UOL/PCS
ImprimirA omissão da Polícia Militar em estados dominados por gestões ligadas ao bolsonarismo permitiu que atos golpistas nas rodovias federais pudessem ocorrer livremente sem que fossem devidamente coibidos. A postura menos contundente da corporação nesses bloqueios contrasta com a forma de agir em protestos promovidos por outras categorias.
Levantamento feito pelo UOL Notícias compara ações anteriores com episódios ocorridos em estados como Mato Grosso, Santa Catarina e Paraná, onde há maior adesão aos atos golpistas.
Os bloqueios ocorrem desde o dia 30 de outubro, quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) derrotou o presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno da disputa pelo Planalto. Os manifestantes contestam o resultado das urnas e pedem intervenção militar.
Mato Grosso
No estado de Mato Grosso, Bolsonaro teve 65% dos votos válidos contra 35% de Lula. O governador Mauro Mendes (União Brasil) é apoiador do atual chefe do Executivo, que foi derrotado nas urnas.
Terror na rodovia sem resposta imediata. Na noite de sábado (19), cerca de dez homens armados invadiram uma base da concessionária que administra a BR-163 para atear fogo em veículos, atirar e render funcionários.
Em meio à escalada da violência nos atos, não houve uma resposta imediata, apesar da solicitação feita em documento enviado pelo MPF (Ministério Público Federal), que pediu reforço da Polícia Militar no mesmo dia do ataque.
O governo de Mato Grosso só agiu na manhã de terça-feira (22), informando ter liberado 18 pontos de bloqueio com o auxílio de policiais, que usaram cavalos e jatos d'água para liberar a pista. A intervenção ocorreu mais de 48 horas após o primeiro atentado.
O episódio contrasta com a atuação da Polícia Militar em outros atos no estado. Em novembro de 2015, policiais militares atuaram em conjunto com a PRF (Polícia Rodoviária Federal) para liberar a BR-174 após um protesto de garimpeiros. Mesmo após a desocupação, os agentes seguiram no local, ao contrário do que vem ocorrendo nos atos golpistas.
Em abril de 2020, policiais militares prenderam sete moradores que faziam um protesto pedindo por asfalto em uma rua de Cuiabá, na capital do estado. De acordo com a PM, o grupo foi detido por desobediência, resistência e desacato.
Jogo de empurra
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso informou que os questionamentos sobre uma eventual omissão da Polícia Militar deveriam ser respondidos pela própria corporação, que possui "corregedoria própria para apurar denúncias."
A PM, contudo, disse que a demanda deveria ser respondida pela secretaria. "É importante ressaltar que não há ação exclusivamente da PM aqui em Mato Grosso, mas, sim, uma ação conjunta e coordenada por todas as forças de segurança do Estado. Portanto, os questionamentos relativos a operações devem ser encaminhados para a Secretaria de Estado de Segurança Pública."
Paraná
Milhares de professores em greve se reuniram nos arredores da Assembleia Legislativa do Paraná em 2015 para pressionar contra mudanças no regime previdenciário. O então governador Beto Richa (PSDB) escalou 1,5 mil policiais militares para fazer o policiamento, efetivo maior que o de Curitiba.
Quando os professores forçaram as grades que cercavam a Assembleia Legislativa, o caos se formou. Cassetetes e spray de pimenta entraram em ação. Os grevistas reagiram atirando copos plásticos e armas de munição não letal atiraram balas de borracha no meio da multidão. O saldo foi de 200 professores feridos —13 em estado grave.
A rápida resposta e o nível de violência contrastam com o patrulhamento de atos golpistas no território paranaense. O comandante da Polícia Militar, coronel Hudson Leôncio Teixeira, foi ao encontro dos manifestantes na PR-151, em Ponta Grossa, e admitiu que estava cometendo um crime ao não encerrar os bloqueios de rodovias.
"É preciso que vocês também tenham bom senso. Senão, a gente vai fazer o que a lei está determinando. Na verdade, a gente está prevaricando. Já deveria ter feito. Vamos começar a fazer multa para todo mundo, multa de trânsito e aquela multa de R$ 100 mil", disse.
O caso aconteceu no terceiro dia depois da proclamação da eleição presidencial. Depois de ser gravado admitindo cometer crime, o comandante da Polícia Militar do Paraná reconheceu que poderia desbloquear as rodovias, mas usando a força. "Eu consigo a qualquer momento se eu fizer uso da força. Só que eu tenho responsabilidade."
A PM do Paraná informou, por meio da assessoria de imprensa, que atua desde o primeiro dia de manifestações e que a orientação é de diálogo com os manifestantes para a desobstrução das vias. A corporação acrescentou que realizou mais de 270 ações de liberação de vias desde o final do segundo turno da eleição.
A assessoria de imprensa ainda negou que esteja agindo de forma diferente com manifestações favoráveis a Bolsonaro. "São dadas as mesmas determinações aos policiais. O uso progressivo e escalonado da força se dá mediante graves ameaças ou ataques às equipes policiais." Por último, a PM do Paraná ressaltou que tem bloqueios parciais ou totais há duas semanas.
Santa Catarina
Comandante ausente. Estado com mais bloqueios de rodovias nos primeiros dias depois da derrota de Bolsonaro, Santa Catarina custou a liberar todas as estradas. A situação chegou a gerar falta de combustíveis nos postos de gasolina. Viagens de ônibus se tornaram martírio com um dia e meio de duração e o acesso ao Rio Grande do Sul fechado.
Pedro Valentin, 42 anos, tentava sair de Florianópolis para Santa Rosa (RS) porque a mãe estava na UTI. Ficou parado no asfalto. O presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Alexandre de Moraes, determinou que os governadores enviassem a Polícia Militar para resolver a situação.
Ocorre que, em Santa Catarina, a corporação não apresentou a prontidão que se espera dela. Os bloqueios custaram a ser desmobilizados. A dificuldade em aparecer também se aplica ao comandante da Polícia Militar, coronel Marcelo Pontes.
Convidado para uma reunião com o presidente do TSE para ontem, ele se recusou a aparecer. Justificou que tinha compromisso pré-agendado, como solenidades e burocracias administrativas.
A pauta do encontro era a colaboração entre a corporação e a Justiça Eleitoral, mas há a expectativa de que seriam tratados os atos de natureza golpista que ocorrem em vários pontos do país, como protestos na frente de quartéis pedindo intervenção militar. Nada que comovesse o coronel Pontes.
Em contrapartida, uma manifestação favorável a democracia ocorrida no centro de Florianópolis em 11 de agosto terminou em confusão. O protesto foi acompanhado pela PM e houve confronto com uso de cassetetes e bala de borracha por parte da tropa. Uma mulher foi presa.
Por nota, a PM catarinense disse que fez uso progressivo da força para liberação de vias, e citou o apoio do Batalhão de Choque em apoio à PRF. Também foi mencionada a presença do comandante-geral numa operação em Itajaí.
A respeito da suposta diferença de abordagem conforme o campo político que promove uma manifestação, a corporação disse que o argumento não procede. "A Polícia Militar de Santa Catarina possui um protocolo de atuação operacional, agindo sempre com imparcialidade e buscando as melhores soluções no intuito buscar o equilíbrio em garantir o direito às manifestações, sem que traga prejuízos à coletividade."