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ImprimirA redução gradual de áreas alagáveis e as mudanças em cadeia causadas por uma estiagem prolongada no Pantanal estão afetando diretamente a vida de alguns animais intrinsecamente dependentes dos ciclos de cheia.
Essa situação diz respeito aos jacarés pantaneiros. Um estudo em andamento feito pela Embrapa Pantanal procura detectar se houve redução preocupante na população da espécie.
Para concluir essa avaliação, haverá, em setembro, levantamento aéreo para quantificar os impactos.
Para se chegar a essa etapa de alerta, uma série de eventos foi registrada com jacarés entre 2020 e este ano. A estimativa até o início deste mês é de que pouco mais de mil jacarés foram rodeados pela estiagem e submetidos à condição de desnutrição e grau severo de falta de acesso à água.
Com a redução de áreas alagadas ao longo de três anos, a quantidade de alimentação disponível passou a ficar mais escassa.
Não só isso, as distâncias a que os animais passaram a ser submetidos para conseguir chegar a uma lagoa, por exemplo, criaram condições para favorecer uma mortandade talvez maior do que a considerada normal.
Pesquisadores, agora, buscam dados consolidados para identificar se a espécie foi mesmo submetida a condições de redução da população.
“A situação piorou muito neste ano. As chuvas no começo do ano ficaram abaixo da média. Dessa forma, o Pantanal está mais seco, e, assim, os jacarés ficam mais debilitados e desidratados. Muitos morreram”, disse Zilca Maria da Silva Campos.
“O levantamento aéreo será realizado em setembro de 2022, quando, então, poderemos quantificar os impactos da seca nas populações de jacarés no Pantanal”, detalhou.
A engenheira florestal e doutora em Ecologia é pesquisadora da Embrapa desde 1989 e especialista em manejo da vida silvestre, atuando principalmente com jacarés do Pantanal.
Ela conduz a pesquisa em andamento e prepara também a publicação de artigo científico, a ser divulgado em revista especializada. Conforme ela apontou, a desnutrição é um dos problemas que surgem com a estiagem.
REPRODUÇÃO
Reflexos indiretos das condições climáticas também causam efeito na reprodução desses répteis. Nesse sentido, a possibilidade de afetar a população gera um problema ainda maior.
Estudos da Embrapa Pantanal indicam que os jacarés podem ter a primeira reprodução somente após 8 a 13 anos de vida. Essas peculiaridades podem gerar problemas que não são sentidos agora, mas a médio e longo prazo.
Além disso, a alteração do ambiente tradicional para a fêmea depositar os ovos também gera efeitos.
“É necessário proteger os ambientes em que as fêmeas fazem os ninhos, evitando desmatamentos, mudanças no regime das chuvas, drenagens, fogo e outras ações humanas que destruam esses ambientes. A fêmea do jacaré-do-pantanal faz a postura dos ovos no começo do ano, coincidindo com o período chuvoso. As chuvas e a inundação do Pantanal são importantes para a reprodução dos jacarés”, detalhou informe técnico da Embrapa Pantanal.
Cada fêmea pode colocar de 20 a 30 ovos por vez, e os locais preferidos para os ninhos são ambientes de mata, pastagens e vegetação flutuante. Depois disso, ela permanece no local e faz a proteção dos filhotes até que completem um ano de vida.
“Não temos ainda [números sobre a população de jacarés]. A redução deles pode ser em altos níveis em algumas fazendas da Nhecolândia. O levantamento aéreo dos jacarés vai permitir avaliar e quantificar os impactos. As áreas mais sensíveis são aquelas longe de rios e corixos”, pontuou Zilca Maria da Silva Campos.
OUTRA FRENTE
Enquanto esse levantamento quantitativo está em andamento, há outra frente trabalhando para atender os jacarés localizados em condições adversas.
Biólogos e médicos-veterinários do Grupo de Resgate Técnico Animal Cerrado Pantanal (Gretap-MS) fazem o monitoramento de centenas de indivíduos que foram encontrados nas regiões do Paiaguás e da Nhecolândia.
No mês passado houve a localização desses grupos, e desde 27 de maio há uma operação em andamento.
Na sexta-feira, técnicos do Gretap-MS fizeram reunião para coligir dados levantados no acompanhamento dos jacarés ao longo de quase 10 dias.
Foram feitas filmagens e acompanhamento para identificar se os indivíduos conseguem sair da região com falta de água suficiente para a sobrevivência deles.
Um dos aspectos que o grupo está observando é que a situação encontrada não está relacionada, diretamente, a um acidente ambiental. As baías onde os jacarés viviam secaram, e há análise se haverá a necessidade de manejo.
Em uma medida emergencial, com envolvimento da Polícia Militar Ambiental, houve a doação de 300 kg de proteína animal, que foi levada para cerca de 250 animais ilhados.
A iniciativa foi feita porque eles estavam desnutridos e o alimento poderia dar condições para eles migrarem de área. A questão do manejo precisa ser observada com relação à alteração do ciclo natural desses animais.
O Pantanal abriga uma população vigorosa em anos de oferta de ambientes. A Embrapa Pantanal avalia que antes da estiagem havia em torno de 3 milhões de indivíduos.
Entre 1980 e 1990, a espécie ficou ameaçada de extinção, por conta do tráfico de couro e da matança para a venda de carne.