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ImprimirInvestigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) aponta que o deputado estadual Roberto Razuk Filho, o Neno Razuk (PL), é o chefe da quadrilha que tentava assumir o comando do jogo do bicho em Campo Grande. É o que diz a denúncia da operação Sucessione, que chegou à segunda fase e pediu a prisão do parlamentar.
Conforme o arcabouço probatório de 526 páginas, todos os documentos, trocas de informações com unidades policiais e de inteligência, vigilâncias, entrevistas, reconhecimentos operacionais, tomada de depoimentos levaram a identificar Neno como o "cabeça" da organização criminosa.
A investigação do Gaeco afirma que os episódios foram resultado de disputa entre grupos criminosos pelo monopólio dos jogos de azar após a Operação Omertà, que desarticulou o jogo do bicho liderado por integrantes da família de Jamil Name.
Neste cenário, a organização criminosa do interior liderada por Neno tentava assumir o comando na Capital. O grupo estava disputando espaço com uma outra organização de jogos de azar paulista, que já estava assumindo as bancas.
Para conseguir dominar a área, o político tinha em seu grupo agentes da segurança pública, que recebiam propina e auxiliavam na prática de roubos. O objetivo das ações era cooptar pessoas ligadas a grupos criminosos adversários para ampliar o poder da exploração dos jogos ilegais.
O deputado contava com a ajuda do major da Polícia Militar, Gilberto Luiz dos Santos, conhecido como “Coronel” e “Barba”, para fazer o gerenciamento.
Começo
Tudo começou no dia 16 de outubro deste ano, após três roubos simples serem registrados, à luz do dia, com utilização de pistolas e o mesmo "modus operandi".
Os assaltantes escolheram a dedo os “recolhes”, apelido dos motociclistas que realizam a coleta dos valores obtidos com as apostas dos jogos. As três vítimas de roubos relataram à polícia características de carros que foram cruciais para ligar Neno à organização.
Com três crimes semelhantes, no mesmo dia e horário, a equipe do Garras (Grupo Especializado de Repressão a Roubos a Banco, Assaltos e Sequestros) foi acionada e perseguiu um dos veículos usados no primeiro roubo.
O Hyundai/HB20 estacionou em frente a uma residência, no bairro Monte Castelo. O investigado José Eduardo Abdulahad, o “Zeizo”, recebeu os policiais e acompanhou a diligência.
“Foi, então, que as equipes policiais, durante a busca pelos assaltantes, encontraram verdadeiro ponto de concentração da organização criminosa voltado à exploração do jogo do bicho, contendo centenas de máquinas usadas nas operações do jogo de azar, além acessórios e de R$ 2,5 mil em dinheiro”, explica a investigação.
Outros nove homens que estavam dentro da residência afirmaram que foram ao local jogar pôquer. Dentre eles, dois eram militares: o “Barba” e Manoel José Ribeiro, o “Manelão”.
“Como o HB20 branco usado no primeiro roubo empreendeu fuga, os policiais encontraram na casa o Pálio Cinza e o Polo Branco (esse alugado em nome do Neno) usado nos outros roubos. Ou seja, enquanto se buscavam elementos sobre o 1º roubo (HB20), os policiais do GARRAS terminaram por encontrar carros empregados no 2º (Fiat/Pálio de cor escura e Renault branco) e no 3º roubos (VW/Polo branco e Fiat de cor escura), tudo no ponto de concentração da organização criminosa destinado à exploração do jogo do bicho”, complementa a investigação.
Inteligência
O trabalho de inteligência da polícia foi fundamental para o andamento da investigação após a abordagem na residência.
A apuração apresenta dados importantes que mostram que “recolhes” que trabalhavam para a família Name há mais de 20 anos tiveram o serviço paralisado após a Operação Omertà e foram cooptados por “um grupo de São Paulo”, que tentava assumir o comando.
O grupo paulista remunerava os “recolhes” com salário mensal de R$ 4 mil e os “apontadores” com comissão de 20% sobre os jogos. O trabalho consistia em, diariamente, retirar envelopes contendo os numerários arrecadados com o jogo do bicho em cerca de 30 pontos, com regras de segurança para ninguém saber destino final do dinheiro.
Já o grupo de Neno oferecia o mesmo salário, mais 5% de comissão no valor dos malotes mensais. A estimativa era que o motociclista terminasse o mês com cerca de R$ 15 mil.
A investigação ainda teve acesso ao sistema de segurança do condomínio Damha III de Campo Grande, onde mora o deputado. Por isso, Neno é denunciado como mandante dos roubos e líder da organização criminosa.
Várias visitas dos veículos utilizados nos crimes de roubo a “recolhes” foram identificados entrando no condomínio Damha III de Campo Grande, para ir até a casa do parlamentar. A polícia também teve acesso ao relatório dos nomes que utilizavam o carro para chegar até Neno.
Inquérito
O Gaeco apontou Neno como líder de uma organização criminosa dedicada à prática dos crimes de roubo majorado, exploração de jogos de azar e corrupção. O Major Gilberto Luiz dos Santos ("Coronel ou Barba") é suspeito por gerenciar o esquema.
Já os investigados Diego de Souza Nunes, José Eduardo Abdulahad ("Zeizo"), Júlio Cezar Ferreira dos Santos, Luiz Paulo Bernardes Braga, Sargento Manoel José Ribeiro ("Manelão"), Mateus Júnior Aquino, Taygor Ivan Moretto Pelissari, Tiano Waldenor de Moraes, Valmir Queiroz Martinelli, Leydianne de Matos Rios de Moraes, Flávio Henrique Espíndola Figueiredo, e, Weslei de Queiroz Santos, possuíam papéis bem definidos para executar os crimes que sustentavam a organização.
Competência
O Gaeco ressaltou que entre os investigados está o ocupante do cargo de deputado estadual. “Não obstante tenha havido muita discussão acerca do tema - foro por prerrogativa, a Suprema Corte Brasileira fixou tese estabelecendo que o foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”.
Para a coordenadora do Gaeco, procuradora de justiça Ana Lara Camargo de Castro, a investigação em curso visa definir a existência de organização criminosa voltada ao cometimento de crimes de roubo majorado, exploração do jogo do bicho, corrupção e delitos correlatos.
“Ou seja, crimes que não estão relacionados à função desempenhada pelo investigado Roberto Razuk Filho. A competência para análise e processamento dos pedidos é do juízo de primeira instância”, reivindicou.
TJMS negou
Apesar do pedido do Gaeco, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul negou a prisão temporária do deputado estadual Neno Razuk.
Para o juiz Robson Celeste Candeloro, apesar dos fortes indícios da participação do parlamentar como líder da organização criminosa, o pedido da decretação da sua prisão temporária seria juridicamente inviável diante da imunidade formal que socorre o investigado.
“Razão pela qual não resta alternativa senão o indeferimento do pedido em relação a ele. Consigno, porém, que não obstante o pedido da prisão temporária tenha sido indeferido em razão da imunidade formal que impede a decretação da prisão de parlamentar, é certo que o crime de organização criminosa é permanente, e como tal comporta prisão em flagrante, o que escapa à vedação legal e dispensa ordem judicial”, justificou o magistrado.Ele ainda concluiu que nenhuma medida cautelar apresentada será eficaz no caso concreto. “Tanto que em razão da impossibilidade jurídica de decretação da prisão temporária do representado Roberto Razuk Filho este juízo não decretou nenhuma acautelatória em relação a ele, o que juridicamente seria possível em razão de não ser tal medida alcançada pela imunidade formal que lhe socorre, mas deixei de fazer em razão da ineficácia das medidas em questão”.
Prisão temporária
Seguem presos por 30 dias os integrantes do grupo: Diego de Souza Nunes, Gilberto Luiz dos Santos ("Coronel ou Barba"), José Eduardo Abdulahad (Zeizo), Júlio Cezar Ferreira dos Santos, Luiz Paulo Bernardes Braga, Manoel José Ribeiro ("Manelão), Mateus Júnior Aquino, Taygor Ivan Moretto Pelissari, Tiano Waldenor de Moraes e Valmir Queiroz Martinelli.
Resposta
A reportagem procurou o deputado Neno Razuk para se pronunciar em relação à denúncia contra ele. Por nota, o parlamentar explicou que "todos os pronunciamentos já foram feitos, inclusive com entrevista concedida ao Campo Grande News".
Não conseguimos contato com as defesas das outras pessoas citadas na reportagem e apontadas pelo Ministério Público como integrantes da quadrilha.