Correio do Estado/LD
ImprimirA história é semelhante ao filme “Rio”, mas, desta vez, a defensora da espécie é genuinamente brasileira. Para evitar a extinção da arara-azul, a bióloga e professora doutora Neiva Guedes dedicou-se ao projeto homônimo, que já dura mais de duas décadas. Ao longo dos 25 anos engajados à salvação da ave, a profissional conseguiu mais que dobrar a população. No fim da década de 80, eram estimados 2.500 indivíduos; deste total, 1.500 residiam no Pantanal. Em 2005, o cenário estava totalmente diferente, já havia 5 mil araras-azuis colorindo o céu sul-mato-grossense; destas, 3.000 são monitoradas atualmente.
Porém, a estratégia para salvá-las não foi tão simples quanto a conta de multiplicação. Para reforçar a preservação, era necessário catalogar cada ninho da arara no Pantanal, monitorá-los para entender como as aves viviam e quais eram os maiores riscos para que todas as informações fossem documentadas. Neiva conta que, na época, muitos a taxavam como “louca”, diziam que jamais conseguiria mudar a realidade de uma espécie toda.
Teimosa, como ela mesma se denomina, mesmo com fases difíceis que quase a fizeram “jogar tudo para o alto”, a bióloga persistiu. No começo, foi em busca de parceiros que pudessem dar estrutura ao projeto. Uma das primeiras portas foi aberta pela Toyota, que cedeu uma caminhonete, necessária para locomoção no Pantanal em qualquer estação do ano. “Como ainda éramos poucos, eu mesma fui a piloto de teste”, conta. No início da década de 1990, a equipe demorava mais de 14 horas para chegar ao Pantanal da região Nhecolândia. Agora, o trajeto é feito em apenas 4 horas.
Mais equipada, Neiva também conseguiu dedicar-se melhor à saga e dar sequência às instalações dos pioneiros ninhos artificiais feitos somente nas árvores manduvi, em virtude da maciez da madeira. As caixas duram cerca de 10 anos e passam por manutenções durante este período. “Isso porque ela belisca o ninho todo para se acomodar melhor, como fazem nas árvores”, elucida.
Após muitos testes, a equipe do projeto conseguiu fazer com que as araras se adaptassem à casa feita por eles. Hoje são 599 ninhos, entre artificiais e naturais, cadastrados em 57 fazendas espalhadas por Miranda, Aquidauana e Bonito. Além disso, há também em Mato Grosso, na cidade de Barão de Melgaço. A base de campo da equipe fica em Miranda, no Refúgio Ecológico Caiman, que, além de dar abrigo aos animais, também é especializado em turismo voltado à natureza. As araras-azuis residem, ainda, em Tocantins, Amazônia e Bolívia; no entanto, correm mais riscos nestes locais.
Neiva explica que, na ausência de projetos como o “Arara-Azul”, a espécie fica exposta ao contrabando, fator relevante para a extinção. A descaracterização do ambiente natural em que vivem e chuva em grande quantidade, que acaba inundando o ninho, contam para a escassez da ave. A lista de predadores também é extensa. Tucanos, quatis, gambás, gralhas, carcarás e até mesmo onças podem invadir os ninhos em busca de filhotes e ovos, para saciar a fome.
Assim como para as áreas nas quais vão residir, as araras são seletivas e só comem dois tipos de castanhas: acuri e bocaiuva, frutos oriundos de duas espécies de palmeira. O período de reprodução vai de julho a março e geralmente resulta em, no máximo, três ovos; mas, na maior parte dos casos, apenas um filhote sobrevive. Eles ficam em total dependência dos pais por quatro meses, tempo que levam para aprender a voar e quebrar a própria castanha; mesmo assim, a família só se separa depois de 18 meses de convivência.
As araras selvagens vivem, em média, 35 anos, já as domesticadas, com autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), conseguem prolongar o tempo de vida por seis décadas. “Isso porque elas estão protegidas dos riscos da mata”, explica Neiva, que, de qualquer forma, não aconselha a criação da ave como bicho de estimação.
Curiosidade
Ao contrário do que muitos acreditam, uma das principais personagens do longa “Rio”, a corajosa Jade, não é uma arara-azul. Ela faz parte da espécie denominada ararinha. Esta, segundo Neiva, faz parte da longa lista de extintas há algum tempo. Hoje, estima-se que existam 74 ararinhas, nove no Brasil, nove na Europa, e o restante no Catar, onde fazem parte da criação de um sheik árabe.