Sábado, 23 de Novembro de 2024
Polícia
05/03/2014 09:00:00
Menino teve fígado dilacerado pelo pai, que não admitia que criança gostasse de lavar louça
O encontro da criança tímida com o pai desempregado, que já cumprira pena por tráfico de drogas, não poderia ter sido mais desastroso.

Globo

Imprimir
Alex, de 8 anos, era espancado repetidas vezes para aprender a
A\n tragédia começou a ser delineada aos poucos. Em Mossoró, segunda maior cidade\n do Rio Grande do Norte, Digna Medeiros, uma jovem de 29 anos que vive da mesada\n de dois salários-mínimos dada pelo pai, começou a ser pressionada pelo Conselho\n Tutelar porque não mandava seu filho Alex, um garoto franzino, que não\n aparentava seus 8 anos, à escola. Ameaçada de perder a guarda, mandou o menino\n para o Rio para que ele morasse com o pai. \n \n O\n encontro da criança tímida com o pai desempregado, que já cumprira pena por\n tráfico de drogas, não poderia ter sido mais desastroso. Horrorizado porque\n Alex gostava de dança do ventre e de lavar louça, Alex André passou a aplicar o\n que chamou de “corretivos”. Surrava o filho repetidas vezes para “ensiná-lo a andar\n como homem”. \n \n No último\n dia 17, iniciou outra sessão de espancamento. Duas horas depois, Alex foi\n levado para um posto de saúde. Parecia desmaiado, com os olhos grandes, de\n cílios longos, entreabertos. Mas não havia mais o que fazer. Estava morto.\n \n As sucessivas\n pancadas do pai, provocadas porque Alex não queria cortar o cabelo, dilaceraram\n o fígado do garotinho. Uma hemorragia interna se seguiu, levando o menino, que\n também gostava de forró e de brincar de carrinho, a óbito. Apesar de a\n madrasta, Gisele Soares, que socorreu o enteado, afirmar que ele tinha\n desmaiado de repente, os médicos da UPA de Vila Kennedy desconfiaram logo de\n violência doméstica. O corpo de Alex, coberto de hematomas, era um mapa dos\n horrores que ele vinha passando. \n \n O laudo\n do Instituto Médico Legal descreve em muitas linhas todo o sofrimento: a\n criança tinha escoriações nos joelhos, cotovelos, perto do ouvido esquerdo, no\n tórax, na região cervical; apresentava também equimoses na face, no tórax, no\n supercílio direito, no deltoide, punho esquerdo, braço e antebraços direitos,\n além de edemas no punho direito e na coxa direita. A legista Áurea Maria\n Tavares Torres também atestou que o corpo magricelo apresentava sinais de\n desnutrição.\n \n O posto\n de saúde chamou o Conselho Tutelar de Bangu, providência que nenhum vizinho do\n menino havia tomado. Alex morava com o pai, a madrasta e outras cinco crianças\n num casebre na Vila Kennedy, uma área sem UPP, onde três facções rivais travam\n uma guerra. Não se sabe se a lei de silêncio, que costuma imperar onde\n traficantes atuam, contaminou quem vivia nas casas próximas, ou se ninguém\n realmente sabia do que se passava no imóvel de três cômodos.\n \n - Eu\n nunca escutei nada. Eu mal via o menino. Pensei até que ele já tivesse voltado\n para o Nordeste. Só os outros filhos saíam de casa. Acho que ele vivia em\n cárcere privado - diz a vizinha Wandina Ribeiro.\n \n No\n depoimento que o pai, apelidado pelos vizinhos de “monstro de Bangu”, deu à\n polícia, há uma pista de que o menininho podia, de fato, sofrer os maus-tratos\n calado: “Enquanto batia, mais irritava o fato de ele não chorar, o que fazia o\n depoente crer que a lição que aplicava não estava sendo suficiente e que, por\n isso, batia mais e mais”. \n \n Um dos\n conselheiros tutelares de Bangu, Rodrigo Coelho, diz que vai pedir à polícia\n que investigue se Alex vivia em cárcere privado. Se os vizinhos dizem não saber\n de nada, no colégio tampouco desconfiavam do que Alex passava em casa.\n Matriculado em maio de 2013 na Escola Municipal Coronel José Gomes Moreira,\n também na Vila Kennedy, o garoto era considerado calmo, obediente e\n inteligente. Teve ótimo desempenho no ano passado: nota 88 no segundo bimestre,\n primeiro que cursou no local, nota 100 no terceiro, e 90 no último. Este ano,\n não apareceu, mas os funcionários não se preocuparam: em janeiro, Alex André\n fora à unidade pedir a documentação escolar, dizendo que o filho voltaria para\n Mossoró.\n \n O menino\n afetuoso, que se dava bem com os colegas, é descrito de forma bem diversa pelo\n pai. No depoimento à polícia, Alex André, que teve a prisão temporária\n decretada no último dia 19 pela juíza Nathalia Magluta e foi levado para o\n Complexo de Gericinó, disse que o filho “era de peitar”, “partia para dentro de\n você”. Segundo policiais que investigam o caso, a frieza de Alex André impressionou\n quem assistiu ao depoimento. Ele negou ter tido a intenção de matar, mas\n insistia que o filho tinha que ser “homem”.\n \n Homofobia\n já tinha feito assassino rejeitar outra criança\n \n Ninguém\n sabe dizer - como se isso tivesse alguma relevância - se Alex era realmente\n afeminado. Mas não faltam relatos de como o pai do menino era homofóbico.\n Sobrinha do assassino, Ingrid Moraes diz que Alex André era “cismado com essa\n coisa de homossexual” e rejeitava o filho mais velho, de 12 anos, por achá-lo\n pouco másculo. O menino, que morava numa rua próxima com a mãe, conta que a\n relação com o pai, que ele mal via, era cheia de segredos.\n \n - Eu\n cuido da casa, mas ele nem sabia. Não acho nada demais, mas ele não aceitava\n muita coisa — diz o garoto, que escapou por pouco de ser surrado. - Uma vez,\n ele tentou, mas meu tio me defendeu.\n \n Se poupou\n o filho mais velho, o mesmo não pode se dizer de outros parentes. Ingrid conta\n que já apanhou de Alex André, que também atacou a própria mãe\n \n Se, em\n família, Alex André resolvia muita coisa no braço, na rua ele fazia valer sua\n condenação por tráfico de drogas (cumpriu pena por quase quatro anos) para\n amedrontar a vizinhança. Sem emprego fixo e vivendo de bicos, costumava\n consumir drogas no meio da rua e, se alguém reclamasse, dizia para não se meterem\n com ele. \n \n Gisele, a\n mulher de Alex André, não tem sido mais vista na Vila Kennedy. Ela abandonou o\n lar no dia seguinte à morte do enteado, quando vizinhos ameaçaram linchá-la e\n atear fogo ao imóvel. À polícia, ela confirmou as palavras do marido e disse\n ser contrária aos castigos físicos. \n \n Digna\n Medeiros, a mãe de Alex, garante que Alex André nunca foi violento com ela:\n \n - Se\n soubesse, não teria deixado o Alex vir para o Rio. Ele era minha vida, nunca\n pensei que isso pudesse acontecer, meu Deus. Preferia que tivesse sido comigo.\n \n Perguntada\n se o filho nunca havia se queixado do pai, Digna contou que só falara duas\n vezes com ele nos últimos nove meses.\n \n - Eu\n liguei no dia que ele foi para o Rio com a aeromoça e falei também quatro dias\n depois. Ele disse que estava tudo bem. Depois, não consegui mais falar com o\n celular do pai dele. Entrei em contato com o irmão do Alex André pelo Facebook\n e ele disse que estava tudo bem. Confiei, afinal ele era tio do meu filho -\n diz.\n \n Digna\n resolveu acompanhar de perto o desenrolar do caso. Deixou o bebê de 8 meses com\n amigos em Mossoró. O filho de 3 anos mora com os avós paternos. O mais velho,\n de 15, que ela não vê desde neném, ela quer encontrar no Rio.\n \n - Tive\n ele muito nova, com 14 anos, não tinha a cabeça que tenho hoje. Deixei ele com\n o pai, lá em Honório Gurgel - diz Digna.\n \n Digna e o\n conselheiro tutelar foram os únicos que participaram do enterro de Alex. Mas a\n cena do menino no caixão branco, de blusinha listrada, ainda marcado pela\n violência, foi tão forte que levou pessoas de quatro velórios que eram\n realizados ao lado a sair de suas capelas para abraçar a mãe.Notícia relacionada\n \n Em\n Coxim, jovem agride o próprio irmão após descobrir que ele é homossexual\n \n \n \n \n
COMENTÁRIO(S)
Últimas notícias