelo mesmo MPF por suposta gestão fraudulenta de investimentos que teria provocado perdas a fundos de pensão dos empregados da própria Petrobras, da Caixa e do Banco do Brasil. É certo que seria questionado por isso na assembleia que avaliaria a sua indicação, e ele teria desistido temendo a reprovação de seu nome.
Os questionamentos sobre Adriano Pires prosseguem. Suas conexões com o empresário baiano também incomodam e ficaram muito evidentes após sua persistente defesa de térmicas que interessam a Suarez.
Sua empresa de consultoria, o CBIE (Centro Brasileiro de Infraestrutura), presta serviço também para concessionárias de gás encanado, além de petroleiras privadas que operam no país e empresas do setor de energia.
Pires teve diversas reuniões com o MME (Ministério de Minas e Energia) para defender interesses de empresas de geração térmica, um setor que é cliente da estatal.
Com base nas agendas de autoridades do MME, a Folha identificou 32 reuniões entre Pires e representantes do ministério desde 2019. Em 14 delas, foi recebido pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. A última foi no domingo (27), um dia antes do anúncio da troca de comando na estatal.
Em nove ocasiões em que esteve no MME, Pires é apresentado na agenda oficial como integrante de comitiva da Abraget (Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas). Em outras duas, acompanhou executivos da New Fortress Energy, que importa gás para o país.
Quatro das reuniões com a Abraget foram realizadas entre março e maio de 2021, período em que o Congresso debatia a MP de privatização da Eletrobras. O texto final sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro trouxe a obrigação de compra de 8 GW (gigawatts) em energia de termelétricas.
Criticada pelo mercado como uma medida que encarece o preço da energia, a obrigação beneficia não só investidores em térmicas, mas também o mercado de gás natural, ao prever a construção das usinas longe da malha atual de gasodutos, impondo assim bilionários investimentos em tubulações.
Essa cláusula foi colocada no texto da MP pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), que relatou o projeto na Câmara, e acabou sendo encampada pelo governo. Para o mercado, ela beneficia principalmente Carlos Suarez.
Todo o trabalho de Pires em defesa das térmicas no projeto da privatização da Eletrobras é citado como uma mácula em seu currículo por executivos e especialistas da área de energia, pois há consenso de que o uso dessas térmicas não tem sentido econômico.
Também é notória e muito comentada a estreita ligação de Pires com o paulista Rubens Ometto, principal acionista da Cosan.
Antes, em 2019, quando governo e Congresso trabalhavam na Nova Lei do Gás, Pires se reuniu várias vezes com Bento Albuquerque no gabinete do ministro no Rio de Janeiro. Em uma delas, em maio, levou Luis Henrique Guimarães, diretor-presidente da Cosan, empresa que controla a Comgás.
Segundo pessoas que participaram das discussões, a Cosan pleiteava que um gasoduto projetado para São Paulo fosse enquadrado como um duto privado para distribuição, forma de mantê-lo fechado para a concorrência.
O marco foi aprovado pelo Congresso e sancionado no ano passado, porém, com um revés para a Comgás, já que não acatava seu pedido. A companhia acabou conseguindo aprovar a medida em São Paulo, o que levou a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) a aprovar recurso ao STF (Supremo Tribunal Federal).
No início do governo de Jair Bolsonaro, Adriano Pires renunciou à indicação de seu nome ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) depois que o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) recomendou o cancelamento de sua nomeação.
"O problema era de conflito de interesses, uma vez que ele ocupava um cargo de conselheiro no CNPE, com acesso a informações privilegiadas, e prestava consultoria a empresas privadas interessadas nas decisões do CNPE", disse o procurador Julio Marcelo de Oliveira à Folha.
"Se ele não prestasse consultoria, não haveria problema. Na época ele optou por deixar o conselho e continuar como consultor. Imagino agora que ele se dedicará exclusivamente à empresa [Petrobras]."
Todas as ligações de Pires com e esses e outros representantes do setor privado já estão sendo questionadas, pois muitos avaliam que possa haver conflitos de interesses intransponíveis.
Na quarta-feira (30), o deputado Jorge Solla (PT-BA) anunciou que enviaria representação sobre o caso ao Ministério Público e cobraria posicionamento do TCU, sinalizando o tom da discussão em curso. "Há um flagrante conflito de interesses na nomeação desse lobista para presidir a nossa Petrobras", argumentou.
Na sexta-feira (1º), o Ministério Público do TCU entrou com uma representação para apurar eventual ingerência do governo na Petrobras com a troca no comando da estatal. A peça, assinada pelo procurador Lucas Furtado, pede ainda que só seja nomeado após investigação da CGU (Controladoria-Geral da União) e da Comissão de Ética sobre possível conflito de interesse, devido à atuação dele no setor. Deputados do PT também entraram no MME com um pedido de Lei de Acesso à Informação para obter detalhes sobre as relações de Pires com empresas do setor de gás.
O advogado Mauro Menezes, que comandou a Comissão de Ética Pública da Presidência durante o governo de Michel Temer, diz que não existe nenhum impedimento para que um executivo ou um consultor atuante no setor privado assuma cargo no setor público ou vice-versa, contando que se preserve os mecanismos capazes de evitar a chamada porta giratória e o conflito de interesse desse trânsito.
As regras que formalizam essa garantia, lembra ele, estão regulamentados na lei 12.813 e exigem, basicamente, que a desvinculação seja completa e indiscutível. Como a relação de Adriano Pires com o setor de gás é notória, ele recomenda que a prestação de contas seja minuciosa.
"Publicamente se comenta que a relação dele [Adriano Pires} com empresas privadas é muito estreita, então, há uma zona cruzada perigosa, e ele deve deixar claro que se desligou de entidades e empresas que possam gerar conflito de interesse para o novo posto", diz Menezes. "Ele precisa prestar contas imediatamente."
A reportagem enviou ao CBIE perguntas sobre seus clientes, a atuação de Pires como consultor e sobre o que ele fará com sua participação na consultoria ao assumir a Petrobras, mas a empresa disse que não poderia atender porque ele está em período de silêncio.
Guimarães, da Cosan, disse que todas as suas reuniões com o ministro estão na agenda oficial e que discutia temas relacionados ao mercado de energia. Diz ainda não se lembrar de ter participado de reunião com Pires.
O MME não respondeu até a publicação desta reportagem. A Folha não conseguiu contato com o empresário Carlos Suarez.