O Globo/LD
ImprimirCom carreira relâmpago de apenas um mês no serviço público federal, o único homem que teria resistido à corrupção em dois anos de delações ouvidas pelos investigadores da Lava-Jato viajou na manhã desta segunda-feira para o Chile, onde deve permanecer no mínimo por uma semana. Hoje diretor da Campo Verde Trading BV, uma joint venture de brasileiros fundada em 2013 com sede em Amsterdam, Flávio Braile Turquino trabalha hoje, segundo a empresa, na filial de Rolândia, região metropolitana de Londrina (PR), onde sua família, de imigrantes italianos, criou raízes.
Segundo o escritório da empresa em Rolândia, Turquino ausentou-se do país a negócios, para visitar vendedores internacionais da Campo Verde, desta vez no Chile — algo que faria com regularidade. Além da filial no Paraná e da sede na Holanda, a empresa onde Turquino é executivo tem também uma representação em São Paulo no elegante bairro Vila Nova Conceição. Segundo seu site, apresentado em inglês, a Campo Verde pertence a “duas famílias brasileiras com mais de 80 anos de experiência em produção e distribuição agrícola”, especializada em carnes congeladas de alta qualidade (frango, porco e boi), produtos agrícolas e metais — não ferrosos, distribuídos em todo o mundo.
Na faixa dos 40 anos, com formação em Veterinária pela Universidade do Paraná, Turquino está no comando da Campo Verde desde setembro de 2013. Antes, teve a passagem meteórica pelo Ministério da Agricultura, como Diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal. Foi nomeado em 22 de agosto de 2013, e exonerado, a pedido, em 24 de setembro do mesmo ano. Os dois atos foram assinados pela então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, senadora pelo PT, coincidentemente também do Paraná.
A ida de Turquino para o serviço público, que lhe confere agora a fama de honesto, não consta, entretanto, em seu currículo. São detalhadas suas várias experiências na iniciativa privada: Big Frango, onde ficou de 2008 a 2013, Biorigin e Cargill. Seu último cargo antes de chegar à Esplanada dos Ministérios foi de gerente internacional da Big Frango, frigorífico também localizado em Rolândia, que foi comprado, em 2014, pelo grupo JBS-Friboi. Na época do negócio, Turquino já estava fora da empresa — e a JBS, que obteve a provação do Cade à compra, em janeiro de 2015, nega que ele tenha participado da negociação da empresa, direta ou indiretamente.
A JBS também nega que tenha indicado cargos no Ministério da Agricultura ou feito qualquer pedido a Flávio Braile Turquino como diretor de Inspeção de Produtos Animais. Ele foi apontado pelo delator Alexandre Margotto como o único que não teria aceitado imposições do esquema de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro — os quais supostamente, ainda segundo o delator, receberiam influência de Joesley Batista, um dos donos da JBS-Friboi. Margotto afirmou que Turquino teria preferido pedir demissão a sujar o nome de sua família.
“É mentirosa a alegação de que foram pedidos cargos no Ministério da Agricultura (Mapa) ou em qualquer outro órgão público. Essa acusação nos deixa indignados. O nosso relacionamento com o Mapa sempre obedeceu a legislação, pautou-se pela impessoalidade e pelo aprimoramento das práticas sanitárias no país”, informou ao GLOBO a assessoria de imprensa do grupo JBS-Friboi. Procurado durante toda segunda-feira por telefone e e-mail, Flávio Turquino não respondeu à reportagem.
Quando nomeado, Turquino foi alvo de protestos de fiscais sanitários, inconformados com o fato de ele vir da iniciativa privada — alvo da fiscalização. A categoria chegou a fazer greve e a distribuir frangos, em 30 de agosto de 2013, na porta do Ministério da Agricultura. O único ato de Turquino divulgado pelo governo durante seu mês como diretor da Agricultura foi uma regulamentação sobre a quantidade de umidade e de proteína dos frangos resfriados. Os sindicalistas também denunciaram que a família do novo diretor havia sido alvo de uma operação da Polícia Federal, em 2007. Sua saída prematura foi, na época, alvo de comemoração.