O Globo/LD
ImprimirO ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou não haver motivos para ir para a cadeia, mas disse, sem apresentar provas, que pessoas "importantes" já discutiam prendê-lo antes do fim do governo, numa espécie de "prisão light", segundo ele, "apenas para carimbá-lo com a pecha de ex-presidiário". As declarações foram dadas em entrevista à revista Veja, publicada nesta sexta-feira, que também contou com a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Bolsonaro é alvo de ao menos 24 ações e inquéritos — entre eles, investigações sobre supostos incitadores e autores intelectuais dos atos golpistas do dia 8 de janeiro; sobre as joias sauditas trazidas pela comitiva presidencial da Arábia Saudita; e sobre a atuação de um grupo que teria inserido dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde.
À Veja, Bolsonaro citou o caso ex-presidente boliviana Jeanine Áñez, presa e condenada sob acusação de atos antidemocráticos, mas negou temer que o mesmo ocorra com ele, no Brasil.
— Para ter algum motivo que justificasse isso, eu precisaria ter feito pelo menos 10% do que ele fez. E eu fiz 0%. Algumas pessoas importantes, não vou dizer os nomes, já diziam antes de acabar o governo que querem me prender. Uma prisão light, apenas para me carimbar com a pecha de ex-presidiário — afirmou Bolsonaro.
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O ex-presidente afirmou que esperava ser perseguido após deixar a Presidência, mas não "dessa forma".
— O pessoal está vindo para cima de mim com lupa. Eu esperava perseguição, mas não dessa maneira. Na terça-feira, nem tinha deixado o prédio da PF ainda e a cópia do meu depoimento já estava na televisão. É um esculacho. Todo o meu entorno é monitorado desde 2021. Quebraram os sigilos do coronel Cid para quê? Para chegar a mim — disse.
Durante a entrevista, o ex-presidente afirmou acreditar que "alguém fez besteira" no caso da emissão de certificados falsos de vacinação. No entanto, ele defendeu o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que foi preso este mês por suspeita de participar do esquema.
— Quem indicou o Cid foi o comando do Exército da época, mas ele me serviu muito bem. Nunca tive nenhum motivo para desconfiar dele, e não quero acusá-lo de nada. Eu tenho um carinho muito especial por ele. É filho de um general da minha turma, considero um filho — afirmou.
Em outro trecho da entrevista, Bolsonaro afirmou não temer que investigadores encontrem "algo comprometedor" nas conversas do ex-ajudante de ordens com ele após a conclusão da perícia em celulares apreendidos.
— Quando se fala em comprometedor, as pessoas pensam logo em dinheiro, em alguma coisa ilícita. Zero, zero. Isso não vai ter. Agora, tem troca de “zaps”, em linguagem de “zap”, tem palavrão. Há certamente conversas que envolvem segredos de estado. Vazar isso, como tem sido feito, é muito grave — afirmou Bolsonaro.
Certificados falsos de vacinação
Durante a entrevista, Bolsonaro voltou a dizer que não agiu para fraudar a certificação de vacinação antes de viajar aos Estados Unidos.
— Ao que tudo indica, alguém fez besteira. Não estou batendo o martelo. Da minha parte não tem problema nenhum. Eu não precisava de vacina para entrar nos EUA. A minha filha também não precisava de nada. Estão investigando essas fraudes de 2022, tudo bem. Mas ninguém está investigando aquela outra que aconteceu em 2021. Alguém entrou no sistema usando o endereço “lula@gmail” para falsificar meu cartão de vacina. O cara pode ser ligado ao PT. Por que não estão investigando? São parciais, na verdade — disse.
Atribuições de Mauro Cid no governo
Bolsonaro também respondeu quais as funções do ex-coronel Mauro Cid como ex-ajudantes de ordens da Presidência.
— Ele atendia o telefone, às vezes um parlamentar, organizava algumas missões que eu dava. Também ficava com ele o meu cartão do Banco do Brasil. Ele movimentava minhas contas, pagava as contas da Michelle, mas não participava das decisões do governo, não interferia, não era, como alguns acham, um conselheiro. Agora, com todo o respeito, quebrar o sigilo de mensagens de um ajudante de ordens do presidente da República é… Vai se ter acesso a 90% da rotina do presidente e também de alguns ministros — afirmou ele.
8 de janeiro
Em abril, Bolsonaro prestou depoimento à PF no inquérito do STF que investiga supostos incitadores e autores intelectuais dos atos golpistas do dia 8 de janeiro. O ex-presidente foi incluído no inquérito após ter compartilhado, dois dias depois dos atos, um vídeo com acusações sem provas ao STF e ao TSE. No depoimento, Bolsonaro afirmou que a publicação foi feita por engano.
Na entrevista à Veja, Bolsonaro disse que "manifestação sempre é uma coisa justa, legal, se for sem violência" e afirmou que os atos golpistas com depredação das sedes de poder, em 8 de janeiro, em Brasília, foram "uma coisa infeliz que aconteceu".
— Só prejudicou a direita, a mim e deu um fôlego à esquerda. Muitos inocentes presos, lamentavelmente. Nada justifica entrar e quebrar patrimônio. Marginais fizeram aquilo. Usaram da boa-fé do nosso pessoal, que nunca virou uma lata de lixo, quebrou uma vidraça ou ateou fogo em nada — afirmou Bolsonaro.
Ex-major Ailton Barros e atos golpistas
Em depoimento à Polícia Federal, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou esta semana que "mantinha" contato com o major reformado Ailton Barros, que é investigado por discutir com outros militares a articulação de um golpe de Estado para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele foi chamado de 'segundo irmão' por Bolsonaro e acompanhou ex-presidente em votação, no ano passado. À Veja, Bolsonaro minimizou a relação com o militar.
— Essa questão do ex-major Ailton é ridícula. Por que a amizade com o Ailton? Porque é paraquedista. Duas vezes por ano tinha encontro de paraquedistas e ele estava lá. Se você conversar com ele, em trinta segundos já não quer mais conversa. Ele mandou um áudio para alguém dizendo que mobilizaria 1 500 homens para um golpe, coisa assim. O Ailton não mobiliza meia dúzia de jogadores de dominó. Se conversar com ele, vai ver isso. É um coitado. Ele queria que eu gravasse um vídeo para ele na campanha do ano passado. Respondi: “Ailton, você é meu irmão, você é meu 02, porque o 01 é o Hélio Negão”. Aí levaram para o lado de que ele é o meu 01 no Rio de Janeiro — destacou.
Barros está preso preventivamente no âmbito da Operação Venire, que investiga um esquema de fraudes no cartão de vacinação do ex-presidente, de sua filha e de assessores e seus familiares.
Joias sauditas
No início de abril, Bolsonaro também prestou depoimento à PF no inquérito sobre as joias sauditas, presente do governo da Arábia Saudita avaliado em R$ 16,5 milhões. A PF apura se Bolsonaro atuou para ficar com os itens. No depoimento, Bolsonaro disse que mandou Mauro Cid verificar o que poderia ser feito com as joias para evitar um vexame diplomático de o presente dado por outra nação ser levado a leilão.
Na entrevista à Veja, Bolsonaro disse que "não houve nada na moita" para liberar as joias, retidas pela Polícia Federal.
— Só fiquei sabendo disso no final de novembro, começo de dezembro. Quando soube, paguei missão, deve ter sido para o Cid: “Vê se pode recuperar”. Depois vimos que tinha um ofício do MME buscando recuperar na Receita, então não foi nada no grito. Tem ofício, e-mail, tudo. Entrou também o meu chefe da Receita, eu conversei com ele perguntando se era possível recuperar. Daí tentaram — talvez tenha havido excesso de iniciativa — resolver o negócio lá. Aí deu a confusão. Não teve nada na moita — afirmou Bolsonaro à revista.
Relação com STF
Na entrevista à Veja, Bolsonaro afirmou que declarações e mensagens de teor golpistas de pessoas próximas a ele eram "desabafos", mas negou que houvesse alguém, no entorno da Presidência, que articulasse uma ação efetiva de golpe de Estado.
— Ninguém defendia [medida mais dura], era desabafo de alguns, fora do gabinete. Eles estavam revoltados com essa situação de interferências no Executivo. Eu recebia em média uma ação por semana do Supremo Tribunal Federal. Mas isso foi antes das eleições — disse.
Bolsonaro disse que ouviu de pessoas próximas "mais nervosas", por exemplo, que deveria "peitar" a decisão do Supremo Tribunal Federal que vetou a posse de Alexandre Ramagem na direção da Polícia Federal. Mas não respondeu diretamente se considera ser perseguido por ministros do STF.
— Não quero polemizar nessa área. Está acontecendo uma conscientização no Brasil e não é só em relação ao meu caso. Eu não quero botar lenha na fogueira. Tem gente de várias formações criticando o que está acontecendo. Não precisa ser muito inteligente para saber de onde vem o problema — disse.
Fraude nas urnas
Bolsonaro disse à Veja que a alegação de fraude nas urnas na disputa à Presidência com Lula "é página virada".
Ele responde a uma ação de investigação judicial eleitoral (Aije) no TSE que apura uma reunião, em julho do ano passado, em que fez ataques às urnas eletrônicas durante uma reunião com representantes estrangeiros no Palácio da Alvorada. O Ministério Público Eleitoral (MPE) já se manifestou a favor do pedido de inelegibilidade do ex-chefe do Executivo. A alegação é que teria havido abuso de poder político na reunião de Bolsonaro com embaixadores.
À Veja, Bolsonaro disse não temer ficar inelegível.
— Qual o argumento para isso? O encontro que tive com embaixadores. Essa é uma política privativa do presidente. Eu abri para a imprensa esse encontro, não tem nada de mais. Discutimos o sistema eleitoral brasileiro, buscando transparência, nada além disso — destacou Bolsonaro.