O Globo/LD
ImprimirApesar da avalanche provocada pela divulgação da lista do ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STF) e relator da Lava-Jato, Edson Fachin, a intenção de líderes tanto da base quanto da oposição no Congresso é, ao menos no discurso, manter a “normalidade” no ritmo de votações. Mas o clima é de apreensão com a publicação de áudios e vídeos com falas dos delatores da Odebrecht. Há a avaliação de que, quando isso ocorrer, os efeitos sobre Câmara e Senado serão devastadores e podem provocar paralisia no andamento dos trabalhos.
O que se viu no Senado nesta terça-feira foi um exemplo do que pretende fazer o presidente da Casa, Eunício Oliveira (PMDB-CE), um dos alvos de inquérito na Lava-Jato. Mesmo diante das notícias de que o sigilo do conteúdo das delações premiadas da Odebrecht havia sido levantado, Eunício manteve as votações previstas para o dia. No plenário, o assunto foi ignorado. Nenhum senador citou a lista de Janot nos discursos e, somente depois das votações, foram se recolher em seus gabinetes para estudar os inquéritos.
Alvo de um dos pedidos de inquérito, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a “Lista de Fachin” não atrapalhará a agenda de votações no Congresso. Ao GLOBO, ponderou que ainda é cedo para avaliar o impacto das denúncias mas que o Parlamento tem que legislar:
— Acredito que não vai atrapalhar (o ritmo das votações). Agora, a Justiça e o Ministério Público começam a cumprir seu papel e o Congresso precisa cumprir o seu, legislar.
Mas, logo após a divulgação dos pedidos de inquérito, Maia suspendeu a sessão de votação do projeto de renegociação das dívidas dos estados. Ele alegou falta de quórum para encerrar a sessão. O plenário, que chegou a registrar 446 presenças, foi rapidamente esvaziado após a notícia.
— A agenda da Lava-Jato não contamina o plenário porque pegou todo o espectro político. Quem está na lista vai querer que a agenda siga para que o assunto não seja só Lava-Jato — avaliou o líder do DEM, Efraim Filho (PB).
Por outro lado, deve haver um movimento dos partidos pela diferenciação entre caixa 2 e propina. PT e PSDB já começam a entoar discurso de que será preciso estabelecer parâmetros para separar quem cometeu “apenas” caixa 2 de quem praticou crime de corrupção. Nas notas de defesa dos senadores Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) e Jorge Viana (PT-AC), ambos pontuaram que não praticaram corrupção mas que teriam apenas de dar explicações sobre suas campanhas.
— Não dá para colocar a senadora Lídice da Mata e o Sérgio Cabral, por exemplo, no mesmo patamar. Nem o Anastasia e o Ciro Nogueira. É preciso diferenciar os atos de cada um — afirma um senador, que preferiu não se identificar.
PAGAMENTOS POR MEDIDA PROVISÓRIA
Os presidentes da Câmara e do Senado estão na lista de pedidos de abertura de inquérito feitos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e aceitos por Fachin.
Eunício Oliveira é acusado pelo ex-executivos da Odebrecht de ter recebido R$ 2 milhões para atuar na aprovação de medidas provisórias que interessavam à empreiteira. O pagamento teria sido feito por meio do Setor de Operações Estruturadas, conhecido como departamento de propina. Eunício seria identificado nas planilhas da Odebrecht com o apelido de “Índio”.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), e o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (Al), também são acusados receber pagamentos por causa da aprovação de MPs.
No Congresso Nacional, segundo o despacho do ministro Edson Fachin, a aprovação das medidas provisórias teria resultado no pagamento de R$ 4 milhões destinados a Jucá e Renan. Rodrigo Maia é apontado pelo recebimento de R$ 100 mil. O deputado federal Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), irmão do ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, também teria recebido R$ 100 mil.
“São relatadas minúcias das tratativas que teriam culminado na edição das mencionadas medidas provisórias, com individualização da ação dos citados parlamentares, bem como de agentes atualmente não detentores de foro por prerrogativa, sendo que, na visão do Ministério Público, embora as normas legislativas disciplinassem situações jurídicas de modo legítimo, os pagamentos descritos atuaram como fator decisivo à aprovação dos atos”, afirma o despacho divulgado ontem.
No sistema da Odebrecht, Jucá era chamado de “Caju”, Lucio Vieira Lima, de “Bitelo” e Rodrigo Maia, de “Botafogo”.
A Procuradoria-Geral da República considera que os atos descritos na delação podem ser enquadrados nos crimes do corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Em outro inquérito, delatores da Odebrecht relataram que Maia solicitou e recebeu da empresa pagamentos que somam quase R$ 1 milhão a pretexto de “auxílio à campanha eleitoral”. O ministro Edson Fachin determinou abertura de inquérito para investigar o parlamentar pelos crimes de corrupção ativa e passiva.
O primeiro pedido, de R$ 350 mil, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF), teria ocorrido em 2008. Nesse ano, no entanto, Rodrigo e seu pai, Cesar Maia, não concorreram a cargos públicos. Esses pagamentos ocorreram com recursos não contabilizados e por intermédio do Setor de Operação Estruturadas do Grupo Odebrecht, de acordo com o pedido de inquérito.
A outra solicitação teria sido feita pelo presidente da Câmara em 2010 para campanha de Cesar. Segundo o MPF, foi autorizado o pagamento de R$ 600 mil, dois quais R$ 400 mil por via do mesmo setor da Odebrecht. O nome de João Marcos Cavalcanti de Albuquerque, assessor de Maia, foi apontado como intermediário das operações.
Ainda de acordo com o MPF, há também indícios de pagamentos ao parlamentar feitos no contexto da aprovação de uma medida provisória e para eleição de 2014. Fachin também determinou que Cesar Maia seja investigado.
Jucá e Renan Calheiros (PMDB-AL), ex-presidente do Senado, serão investigados por suspeitas de terem recebido R$ 5 milhões da Odebrecht em troca de aprovação de legislação favorável à empresa. A informação foi apresentada por três delatores da empresa, entre eles Marcelo Odebrecht, de acordo com o MPF. Fachin também determinou que eles sejam investigados.
Marcelo Odebrecht relatou que negociou diretamente com Guido Mantega, então ministro da Fazenda, a edição de medida provisória com a qual almejava alcançar benefícios fiscais que favoreceriam subsidiárias da Odebrecht que atuavam no exterior.
De acordo com os delatores, num segundo momento houve atuação no Congresso para transformar a medida provisória em lei. Nesse contexto, de acordo com os colaboradores, foram pagos R$ 5 milhões a Romero Jucá, que afirmava falar em nome de Renan Calheiros.
Ainda segundo o MPF, esses pagamentos, aprovados pelo presidente da Braskem, Carlos José Fadigas de Souza Filho, foram feitos pelo Setor de Operações Estruturadas do Grupo Odebrecht após a aprovação da MP. Renan Calheiros e Romero Jucá serão investigados no Supremo por corrupção ativa e passiva, além de lavagem de dinheiro.
DESVIOS ATÉ NO SERTÃO
Em outro inquérito, Renan responde com seu filho, o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB), e o senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE) pelo recebimento de recursos desviados da obra do Canal do Sertão, que visa levar água ao semiárido do estado. Segundo os delatores, os pagamentos eram de 2,25% do valor do contrato. O senador Renan Calheiros teria recebido R$ 500 mil em espécie.
Em um dos inquéritos, Jucá foi acusado de receber recursos desviados da Usina de Santo Antonio. Segundo os delatores da Odebrecht, houve pagamentos de R$ 10 milhões a Jucá e ao ex-assessor especial da Presidência Sandro Mabel. De acordo com os delatores, após ganhar a licitação a empreiteira passou a ter problemas com o governo federal e recorreu a políticos para obter ajuda. Eles acusam ainda o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), como beneficiário de R$ 20 milhões.
Jucá também será investigado por intermediar o pagamento de R$ 150 mil ao seu filho Rodrigo Jucá. A contrapartida seria o favorecimento a Odebrecht em uma medida provisória aprovada no Senado. O dinheiro teria sido destinado à candidatura de Rodrigo como vice-governador de Roraima, na chapa de Chico Rodrigues (PSB), em 2014. Jucá presidiu a comissão que analisou a MP 651/14, que tratava de benefícios fiscais a empresas, e foi aprovado em novembro de 2014. O delator Cláudio Melo Filho, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht, revelou que entregou notas técnicas ao senador, que as converteu em emendas ao projeto. O repasse foi feito por meio da uma doação oficial do diretório do PMDB em Roraima.
Apelidado de “Esquálido” pelos delatores da Odebrecht, o senador Edison Lobão (PMDB-MA)foi acusado de receber R$ 5,5 milhões para interferir junto ao governo, a pedido da Odebrecht, para anular a licitação da hidrelétrica de Jirau vencida pela empresa Tractebel-Suez. A outra licitação do Rio Madeira, da usina hidrelétrica de Santo Antônio, já estava nas mãos da Odebrecht. Parte do dinheiro dado a Lobão teria sido entregue em espécie na casa de um dos filhos do senador.