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ImprimirO governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), vetou integralmente um projeto de lei que propunha uma nova regulamentação para a restrição do uso de animais vivos em atividades de ensino no Estado.
O projeto de lei 706/2012, de autoria do deputado estadual Feliciano Filho (PSC), foi aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) no início de julho e atingiria cursos diversos cursos na área de saúde como os de biologia, ciências biomédicas, medicina, medicina veterinária e psicologia.
"Embora reconheça os nobres objetivos do legislador, inspirados na incensurável preocupação com o bem-estar animal e a observância de preceitos éticos no seu uso em atividades de ensino e formação profissional, vejo-me compelido a recusar sanção projeto", disse o governador no texto publicado na edição desta quarta-feira (26/7) pelo Diáro Oficial do Estado de São Paulo.
O governador ainda alegou que, além de não da competência legislativa estadual, a matéria já está sendo tratada no âmbito federal por meio da lei 11.794/2008, regulamentada pelo decreto 6.899/2009, que instituiu o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea).
A decisão se baseou em pareceres das três universidades estaduais paulistas (Unesp, Unicamp e USP). Em reunião com o governador no dia 10 de julho, os reitores das três universidades estaduais de São Paulo pediram o veto integral ao PL 706/2012. O Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV-SP) também pressionou Alckmin a vetar a o projeto de 2012, enquanto defensores dos direitos dos animais trabalharam para que o governador sancionasse o projeto.
Polêmica
Difícil achar nos cursos de veterinária quem não esteja de acordo com a necessidade de reduzir a participação de animais vivos nas atividades didáticas, uma tendência que foi turbinada com a promulgação da Lei Federal 11.794/2008. Conhecida como Lei Arouca, a norma regulamentou o inciso VII do parágrafo 1º do artigo 225 da Constituição Federal, estabelecendo diretrizes para a utilização humanitária de animais com finalidade de ensino e pesquisa científica.
No entanto, o projeto aprovado pela Alesp alimentava forte polêmica em torno dos seguintes pontos: restrição do uso de animais vivos apenas a pacientes reais e sob autorização do dono; falta de uma etapa de adaptação à eventual futura lei; e dissintonia com o marco regulatório para o tema criado a partir da Lei Arouca.
“Não há como preparar adequadamente os alunos para cirurgias, inseminação artificial e cesárias sem que eles realizem procedimentos em animais vivos”, diz o professor José Antonio Visintin, diretor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP (FMVZ/USP).
A possibilidade de utilizar apenas pacientes reais também é considerada bastante limitante para a formação dos estudantes, complementa o diretor da FMVZ/USP. “Para treinar os alunos em cesárias, por exemplo, usamos uma média de quatro vacas ao ano, provenientes do rebanho da faculdade. Ficaria inviável, logisticamente falando, atrelar essas aulas à gestação de vacas em fazendas comerciais.”
“Toda mudança traz desconforto”, afirma Julia Maria Matera, também professora e pesquisadora na FMVZ/USP e entusiasta do projeto de lei 706/2012. Ela desenvolveu uma série de métodos alternativos para dispensar o uso de animais vivos em aulas de cirurgia. Uma dessas técnicas é denominada solução de Larssen modificada, inspirada em técnica empregada para embalsamar cadáveres no século 18 em um hospital na França.
Textura da pele, coloração e estruturas são mantidas e um líquido é bombeado no cadáver do animal imitando o sangue. A professora Matera deixou de empregar animais vivos nas suas aulas de técnica cirúrgica em 2000.
O assunto é polêmico mesmo nos conselhos profissionais das áreas médicas. O Conselho Regional de Medicina Veterinária de São Paulo (CRMV-SP) lembra que compete ao Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea) monitorar e avaliar a introdução de técnicas alternativas ao uso de animais vivos no ensino e na pesquisa, conforme prescreve a Lei Arouca.
“É importante ressaltar que não somos contra a evolução do ensino e a utilização dessas técnicas. O que apenas contestamos é a forma impositiva escolhida para realizá-las, sem levar em consideração a ciência, a área técnica e a manifestação daqueles que realmente atuam nessa área e que unanimemente se posicionaram contra o projeto de lei da forma como foi escrito”, esclarece Leonardo Burlini, porta-voz do CRMV-SP.
Realidade virtual
Favorável ao projeto aprovado pela Alesp, Carlos Müller, presidente da Comissão de Especialidades Emergentes (CNEE) do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), cita diversos métodos humanitários, tais como simuladores (realidade virtual), modelos e manequins, impressoras 3D, vídeos de treinamento cirúrgico, técnicas de pintura corporal, uso de cadáveres de origem ética e estudos em campo. “A experiência em animal vivo que provoque dor ou manifeste crueldade nas atividades de ensino e nas atividades científicas é crime, quando existirem recursos alternativos”, adverte Müller.
“Os fundamentos do projeto estão corretos, mas ele poderia ter sido discutido com mais atores e ter melhor definido os usos prejudiciais de animais nas atividades de ensino”, pondera Rosangela Ribeiro, gerente do programa veterinário do escritório brasileiro da Proteção Animal Mundial, organização com sede em Londres.
Ela acredita que a propositura também poderia incluir uma fase de dois anos para os cursos substituírem integralmente animais vivos por métodos substitutivos, resguardadas as exceções previstas no projeto.
De qualquer forma, a controvérsia em torno do projeto de lei do deputado Feliciano Filho pode servir para fortalecer o marco regulatório sobre procedimentos éticos no uso de animais no ensino e na pesquisa. Na reunião do dia 10 de julho, os reitores das universidades também recomendaram ao governador a criação de uma comissão para estudar mecanismos que aprimorem a implementação em São Paulo da Lei Arouca e resoluções dela derivadas.