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Alvos da delação premiada da JBS vão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular as provas apresentadas pelos delatores. Ministros da Corte ouvidos pelo GLOBO dizem que há brecha para esse questionamento antes mesmo da aceitação da denúncia.
Parte dos magistrados admite que é possível anular provas e depoimentos neste momento, seja de forma parcial ou totalmente. O principal motivo para provocar eventual nulidade é a forma como a delação foi negociada, posta em xeque a partir da divulgação dos áudios dos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud. A defesa do senador Aécio Neves (PSDB-MG) deve adotar essa estratégia para tentar livrar o tucano das acusações.
— Tem espaço para se questionar as provas apresentadas pelos delatores da JBS. Faremos isso quando for aberto o prazo de manifestação para a defesa — disse José Eduardo Alckmin, contratado por Aécio, que responde a dois inquéritos abertos no STF com base na delação da JBS.
A delação da JBS também foi usada em outras investigações — entre elas, duas outras denúncias: uma sobre a suposta organização criminosa do PT e a outra, do PMDB no Senado. Há também um inquérito contra o senador José Serra (PSDB-SP) aberto com base na delação.
A brecha foi identificada na semana passada, durante o julgamento que decidiu enviar a denúncia sobre Michel Temer para a Câmara. No plenário, dois ministros disseram claramente que pessoas atingidas pelas delações podem questionar a licitude das provas. Outros dois mostraram-se abertos a essa possibilidade em casos específicos. Em caráter reservado, outros dois ministros ouvidos pelo GLOBO concordam com a tese.
— Eles podem questionar a partir da abertura do inquérito — avaliou um ministro.
Outro ministro ouvido pelo GLOBO pondera que a discussão sobre provas só pode ser feita a partir da abertura de uma ação penal — ou seja, em uma fase mais avançada das investigações, depois de apresentada e recebida a denúncia:
— Para discutir provas, o momento próprio é na ação penal.
As defesas devem alegar, por exemplo, que a delação foi negociada de forma ilegal. Para alguns advogados, há suspeita de que se trata de ação previamente articulada, com o objetivo de obter provas contra pessoas previamente determinadas.
Mesmo sem o pedido das defesas, o STF tem um encontro marcado com a questão. Fachin poderá levar para votação em plenário a rescisão do acordo de delação da JBS, proposta pela própria Procuradoria-Geral da República (PGR). Os ministros devem concordar com a rescisão e, a partir dessa decisão, poderão discutir se as provas são válidas ou não.
Sobre isso, os ministros se dividem. Alguns defendem que as provas sejam todas mantidas nas investigações, como recomenda o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Outros acham que as provas podem ser mantidas, mas perderiam o peso — ou seja, não teriam força suficiente para justificar a condenação de algum investigado. Há, no entanto, outro grupo no STF que quer a anulação completa de todos os elementos trazidos na delação: depoimentos e provas.
— Vai ser tudo anulado. Quem vai ter coragem de condenar? Como confiar nessa delação? Tudo tem um lado bom. Isso foi bom para botar um freio de arrumação no absurdo que estava sendo feito — disse outro ministro.
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
No julgamento sobre o envio da denúncia de Temer para a Câmara, seis ministros disseram que, como o acordo foi celebrado entre os executivos da JBS e o Ministério Público Federal (MPF), a defesa do presidente não poderia questionar a validade da delação, por jurisprudência do tribunal. A discussão foi sobre o tema específico. Ficou decidido que o STF não pode se manifestar sobre o caso sem autorização prévia da Câmara. Somente se os deputados autorizarem, o tribunal poderá analisar as provas da JBS no momento em que for julgar a denúncia.
Em outros casos, porém, o entendimento do STF pode ser diferente porque não há necessidade de autorização prévia da Câmara para julgar parlamentares. Por isso, essa discussão pode ser antecipada a uma fase ainda de inquérito, antes da apresentação da denúncia por parte da PGR.
No plenário, Gilmar Mendes questionou a jurisprudência do tribunal. Ele ponderou que os acordos de delação normalmente são firmados para atingir outra pessoa. Para o ministro, o mais justo seria que o atingido pudesse questionar a validade da delação e das provas apresentadas pelos colaboradores antes mesmo da abertura de um processo judicial. E que o STF pudesse analisar a validade dessas provas. Gilmar defendeu que o tribunal reveja essa norma.
— Este é um contrato muito particular. Ele só existe para repercutir a esfera de terceiros. Firmamos jurisprudência impropria. É um contrato entre o Ministério Público e o delator criminoso, mas voltado a repercutir a esfera jurídica de terceiros. A mim me parece que essa questão será rediscutida — disse Gilmar, na quarta, em plenário.
Marco Aurélio Mello foi um dos que concordaram e votou da mesma forma, para que a pessoa atingida pela delação possa questionar as provas apresentadas a qualquer momento.