O Globo/LD
ImprimirJames Comey, ex-diretor do FBI, começou às 10h04 (horário de Washington) seu depoimento ao Comitê de Inteligência do Senado que apura a interferência russa nas eleições e a eventual tentativa de Donald Trump de barrar as investigações do caso. Em seus primeiros minutos de depoimento, Comey disse que Trump mentiu quando argumentou que o FBI estava em desordem quando o demitiu e que o governo decidiu difamá-lo:
— A Casa Branca optou por me difamar e, mais ainda, o FBI. Isso foi mentira, pura e simples.
Comey disse que se sentiu confuso ao saber, pela televisão, que Trump o demitiu por causa da investigação russa, já que o presidente americano teria elogiado e garantido a ele que seu trabalho estava indo bem.
— Entendo que eu poderia ter sido demitido pelo presidente por qualquer razão ou razão nenhuma. A mudança de explicações me confundiu e cada vez mais me preocupou. Ele (Trump) repetidamente disse que eu estava fazendo um bom trabalho. — disse Comey, sustentando que Trump disse que queria que ele ficasse e trabalhasse com ele.
O fato de um presidente mentir nos EUA é grave e pode gerar um processo de impeachment. Foi com base em mentiras que os republicanos pediram o impeachment do ex-presidente Bill Clinton. Mas a acusação mais forte que Comey poderia fazer a Trump é sobre obstrução de Justiça, mas ele afirmou que não lhe cabe dizer isso.
Comey afirmou que ficou atordoado com o pedido de Trump para interromper a investigação sobre a Rússia. E disse que gostaria que houvesse fitas de registro dos encontros. O senador Marc Rubio o perguntou se ele disse a Trump que não era um pedido adequado, Comey negou:
— Não sei (por que)... eu estava atordoado, estava sem presença de espírito. O que veio a minha mente foi: tome cuidado com o que diz.
Caso Trump tenha registrado em fitas os encontros, Comey incentivou que ele as divulgue:
— Se ele fez, meus sentimentos nao estão feridos. Libere todas as fitas, estou bem com isso.
Segundo o ex-diretor do FBI, Trump disse: "Espero que você possa ver uma maneira de deixar isto, passar, deixar Flynn ir. Espero que possa deixar isso passar", relata Comey, citando uma tentativa de Trump de aliviar a pressão sobre o ex-conselheiro de Segurança Nacional Michael Flynn, um dos principais investigados no caso de intervenção russa nas eleições.
Comey disse que recebeu as palavras de Trump "como uma direção". Donald Trump Jr., filho do presidente dos EUA, contestou no Twitter, dizendo que seu pai teria sido muito mais claro caso indicasse uma ordem.
A respeito de um jantar com Trump, no qual o presidente teria tentado conquistar sua lealdade, Comey afirmou que o mandatário tentava estabelecer uma "relação de proteção".
— Meu bom senso me disse que o que estava acontecendo é que ou ele pensou ou alguém lhe disse: 'você já pediu Comey para ficar, e não conseguiu nada por isso'. E o jantar foi uma tentativa de construir lealdade... — afirmou Comey. — Eu estava sentado pensando, três vezes em que nós já falamos sobre minha permanência. Meu bom senso me disse: ele está procurando obter algo em troca...
Comey disse à comissão que não tem dúvidas de tentativa de interferência da Rússia nas eleições. Ele afirmou que tomou conhecimento de intervenções cibernéticas russas e vazamento de dados no fim de 2015, classificando como um "esforço gigante" para se infiltrar no curso das eleições. Ele disse que os russos miravam milhares de entidades. Segundo o ex-diretor do FBI, o governo do ex-presidente Barack Obama tentou encontrar maneirar combater o ciberataque.
'ELE PODERIA MENTIR'
Perguntado sobre o motivo para registrar suas interações com o presidente dos EUA em anotações próprias, que foram repassadas ao conselho especial da comissão, Comey disse:
— Uma combinação de coisas. As circunstâncias, o assunto da questão e a pessoa com quem eu estava interagindo — explicou. — Eu honestamente estava preocupado de que ele poderia mentir sobre a natureza de nosso encontro, então achei importante documentá-lo. Sabia que poderia chegar um dia no qual precisaria de um registro do que aconteceu, não apenas para me defender, mas o FBI.
Ele disse que conversou com Obama duas ou três vezes e não documentou, nem o encontro que teve o ex-presidente George Bush, pois "não sentiu a necessidade de documentar nesse sentido".
Comey lamentou que o FBI e o povo americano tenham ouvido tais mentiras sobre ele e a organização, garantindo que corporação é honesta e forte:
— O FBI sempre será independente.
O senador Richard Burr, presidente da Comissão de Inteligência do Senado, afirmou que esta é a chance de Comey esclarecer as especulações correntes na imprensa sobre a intervenção russa nas eleições americanas. O vice-presidente da comissão, senador Mark Warner, afirmou que a ação dos russos no processo eleitoral do país é "a conclusão unânime de toda a comunidade de inteligência dos Estados Unidos".
Apesar de ontem já ter informado, ao enviar suas anotações iniciais ao Congresso, que Trump pediu lealdade ao diretor e solicitado uma forma de encontrar uma solução para "dissipar as nuvens" que a investigação gerava em seu governo, democratas acreditam que o interrogatório pode gerar ainda mais complicações ao presidente.
Em sua introdução, Comey — demitido há um mês após ter pedido mais recursos para a investigação — afirmou que escreveu apenas os pontos principais, mas que sabe de muitos detalhes dos encontros e telefonemas privados que teve com o presidente. Senadores da oposição devem se centrar nestes detalhes para obter ainda mais informações sobre eventuais quebras de leis e regras do presidente.
Haverá ainda a tentativa de obter mais informações sobre as condições da demissão de Comey e sua relação com outros dirigentes de órgão de inteligência do governo. Para analistas, a forma como os republicanos atuarão no interrogatório pode ser a senha da situação política do governo Trump: a maior parte do especialistas acreditam que eles não defenderão o governo com unhas e dentes, um sinal da fragilidade de seu apoio parlamentar.