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ImprimirNo mês em que se celebra o Dia Mundial de Combate ao Tráfico de Pessoas, 30 de julho, a Defensoria Pública do Estado reuniu especialistas pra debater o tema e defender o trabalho integrado das autoridades públicas, a participação de instituições da sociedade e o envolvimento do setor privado. O defensor geral, Pedro PauloGasparini, apontou a necessidade de atenção especial às cidades que estão “no olho do furacão do desenvolvimento” e mencionou especificamente Ribas do Rio Pardo e Inocência, que vivenciam uma abrupta disparada na oferta de empregos com a chegada de dois projetos gigantes ligados à celulose, e fazendas do Pantanal, onde as condições geográficas colocam trabalhadores em regiões remotas. Entre os participantes, também ficou clara a preocupação com o aumento dos problemas com a consolidação da Rota Bioceânica.
Classificando o tráfico de pessoas como um crime invisível e silencioso, ele aponta como um dificultador a falta de percepção das próprias pessoas exploradas ou, ainda, a vergonha de revelar que foram enganadas. Gasparini comparou que são pessoas que buscavam um sonho e encontraram pesadelo.
Ele considerou essencial o engajamento de setores e debates para dar mais visibilidade ao tema. O alerta do defensor sobre o trabalho em fazendas está amparado nos números. No mês passado, a Sead (Secretaria Estadual de Assistência Social e dos Direitos Humanos) divulgou que 37% das ocorrências de trabalho escravo estão associadas à pecuária. No mês passado, auditores do trabalho e policiais federais resgataram dez pessoas em fazendas no Pantanal.
No último levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego, o Estado acumulava 27 denúncias de trabalho escravo, 26 no campo e uma na construção civil. Os números também revelam uma particularidade local: as fronteiras com Paraguai e Bolívia e as populações indígenas trazem uma oferta fácil de pessoas para serem aliciadas e exploradas. No mapa, entre as cidades com mais casos estão várias fronteiriças, com Corumbá no topo, seguida de Porto Murtinho, Bela Vista e ainda Ponta Porã, Antônio João e Laguna Carapã com flagrantes.
O procurador do trabalho Paulo Douglas de Morais também apontou MS como um corredor para o tráfico de bolivianos rumo a São Paulo, situação que sequer precisaria ocorrer, disse, uma vez que eles poderiam entrar no País e chegar a São Paulo para trabalhar livremente, sem a clandestinidade. Ele atribui o fato à desinformação, que deve ser combatida, inclusive por autoridades do país vizinho.
Os vizinhos, e também trabalhadores brasileiros, são preocupação diante do avanço do projeto da Rota Bioceânica. Murtinho já vivencia um aumento no fluxo de pessoas com a obra da ponte e, em breve, a chegada da obra bancada pela União para criar um anel viário e acesso à travessia. Concretizada a Rota, ela proporcionará um movimento adicional de gente indo e vindo entre os países envolvidos.
Crimes relacionados- O tráfico de pessoas tem pena de 4 a 8 anos, podendo aumentar até a metade em determinadas circunstâncias. É um crime que nunca ocorre isolado. Ele é associado ao trabalho escravo, retirada de órgãos, exploração sexual e ainda uma modalidade mais recente, que desafia as autoridades, segundo Marina Bernardes de Almeida, coordenadora de Gestão da Política e dos Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Ela diz que tem ocorrido caso de jovens aliciados para atuar com crimes virtuais, como criptomoedas e jogos, que acabam indo parar na Ásia. Marina também aponta conexão com ações que degradam o meio ambiente.
É um tipo de crime que vai “mudando de roupagem”, adverte, defendendo maior repressão e condenações, para o ciclo “ir se fechando”. O mesmo entendimento expressa a professora da UFMS, Cláudia Araújo de Lima, veterana no tema. Ela também mencionou a extensão das fronteiras e a facilidade de abordar pessoas, em especial as crianças. Segundo relatou, em uma contagem foi possível perceber que por dia mais de 70 crianças e adolescentes circulam sozinhos na fronteira com a Bolívia para estudar em Corumbá.
Para ela, é preciso acompanhar o desenvolvimento econômico, como o Estado tem vivenciado, porque o progresso tem como face negativa o favorecimento para ocorrência do tráfico e exploração de pessoas.
Tecnologia para cooptar – Também palestrante do evento, Graziella do Ó Rocha, outra veterana no tema, diretora da Asbrad (Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude), faz o alerta para o amplo uso da tecnologia para atrair vítimas para situações de exploração. Desde pessoas que se mostram bem sucedidas em redes sociais, como chamariz, e despertam um interesse afetivo, até crianças e jovens atraídos em jogos on line. Nem sempre é para uma situação de trabalho, mas também exploração afetiva, abuso, condição que ainda se discute como encaixar nos debates sobre enfrentamento, explica.
Não faltam relatos de casos que chegaram à Asbrad. Graziella menciona despretensiosos grupos de whats app em que cooptadores obtêm dados de eventuais vítimas para o tráfico de drogas, bate-papo para aprendizado de idiomas em que a pessoa pode se sentir atraída, deixar o país e passar por exploração sexual ou até mesmo trabalho doméstico forçado.
A tecnologia que possibilita monitorar vítimas e exercer controle sem precisar apontar uma arma também tem o lado positivo, menciona. Ela permite ampliar investigações, rastrear recursos de quadrilhas, receber denúncias e oferecer mecanismos para os pais protegerem crianças e adolescentes.
As três convidadas foram unânimes em alertar que o enfrentamento do tráfico de pessoas precisa olhar para a vítima, ter uma face educativa, ensinando desde cedo sobre os riscos. Cláudia diz que é preciso um enfrentamento coletivo, com estratégias locais.
Dela vem uma defesa veemente: é preciso lutar contra a pobreza e miséria extremas para as pessoas não serem vulneráveis a propostas tentadoras, mas que, na verdade, resultam em servidão.