G1/PCS
Nenhum piloto brasileiro possui até hoje a habilitação específica para pilotar o Cessna 560 XLS , segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Esse é o modelo do jato que caiu em Santos (SP) em agosto de 2014, matando o então candidato presidencial Eduardo Campos e outras seis pessoas.
Atualmente, voam no país 14 jatos desse modelo.
"No momento, não consta na Anac nenhum registro de habilitação da variante XLS do modelo de aeronave Cessna 560. Conforme previsto na IS 61-004, somente no momento da renovação de suas habilitações é que o piloto deverá registrar a informação sobre os treinamentos realizados por ele e que hoje já estão dispostos em sua Caderneta Individual de Voo (CIV)", informou, em nota ao G1, a Anac.
Em dezembro de 2014, 160 pilotos de aviação executiva estavam habilitados a voar aeronaves da família Cessna 560 no Brasil.
O major Carlos Henrique Baldin, que participa da investigação do acidente de Campos no Cenipa, nega que a falta de treinamento específico para o Cessna 560XLS desqualificava os pilotos de Eduardo Campos para operar o avião.
“Para nós do Cenipa, o mais importante é saber se estavam em condições de treinamento e qualificação compatíveis com aquele equipamento e com as condições de meteorologia. A questão de estar habilitado, formalmente ou não, não é tão importante assim, é questão mais administrativa. Tem que perguntar à Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] para saber, por que [a norma sobre habilitações] estava em transição. Habilitação é questão administrativa que a Anac tem que ver”, respondeu.
Entenda como é a habilitação
Em janeiro passado, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), que apura a tragédia, apontou que, de acordo com os documentos da tripulação, tanto o comandante, Marcos Martins, quanto o copiloto, Geraldo Magela Barbosa, tinham habilitação para voar em modelos anteriores (Cessna C560 Encore ou C560 Encore e o Cessna 560XLS), e não no modelo utilizado (um Cessna C560XLS ), mais moderno e com especificações na cabine e no painel diferentes.
O Cenipa investiga se a falta deste treinamento específico para os pilotos pode ter interferido na tragédia. A Anac argumenta que não há documentos que provem "que os pilotos não tinham o treinamento necessário para o Cessna 560XLS ".
Isso porque, até julho de 2014, um mês antes da tragédia, a agência expedia uma habilitação genérica que habilitava os pilotos de Cessna 560 a voarem todos os modelos de jatos executivos desta família, mesmo que o piloto fizesse a checagem de avaliação em versões mais antigas.
A partir da Instrução Suplementar 61-004, que entrou em vigor há oito meses, todos os pilotos que operam o avião teriam que fazer um treinamento para conhecer as diferenças entre os aviões da família Cessna 560 e também uma avaliação e um teste em voo comprovando a proficiência. Os treinamentos de diferenças e de adaptação passaram a ser obrigatórios para que o piloto pudesse obter uma habilitação específica para cada modelo, inclusive para o Cessna 560XLS .
Por esta nova regra, os pilotos teriam que fazer a comprovação no momento que fizessem a renovação da habilitação.
A norma entrou em vigor em julho de 2014 e, até fevereiro de 2015, nenhum piloto tinha obtido a nova habilitação para pilotar o jato Cessna 560 XLS , diz a Anac.
O Cenipa chegou, inclusive, a expedir em novembro de 2014 uma recomendação solicitando que a Anac "assegure" que os pilotos estivessem devidamente treinados e habilitados conforme a instrução de julho para operarem aeronaves Cessna no Brasil.
Anotação em caderneta
Segundo a Anac, a comprovação do treinamento compatível com o jato, e que ficaria registrada oficialmente, deveria ser feita pelo comandante e pelo copiloto quando eles fizessem a renovação da habilitação. Martins deveria refazer o documento em janeiro de 2015 e Cunha e maio deste ano.
A Anac alega, contudo, que os treinamentos para que o piloto pudesse transitar entre operações de diferentes modelos de aeronaves já está previsto no Regulamento Brasileiro da Aviação Civil nº 61, de 2012.
O registro deste treinamento deve ser feito na Caderneta Individual de Voo de cada piloto, e nenhum registro era feito formalmente na Anac até então, diz a agência. As cadernetas de ambos os pilotos queimaram no acidente e não foram recuperadas.
“É importante destacar que não existem evidências de que eles não teriam esse treinamento”, diz a Anac.
O G1 procurou a TAM Executiva, representante da Cessna no Brasil, que afirmou que os questionamentos deveriam ser enviados à fabricante. A Cessna diz que os treinamentos são dados por centros de instrução em simulador credenciados e não se manifestou sobre as diferenças entre os aviões e se presta orientação aos pilotos sobre modo de operação dos mesmos.
Nota da Anac
Em nota enviada ao G1 após a publicação desta reportagem, a Anac diz que "não é correto afirmar que não existem pilotos treinados para operar a variante XLS do modelo Cessna 560 considerando apenas a informação de que não há, até a presente data, registro da realização desse tipo de treinamento por pilotos que renovaram suas habilitações desde a publicação da IS 61-004".