Exame/PCS
ImprimirA democracia brasileira passou por um grande teste nos últimos meses com o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Nas eleições municipais, as urnas mostraram que os eleitores escolheram punir o PT. Para o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas, o risco de que o partido desapareça é real.
O PSDB foi o grande vitorioso e deve liderar a agenda do governo de Michel Temer, exercendo o mesmo papel que foi do PMDB em outros governos. A disputa para 2018 está aberta e é imprevisível. Isso, segundo Pereira, não deve anular um eventual sucesso do governo Temer porque todos os partidos tentarão colher frutos eleitorais da recuperação econômica. Nesse contexto, o PSDB sai na frente por enquanto.
As eleições confirmaram a derrota do PT. O partido vai acabar?
Carlos Pereira - O PT está enfrentando um processo normal em uma democracia madura. O partido errou muito: se envolveu em corrupção e fez uma gestão econômica desastrosa. O eleitorado o puniu por esses erros, mas a história mostra que vários partidos conseguiram se reciclar ao reconhecer os erros e voltaram.
O maior problema são as figuras petistas envolvidas em escândalos de corrupção, em especial o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que unifica o partido. Com a possibilidade real de ele enfrentar punições judiciais, o futuro do PT fica em risco. A tendência é que as lideranças mais competitivas procurem outras siglas. Ficarão os que dependem da estrutura partidária. Nessa perspectiva, a possibilidade de o partido se desagregar ou acabar aumenta. A derrota eleitoral não determina a desagregação. As consequências judiciais são o maior risco.
Há PT sem Lula e Lula sem PT?
Carlos Pereira - No curto prazo, não. Houve dificuldade de gestar novas lideranças. A tendência é que o PT mingue e se torne um partido médio ou pequeno. Terá um longo período fora do poder até se renovar e precisará reconhecer erros para se reconectar ao eleitorado. O PT perdeu o eleitor de baixa renda, mais suscetível ao voto conservador da direita, que havia conquistado desde 2002.
Se Lula sofrer punições judiciais, a possibilidade de o PT acabar é real e preocupante. Seria ruim para nossa democracia perder uma referência de esquerda, pois o sistema se qualifica quando há oposições ao governo.
O que será da esquerda?
Carlos Pereira - O PT perdeu quase 60% de suas prefeituras. Mas o Brasil ainda é muito desigual. Enquanto houver muita desigualdade, o eleitorado será suscetível a agendas de inclusão social. Com o tempo, outros partidos de esquerda vão ocupar esse espaço.
Em São Paulo, João Doria Júnior venceu no primeiro turno. O que isso significa?
Carlos Pereira - O eleitor paulistano queria punir o PT. Ao sinalizar mais capacidade de derrotar o PT, todo o eleitorado antipetista migrou para Doria. O povo paulistano estava farto do PT, e Doria encarnou como ninguém esse sentimento. Foi eficiente não só pelo fato de se mostrar como novo, de não ter o perfil de político tradicional, mas por saber preencher essas expectativas. Consolidou o sentimento de punição ao PT.
Qual a influência desse resultado nas eleições de 2018?
Carlos Pereira - O PSDB tende a se consolidar como o maior partido do Brasil no futuro próximo. Aumentou muito o número de prefeituras e tem capilaridade nacional. Os partidos que vão bem localmente reproduzem isso no Congresso, o que pode tornar o PSDB o maior partido do Legislativo em 2018.
Com vitórias em três capitais, além de disputar o segundo turno em outras oito, os tucanos se cacifam para ofertar candidatos críveis e competitivos à Presidência e ao Legislativo em 2018. Tudo depende do desempenho dos prefeitos eleitos.
O crescimento do PSDB pode dificultar uma tentativa de o governo Temer fazer um sucessor?
Carlos Pereira - A tendência é que o governo Temer se torne cada vez mais refém do PSDB. O PSDB hoje é o PMDB do PMDB. É o legislador mediano, que define qual caminho será tomado. Com o PT, o PMDB representava a média da coalizão. Hoje, na coalizão de Temer, esse lugar é do PSDB. Os tucanos estão puxando um ajuste fiscal mais amplo, uma agenda de privatização, e o PMDB está tocando isso.
Essa relação definirá o caminho do governo Temer. Muita gente interpretou negativamente a derrota de candidatos do PMDB. Na verdade, Temer foi o grande vitorioso das eleições, porque seus aliados venceram. Não vejo dificuldade de o governo Temer apoiar um candidato do PSDB à Presidência da República em 2018.
Isso seria a cara do PMDB...
Carlos Pereira - É o partido que representa a preferência média do eleitorado e do Congresso. É o espelho da sociedade brasileira. Não seu lado ruim e corrupto. É um partido que evita extremos, que procura o caminho do meio e soluções negociadas.
É bom que num sistema presidencialista multipartidário como o nosso haja partidos do tipo do PMDB: grande, ideologicamente amorfo, sem agenda predefinida, disposto a apoiar qualquer governo. É vital para a democracia brasileira. É contraintuitivo.
Segundo a mais recente pesquisa, o presidente Temer tem apenas 14% de aprovação popular. A baixa popularidade pode atrapalhá-lo?
Carlos Pereira - Como é um mandato-tampão, e provavelmente Temer não se candidatará à reeleição, ele não tem de se preocupar muito com isso. Está pagando o preço de ser um governo fruto de um processo de impeachment conturbado. Além disso, propõe reformas duras, que causarão perdas no curto prazo a muita gente. As pessoas estão receosas com isso.
Se a economia se equilibrar e as pessoas virem que os benefícios não estarão em risco, a avaliação deve melhorar. Mas Temer não será popular até pelo perfil pouco carismático. Se terminar bem seu mandato, vai entrar para a história como um presidente que colocou o Brasil nos eixos.
Existe um risco de “sarneyzação” do governo?
Carlos Pereira - É pouco provável. As forças políticas que estão com Temer não têm interesse que isso aconteça. O PMDB, se assim o fizer, vai voltar a ser um partido mediano, e o PSDB não vai querer o fracasso. Tudo vai depender das reformas. Se aprovadas, não há risco de virar um governo como o de Sarney, que teve paralisia decisória, incapacidade de ação e hiperinflação.