FP/PCS
ImprimirA Polícia Federal encontrou no telefone do principal ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) mensagens que levantaram suspeitas de investigadores sobre transações financeiras feitas no gabinete do presidente da República.
Conversas por escrito, áudios e fotos trocadas pelo tenente-coronel Mauro Cesar Barbosa Cid com outros funcionários da Presidência sugerem a existência de depósitos fracionados e saques em dinheiro.
O material analisado pela Polícia Federal indica que as movimentações financeiras se destinavam a pagar contas pessoais da família presidencial e também de pessoas próximas da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
A assessoria da Presidência nega qualquer irregularidade nas transações e diz que os valores movimentados têm como origem a conta particular do presidente da República.
Com base nesses indicativos coletados pela polícia, o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorizou nas últimas semanas a quebra de sigilo bancário de Cid, atendendo a um pedido da PF, que busca descobrir a origem do dinheiro e se há uso de verba pública.
As transações estão sendo analisadas no âmbito de um inquérito policial, mas ainda não há acusação ou mesmo confirmação das suspeitas levantadas pela PF.
A quebra de sigilo bancário ocorre dentro do caso que apurava o vazamento de uma investigação sobre um hacker no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A apuração foi compartilhada por Moraes e agora tramita no inquérito das milícias digitais.
Nessa investigação sobre o vazamento do caso do ataque ao TSE, Cid virou alvo por ter atuado no episódio e teve o sigilo telemático (emails, arquivos de celular e nuvem de armazenamento) quebrado por ordem de Moraes. Na análise desse material, a PF se deparou com movimentações financeiras que considerou suspeitas.
Em conversas por aplicativos de mensagens, integrantes da Ajudância de Ordens trocam recibos de saques e depósitos e abordam o pagamento de boletos.
Uma das suspeitas que estão sendo apuradas pela PF com base nos diálogos é o pagamento de uma fatura de plano de saúde de um parente do casal presidencial.
Em outro caso, há pagamento fracionado para uma tia de Michelle, que cuida da filha de Bolsonaro, Laura, quando a primeira-dama está em compromissos ou em viagens.
Realizações de depósitos fracionados e saques em espécie chamaram a atenção da polícia, que desconfia da tentativa de ocultar a procedência do dinheiro.
A investigação busca saber se despesas particulares podem ter sido bancadas com dinheiro público. As informações da quebra do sigilo ainda estão sendo analisadas pela PF.
Uma das hipóteses apuradas é se as transações têm origem em valores dos cartões corporativos da Presidência, por exemplo.
A assessoria da Presidência diz que as transações vistas como suspeitas pela PF têm origem em dinheiro privado de Jair Bolsonaro.
"Todos os recursos não têm origem no suprimento de fundos [cartão corporativo]. O presidente nunca sacou um só centavo desse cartão corporativo pessoal. O mesmo está zerado desde janeiro de 2019", afirma.
O tenente-coronel afirma que a escolha do pagamento por meio de saques e depósitos para uma tia de Michelle se deu por razões de segurança.
"Cid não fazia transferência de conta a conta. Ele sacava o dinheiro para a conta do presidente não ficar exposta, com o nome dele no extrato de outra pessoa", diz a assessoria da presidência.
Essa é a mesma justificativa para outras despesas. "Todos esses gastos são pessoais e diários da dona Michelle. Cabeleireiro, manicure, uma compra no site de roupa e outras coisas. A opção foi não colocar a conta do presidente no extrato da manicure, da fisioterapeuta ou outros gastos diários de uma família com 5 pessoas", afirma a assessoria.
A autorização de Moraes atinge Cid e mira também transações suspeitas envolvendo ao menos outros dois ajudantes de ordem da Presidência.
A Ajudância de Ordens é uma estrutura dentro do gabinete pessoal de Bolsonaro. Seus servidores, a maioria militares, atuam diretamente no dia a dia do presidente.
Cid, que tem cargo comissionado, é considerado um dos funcionários mais próximos do presidente no Palácio do Planalto.
Ele participou, por exemplo, dos dois eventos em que a PF imputa crime a Bolsonaro: no vazamento da investigação sobre o ataque hacker ao TSE e na fala em que Bolsonaro atrela o desenvolvimento de Aids à vacinação contra Covid.
Cid também é investigado no mesmo inquérito das milícias digitais por participar da organização da live de 29 de julho de 2021 em que Bolsonaro fez ataques sem provas às urnas eletrônicas.
Em depoimento à PF no inquérito dos atos antidemocráticos, o próprio Cid descreveu suas atribuições. Ele disse ser responsável pela "execução da agenda oficial e privada" de Bolsonaro e "atendimento de suas necessidades diretas e imediatas".