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Polícia
16/01/2012 07:37:44
Violência mata mais usuário de crack do que vício, diz pesquisa em SP
Entre a primeira pitada e o último trago no cachimbo de crack passam 10 anos de uso crônico.

CorreiodoEstado/LD

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\n Entre a primeira pitada e o último trago no cachimbo de crack passam 10 anos de uso crônico. E o motivo que leva o usuário desta droga a deixar de inalar a fumaça tóxica, provavelmente, estará estampado em um boletim de ocorrência policial e não em um prontuário médico. A morte deste dependente químico, quase sempre, tem como gatilho a violência e não uma doença. São informações que estão no mapeamento ainda inédito feito pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os pesquisadores colheram informações de 170 pessoas que vivem na região paulistana conhecida como Cracolândia. Um público que há dez dias voltou a ser notícia por estar no alvo da Polícia Militar, em uma nova tentativa governamental de apagar esta mancha de mazelas sociais que cobre o centro da cidade. Os dados encontrados pela Unifesp revelam que mais da metade dos dependentes usa crack há uma década, um indício de que o vício não tem potencial de destruição tão ágil quanto se supunha.

O encontro com a pedra, para 65% deles, se deu antes dos 18 anos. “O crack surgiu com força no cenário nacional nos anos 80 e ficou mais intensificado na última década. Existem muitos usuários que fazem este uso crônico e prolongado”, afirma o psiquiatra Marcelo Niel, ligado ao Programa de Orientação e Atendimento ao Dependente da Unifesp. “Eles não estão só na Cracolândia. Muitos estão em casa, trabalhando ou em outros pontos da cidade. O risco deste uso por muitos anos é a morte.

E a mortalidade, em muitos casos, está mais ligada aos episódios violentos do que a comprometimentos clínicos (como ocorre com o cigarro, por exemplo).” A pesquisa realizada com os usuários endossa que enquanto uma mão segura o cachimbo a outra está, de alguma forma, ligada à criminalidade. Dos dependentes pesquisados, 13% afirmaram roubar para conseguir a droga. Outros 13% disseram prestar serviços aos traficantes.

Entre as mulheres, uma em cada dez já sofreu violência sexual e a mesma porcentagem, considerando também os homens, faz sexo em troca da droga. Do total de pesquisados, 53% já testemunharam mortes na Cracolândia. Cracolândias invisíveis Esta relação com episódios violentos tem como uma das explicações os próprios danos provocados pelo crack no organismo, explica a psiquiatra da USP e do Centro de Informações Sobre o Álcool (Cisa), Camila Magalhães.

“As substâncias químicas – uma versão mais pobre da cocaína, misturada a tóxicos como ácido sulfúrico – chega ao cérebro rapidamente. O uso contínuo danifica as partes cerebrais responsáveis pelo autocontrole, raiva, planejamento e bom-senso”, explica ela.

O rastro de destruição neurológica deixado pelo crack precisa ser controlado – e monitorado – inclusive no processo de abstinência, reforça o psiquiatra da Associação Brasileira de Estudo do Álcool e Outras Drogas (Abead), Sérgio de Paula Ramos. “Caso a oferta de crack seja suspensa repentinamente sem uma oferta eficiente e imediata de atendimento médico, os únicos efeitos serão o encarecimento do produto e fazer com que o dependente busque até de forma desesperada a droga em outro lugar”, diz Ramos.

“A repressão do tráfico e o primeiro passo para parar de usar são bem-vindos, mas qualquer iniciativa está fadada ao fracasso caso não venha acompanhada de tratamento.” A avaliação de Sérgio de Paula Ramos é partilhada por outros especialistas ouvidos pelo iG para criticar a estratégia divulgada pela Polícia Militar no perímetro urbano que compõe a chamada Cracolândia.

A declaração de um dos responsáveis pela ação é de que o mote da operação é “dor e sofrimento”, ou seja, impedir que o tráfico abasteça a região. Assim, sem conseguir as pedras e em situação de abstinência, os usuários procurariam ajuda médica por conta própria para se livrar do vício.

Com base na experiência com o atendimento de usuários de crack, o especialista da Unifesp Marcelo Niel diz que este processo só agravaria a fissura dos dependentes que procurariam o que ele denomina de “cracolândias invisíveis.” “Uma das maiores dificuldades em tratar o usuário de crack é que ele abandona rápido demais o tratamento”, diz.

“As taxas de evasão superam 40%. No caminho entre a própria casa e o médico, os pacientes contam que encontram quatro pontos de venda de crack e não resistem às recaídas.” “A polícia montou uma ofensiva nas ruas do centro paulistano – principalmente pelas ruas Helvetia, Aurora e Guaianases – mas não consegue estar em todos os pontos onde a droga é vendida. Existem ‘cracolândias invisíveis’ espalhadas pela cidade toda, dentro de apartamentos, cabines telefônicas, favelas, avenidas. É para todos estes locais que os hoje frequentadores da área monitorada vão migrar.”

Fissura medicada Segundo Camila Magalhães, para parar de usar o crack é preciso mesmo uma ruptura, mas este processo deve ser incentivado, acompanhado e esclarecido. “Em especial na primeira semana sem uso, alguns efeitos não são confortáveis, mas a conscientização de que eles são passageiros dão suporte para a continuidade do tratamento”, afirma.

Em alguns casos, a fissura precisa ser tratada com medicações mais fortes que ajudam na desintoxicação. Quem conseguiu deixar as estatísticas dos usuários de crack, como foi o caso de Maria Eugênia Lara, acrescenta mais um incentivo.\n
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