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O vice-presidente Michel Temer sabe que, a partir de agora, a postura afável, discreta e conciliadora pode ajudá-lo a serenar os ânimos do país, mas não vai ser de nenhuma valia para enfrentar as crises - econômica, política e ética - que desafiam o Brasil.
A economia está destroçada, 10 milhões de brasileiros não têm emprego, a pobreza avança, o PIB cai, a credibilidade dos políticos se encontra próxima a zero. Se, de fato, assumir o comando do país, Temer precisará emitir sinais claros de que está disposto a encarar as grandes questões com o mesmo infatigável empenho com que convenceu os deputados a votar pelo impeachment.
Na semana que antecedeu a decisão histórica da Câmara, Temer se reuniu e conversou com representantes de praticamente todo o espectro político do país. Foram quase 100 interlocutores por dia: do ex-deputado mensaleiro Roberto Jefferson ao então ainda ministro Gilberto Kassab, de magistrados do Supremo Tribunal Federal a empresários de vários calibres.
Fez acenos de boa vontade, deu garantias de mudanças substanciais e, aos mais chegados, revelou as linhas gerais do seu plano de governo. Em uma reunião com aliados, expressou uma convicção, que habitualmente assalta a todos os que estão prestes a se sentar na cadeira presidencial em momentos de crise: "Não posso cometer erros".
A seu círculo mais próximo, Temer já confidenciou o drama central de sua eventual gestão: atacar de frente o desastre fiscal do país sem, no entanto, estrangular os que mais necessitam dos serviços do Estado - um dilema que só se resolve, de fato, com crescimento econômico.
O problema é que o crescimento econômico não se retoma de uma hora para outra, e o eventual governo Temer terá pressa. Se conseguir desvencilhar-se dessa armadilha de modo satisfatório, terá dado o principal passo rumo à recuperação do país, com repercussão óbvia no clima político.
Além disso, Temer prepara um amplo ajuste na máquina federal com a meta de reduzir o número de ministérios para algo próximo a vinte, o que tem mais efeito psicológico do que prático. Outra medida, esta sim efetiva, será o corte dos chamados cargos comissionados - o gigantesco cabide de empregos historicamente usado pelos governantes para abrigar afilhados políticos e companheiros de partido.
Temer também pretende exonerar todos os ministros nomeados por Dilma e redistribuir os cargos entre os partidos de sua coalizão. Garantiu que tenciona empossar apenas auxiliares com conhecimento da área. Na economia, sua ideia é nomear gente cujo "nome se explique por si só", nas palavras de um aliado próximo. Nada de aventureiros, nem de fichas-sujas, o que já exclui de antemão boa parte da cúpula de seu partido - se a promessa for cumprida.
Na economia, Temer quer deixar evidentes as diferenças entre ele e sua antecessora. A tônica estatista vai dar lugar a amplos programas de concessão de portos, aeroportos e rodovias. As privatizações, satanizadas pelos petistas, voltarão à agenda do país, a começar por órgãos como a Infraero e a BR Distribuidora, repartições públicas até bem pouco tempo atrás usadas pelos próprios peemedebistas como centrais de empreguismo e propina.
A crise continuará por um bom tempo. A diferença, agora, é que se abre a oportunidade para que sejam enterrados dogmas equivocados do governo petista e se inicie uma fase de correção dos desequilíbrios criados ou exacerbados nos últimos anos. A primeira preocupação de Temer será reverter as expectativas negativas que se depositaram sobre o país.
É emergencial reconquistar a credibilidade desperdiçada nos anos Dilma. Mesmo sem incorrer no equívoco de governar para os investidores ou para grupos econômicos específicos, um presidente precisa obter um atestado de confiabilidade dos agentes do setor privado, nacionais e estrangeiros, para tocar o país em frente. Os empreendedores necessitam de previsibilidade para fazer projetos e retirar da gaveta os planos de novos negócios.
Por isso, o documento "Uma ponte para o futuro", divulgado em outubro do ano passado e tido desde então como a base para o programa de um eventual governo Temer, gasta boa parte de suas linhas e tópicos justamente na defesa do equilíbrio das contas públicas e da aprovação de reformas relegadas a segundo plano por Dilma. O documento fala em estabelecer limites para os gastos públicos, integrar o país mais estreitamente à economia internacional, reorganizar as relações trabalhistas, entre outras iniciativas que nunca foram prioridades de Dilma. No campo das diretrizes econômicas, está o fim da concessão de privilégios a grupos ou setores específicos - em referência às empresas privadas que dispõem de crédito subsidiado ou de alíquotas mais baixas nos tributos.
Aos interlocutores, o ex-ministro Moreira Franco, o grande aliado de Temer em suas articulações nos últimos meses, afirma que a ideia é ter uma política econômica convencional, sem surpresas, em linha com o que foi feito no Brasil nos períodos recentes mais prósperos. O peemedebista também tem frisado que o rigor nos gastos públicos não será feito ao preço do corte dos principais programas sociais, como o Bolsa Família.
Foi o que procurou enfatizar o próprio Temer no discurso providencialmente vazado na semana passada. Em um trecho, afirmou Temer: "Sei que dizem de vez em quando que, se outrem assumir, nós vamos acabar com o Bolsa Família, com o Pronatec. Isso é falso, é mentiroso e é fruto dessa política mais rasteira que tomou conta do país".
Faz parte das promessas, discutidas nos debates internos do grupo de Temer, o "resgate da dívida social": melhorar a qualidade dos serviços de saúde, da educação e da segurança pública, que estão na raiz do descontentamento crescente da sociedade com os governos, de todos os partidos. Para aperfeiçoar os serviços, devem ser adotadas métricas de desempenho que permitam avaliar a eficácia de investimentos, de forma a reduzir os casos de dinheiro mal aplicado.
O plano de Temer, lançado como uma carta de intenções que agora tem sido transformada em um plano executivo detalhado, com metas e prazos, prevê encaminhar a reforma da Previdência, com a exigência de idade mínima para a aposentadoria e a desvinculação dos benefícios sociais dos reajustes do salário mínimo. As propostas passam ainda pela simplificação tributária.
Há o consenso de que não é preciso criar fórmulas mágicas para a retomada do crescimento, como fez a presidente Dilma em seu primeiro mandato, com resultados desastrosos. Para trazer a inflação de volta ao centro da meta, a tarefa não ficará mais a cargo apenas da taxa de juros e do Banco Central. O combate se dará na frente fiscal, com a redução da demanda via despesas públicas.
Tudo muito bonito no discurso, mas Temer terá de se equilibrar entre interesses irreconciliáveis. A seu favor, existe a perspectiva de o seu governo contar, ao menos no início, com um Congresso mais amigável. A base política de Dilma se esfacelou. "Um governo de transição tem a capacidade de gerar consensos", diz a economista Zeina Latiff, da XP Investimentos. "Nesse aspecto, é possível que se aprove uma reforma da Previdência, por exemplo."
Para o economista Gesner Oliveira, da consultoria GO Associados, é difícil antecipar como será o governo de transição, mas, com articulação, há chance de ajustes fundamentais. "O governo Itamar foi recebido com muito ceticismo e promoveu reformas importantes, principalmente na economia", afirma. A curto prazo, é consenso entre os consultores econômicos que a questão mais emergencial é, como Temer já revelou a seus aliados mais próximos, estancar o rombo nas finanças públicas. Com suas peripécias econômicas, Dilma conseguiu, ao fim, fazer o Brasil perder o grau de investimento, atestado das economias sólidas, aprofundando a crise. Diante desse desastre, é óbvio que Michel Temer não pode mesmo errar.