Domingo, 9 de Fevereiro de 2025
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19/01/2025 11:54:00
Trump articula construção de nova ordem e coloca mundo em tensão máxima

UOL/PCS

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Bandeira com a imagem de Trump é carregada por apoiadores em comício em Nova York

Nos corredores do prédio da ONU, em Nova York, o semblante de funcionários e diplomatas não esconde a tensão. Todos sabem que, a partir de segunda-feira (20), tudo será diferente. Donald Trump assume a Presidência americana mais forte do que nunca, preparado para implementar a transformação proposta por movimentos ultraconservadores e grupos de extrema direita.

Sua equipe avalia que a atual ordem mundial, estabelecida em 1945 com base nos interesses americanos, tornou-se uma ameaça à segurança nacional. O objetivo é desmantelá-la e construir uma nova estrutura que restabeleça a hegemonia dos EUA. Para diplomatas, isso marca o fim dos pilares da política externa americana dos últimos 80 anos, com valores sendo abandonados em nome do poder.

Nos organismos internacionais, já abalados por uma crise de legitimidade, prevalece a incerteza sobre quem sobreviverá e quais projetos serão enterrados. Trump defende a paz, mas sob seus próprios termos, recorrendo, se necessário, ao poderio militar e econômico dos EUA. Seu lema: "paz pela força".

Um plano estratégico de 900 páginas delineia as prioridades internas e externas do novo governo. No centro, está a redução de qualquer dependência em relação à China, vista como o maior desafio existencial dos EUA. Para isso, é crucial encerrar outras guerras, como no Oriente Médio e na Ucrânia, e concentrar esforços na competição com Pequim.

Para Marco Rubio, novo chanceler de Trump, Vladimir Putin não será o centro quando a história do século 21 for contada. Por isso, a guerra na Ucrânia precisa acabar, ainda que concessões.

A paz no Oriente Médio também cumpre essa função de liberar recursos e energia americana para enfrentar seu maior concorrente. A pressa será por uma normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, minando inclusive a posição russa na região e marginalizando a ameaça iraniana.

Rubio reforçou a prioridade na contenção da China em sua sabatina no Senado. Ele alertou que, em menos de uma década, os EUA poderão depender da autorização chinesa para suprir suas necessidades, dado o controle de Pequim sobre cadeias de fornecimento globais. O plano de Trump, portanto, tem como meta reduzir essa dependência.

"A China é o maior desafio que os EUA já tiveram em sua história, superando mesmo a União Soviética. Isso vai definir o século 21", alertou Rubio.

Para ele, não apenas a ordem mundial está obsoleta. "Mas é um instrumento contra os EUA", disse. "Somos chamados a criar um mundo livre a partir do caos. Não será fácil", disse. Ele prometeu colocar o interesse americano no centro de sua administração, e não a preservação da ordem mundial.

Implementar isso inclui a retomada da atividade industrial americana, mesmo que exija a construção de muros tarifários contra produtos estrangeiros e em violação às regras mundiais do comércio. Trump, por exemplo, já prometeu elevar barreiras de importação, inclusive para bens vendidos por aliados.

Também está prevista a transformação de organismos internacionais, como a ONU e a OMS, considerados alinhados a interesses chineses. A Otan será mantida, desde que os europeus aumentem seus investimentos na aliança. Ambientalmente, as regras climáticas e ambientais serão descartadas, vistas como obstáculos à produção industrial.

No âmbito territorial, o plano inclui áreas estratégicas como o Canal do Panamá, onde empresas chinesas dominam os lados Pacífico e Atlântico, e a Groenlândia, com rotas estratégicas que poderão surgir com o degelo. Além disso, há a ambição de liderar avanços digitais, incluindo inteligência artificial e propaganda social em massa.

China no horizonte

Se o plano americano está traçado, diplomatas e negociadores apontam que Trump terá sérios desafios para implementar esse reposicionamento. E o motivo, segundo eles, é simples: a China já está ocupando os locais cobiçados pelos americanos e não está disposta a sair.

A realidade é que Pequim está ainda mais poderosa que em 2017, no primeiro governo Trump, e se estabeleceu como a maior parceira comercial de mais de cem países. Os investimentos também são críticos, com contratos de 30 anos em direitos de mineração e exploração de portos pelo mundo.

Se não bastasse, a China criou um colchão inédito na história do comércio mundial. Em 2024, ela acumulou um superávit de US$ 1 trilhão. O valor é três vezes maior que o que existia em 2018.

A China consolidou sua posição como maior parceira comercial de mais de cem países, acumulou um superávit comercial recorde e responde por 27% da produção industrial mundial. Até o fim da década, esse número pode chegar a 40%, posição que os EUA ocuparam em 1945.

A implementação dessas políticas, portanto, pode desencadear tensões globais, com riscos de disputas territoriais. Negociadores alertam que ações americanas, como a retomada do Canal do Panamá, podem provocar reações chinesas em Taiwan ou russas na Geórgia.

Outro risco é de que, ao tentar reconstruir sua base industrial, Trump abra guerras comerciais pelo mundo, com consequências imprevisíveis. Em seu primeiro mandato, um dos resultados de sua política foi o esvaziamento dos tribunais do comércio na OMC. Sem as leis, portanto, chancelarias europeias e de países emergentes apontam que a "lei da selva" pode vigorar.

"Viveremos dias parecidos ao do auge da Guerra Fria. Tensão máxima", prevê um experiente de embaixador em Nova York.

A angústia é quebrada apenas pela ironia. Para diplomatas latino-americanos, a região poderá ver o desembarque da Doutrina Donroe —um jogo de palavras com a Doutrina Monroe, atualizada para o mandato de Trump.

Naquele momento da Presidência de Monroe, em 1823, o inimigo era o imperialismo europeu e os americanos despontavam como a ambição de hegemonia. Duzentos anos depois, é a China que surge como o desafio existencial.

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