Terra/PCS
ImprimirA Polícia Civil de Joinville (SC) indiciou os jovens Renato e Aline Openkoski, pais do bebê Jonatas, pelos crimes de estelionato e apropriação indébita, cujas penas somadas podem chegar a 9 anos de prisão.
A polícia também pediu a prisão de Renato, sob a justificativa de que ele é o principal articulador dos crimes e diante da constatação de que eles continuam praticando o estelionato arrecadando dinheiro por meio da sensibilização das pessoas. Além deles, o médico Danny César de Oliveira Jumes também foi indiciado pelo crime de falso testemunho.
Os objetos apreendidos pela polícia na residência do casal em um mandado de busca e apreensão em fevereiro, entre eles o carro avaliado em cerca de 140 000 reais; televisão, óculos, perfumes, camisas de time de futebol, roupas e brinquedos, foram remetidos ao Fórum de Joinville com a sugestão de que sejam leiloados e o dinheiro seja revertido ao tratamento da criança.
O casal estava sendo investigado pela delegada Georgia Marrianny Gonçalves Bastos, titular da Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Joinville desde o começo deste ano sob a suspeita de desvio e mau uso do dinheiro arrecadado para o tratamento da doença do filho em campanhas na internet. Jonatas é portador da atrofia muscular espinhal tipo 1 (AME), uma doença genética rara, progressiva e extremamente incapacitante, que pode levar à morte em pouco tempo.
Com a ajuda de milhares de doadores desconhecidos e de celebridades como a atriz Danielle Winitz; as duplas Victor e Léo e Zezé di Camargo e Luciano; as apresentadoras Ana Hickman e Eliana, o cantor Luan Santana entre outros, os pais de Jonatas arrecadaram cerca de 4 milhões de reais em aproximadamente três meses – quantia mais do que suficiente para iniciar o tratamento do menino com o medicamento Spinraza, que promete estabilizar a progressão da doença e até mesmo recuperar movimentos perdidos em alguns casos. Cada dose da medicação custa em torno de 350 mil reais – são necessárias pelo menos quatro ampolas nos dois primeiros meses de tratamento, além das doses de manutenção a cada quatro meses.
O problema surgiu quando o casal Renato e Aline começou a alterar o padrão de vida, chamando a atenção dos doadores anônimos. De um lado, por meio das páginas nas redes sociais, a população pedia transparência e prestação de contas do uso do dinheiro. Do outro lado, Renato e Aline compraram um carro de luxo no valor de R$ 140 mil reais; mudaram de casa; trocaram os aparelhos de celular por modelos mais modernos; gastaram dinheiro em compras supérfluas, como óculos, perfumes, jóias e roupas para eles e não para o bebê.
A gota d’água aconteceu em dezembro do ano passado, na semana do Ano Novo, quando o casal viajou para Fernando de Noronha (um dos destinos turísticos mais caros do Brasil) com o dinheiro arrecadado na campanha, acompanhados do médico Danny César, de Balneário Camboriú. Só de passagens aéreas – pagas em dinheiro e à vista – foram quase 8000 reais. Lá no arquipélago, passaram a virada do ano na disputada Pousada do Zé Maria, reduto de famosos, cujos ingressos da ceia estão à venda neste ano por 1.318 reais taxas para homens e 1.048 reais taxas para mulheres.
Após a viagem, os doadores começaram a exigir prestação de contas – algo nunca feito pelos pais. Além disso, o casal nunca cumpriu um acordo judicial firmado com o Ministério Público e a Justiça de Joinville de fazer o depósito judicial do dinheiro arrecadado e de prestar contas mensalmente. Por conta disso, em janeiro, a Justiça bloqueou as contas do casal e, desde então, o dinheiro tem sido liberado judicialmente apenas após a apresentação de notas ou documentos que comprovem os gastos.
Os crimes
Renato e Aline foram indiciados pelos crimes de estelionato e apropriação indébita – com base no artigo 89 da Lei da Pessoa com Deficiência. Segundo a delegada Geórgia, o estelionato surgiu no decorrer da campanha e foi caracterizado no ápice da arrecadação, em maio de 2017, quando o casal solicitava aos doadores valores em espécie, em mãos, sob argumento de que a conta sofria intervenção da Justiça, o que induzia as pessoas ao erro para eles obterem vantagem ilícita.
“A aplicação do artigo 89 foi resultado dos desvios dos valores da conta poupança do Jonatas, obtidos pela campanha, para uso próprio, como aquisição de celulares em uma cidade vizinha para não chamar a atenção dos doadores. Mas ao longo do ano, outros gastos foram se consolidando, como a compra do carro e da viagem para Fernando de Noronha”, explicou a delegada Geórgia. Sobre o pedido de prisão apenas para Renato, a delegada explicou que o inquérito demonstra que era ele quem articulava todas as ações.
“Ele sempre utiliza novas artimanhas para sensibilizar as pessoas, dissimula a verdade sobre as manifestações judiciais, se faz de vítima e quando os doadores cobram lisura nas redes sociais, ele exclui as indagações. Diante disso, concluo que não há outro recurso capaz de deter esse comportamento se não o cerceamento da liberdade, que está sendo danosa à coletividade.”
A delegada reforçou ainda que os autos do inquérito demonstram que Renato não era tão assíduo nos cuidados de Jonatas como Aline – o que justifica não pedir a prisão dela também. “Neste caso somo sensíveis em entender que é notória a importância da genitora no tratamento da criança, que já demonstra sinais de evolução”, afirmou. Geórgia, no entanto, pede a adoção de uma medida cautelar de proibição de contato com os seguidores das redes sociais, para evitar o surgimento de novas vítimas.
O médico Danny César foi indiciado por falso testemunho, com pena prevista de dois a quatro anos de prisão. À polícia ele afirmou que doou 10 000 reais para que o casal fizesse uma viagem à Fernando de Noronha, fato que foi desmentido após a apreensão dos celulares de Renato e Aline. Em uma troca de mensagens, Aline diz ao médico que um jornalista entraria e contato e pede que ele reforce a versão que eles deram ao fato, confirmando a suposta doação do dinheiro.
O Ministério Público informou que ainda não recebeu o inquérito sobre o caso – o documento foi protocolado na sexta-feira (27) e deve ser distribuídoentre hoje e amanhã. A partir da distribuição, o Ministério Público tem cinco dias para se manifestar sob três possibilidades: o MP acata a acusação da Polícia Civil e denuncia o casal formalmente à Justiça; o MP recebe a acusação mas pede novas diligências e novos depoimentos ou o MP entende que não há crime e arquiva o caso. Para Geórgia, lidar com um caso tão incomum foi um desafio.
“Fizemos o melhor para reconstruir a verdade dos fatos e dar satisfação aos contribuintes desta campanha”, afirmou.