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ImprimirAs campanhas dos candidatos à Presidência da República nas eleições de 2014 movimentaram ao menos R$ 445,6 milhões em valores não declarados à Justiça Eleitoral, de acordo com delações premiadas da Operação Lava Jato até agora. As informações fazem parte das delações que, de alguma forma, atrelam o repasse de valores diretamente às campanhas. São elas as dos donos da JBS e das empreiteiras Odebrecht e UTC Engenharia.
O levantamento considera apenas as delações que citam repasses cujo fim exclusivo foi o de financiar a campanha eleitoral para presidente em 2014. Os delatores, no entanto, não conseguiram garantir que os valores foram realmente utilizados com esse fim pelos destinatários.
As delações também não dizem quais montantes da propina foram repassados por meio de doação oficial, caixa 2 ou notas fraudulentas. Por isso, o G1 subtraiu do montante delatado a quantia doada oficialmente. Em todos os casos, os dados oficiais do TSE mostram que, se os pagamentos realmente foram feitos, eles ultrapassam, em muito, os totais declarados como receita por cada candidato à Justiça Eleitoral.
Se as denúncias forem comprovadas, a campanha de Dilma em 2014 terá sido a maior beneficiada, movimentando um total de R$ 740 milhões, e não os R$ 350,8 milhões declarados ao TSE — quase o triplo do segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). O tucano recebeu R$ 49,6 milhões a mais que o declarado, de acordo com as delações homologadas até junho.
O TSE começou a julgar nesta terça (6) se houve abuso de poder político e econômico da chapa Dilma Temer nas eleições de 2014. Os relatos dos irmãos Joesley e Wesley Batista e de outros delatores da Jamp;amp;F não fazem parte da ação. A Corte analisa se os depoimentos de ex-executivos da Odebrecht poderão ser mantidos como parte do processo. Além disso, o conteúdo das delações ainda precisa ser verificado e comprovado por outras instâncias.
O relator da ação, ministro Herman Benjamin, apontou nesta quinta (8) ao menos dois casos de abuso de poder político e econômico que teriam favorecido a ex-presidente e o presidente Michel Temer na eleição de 2014 e defendeu a manutenção das provas. Mas a decisão final sobre elas e sobre se houve abuso ainda depende do entendimento dos demais ministros.
O levantamento também não considera os percentuais de obras e contratos que delatores dizem ter sido reservado a partidos, porque as delações não especificam os valores finais ou seu destino. Este é o caso de ex-diretores da Petrobras, por exemplo. O relator classificou esse repasse de "propina-gordura".
Por fim, não inclui valores que os delatores afirmam ter sido repassados diretamente aos diretórios das siglas, pois não é possível dizer de que forma foram distribuídos entre os candidatos.
Propina e caixa 2 em 2014, segundo os delatores
Segundo a delação de Joesley Batista, havia duas contas correntes da Jamp;amp;F com cerca de US$ 150 milhões (cerca de R$ 300 milhões no dólar da época), disponibilizadas para Lula e Dilma, cujos valores eram tratados com o ex-ministro Guido Mantega e foram totalmente utilizados em 2014. O dinheiro foi dividido entre a campanha de Dilma, compra de partidos, de tempo de TV e ainda distribuído para diretórios estaduais e municipais para fortalecer a chapa, conforme os delatores da JBS.
O montante em dólares, segundo Joesley, foi fruto de um esquema envolvendo o BNDES e os fundos de pensão, desde meados de 2005. "Ao longo do tempo, no final, quando chegou em 2014, o dinheiro foi usado na campanha da Dilma", afirmou o dono da JBS à Justiça. Questionado pelos investigadores sobre o quanto foi utilizado dessas contas em 2014, Joesley respondeu: “Tudo”. E completou: “Ele [Guido] foi até acabar o dinheiro. E isso que eu achei também muito curioso“. Em outro trecho, afirmou que o saldo da conta chegou a R$ 360 milhões. Desse total, R$ 15 milhões foram para Michel Temer, segundo ele.
Sobre Aécio, Joesley afirmou que a campanha “teve um monte de caixa 2”, mas que o tucano continuou precisando de dinheiro depois que perdeu a eleição. A mesma informação é dita pelo delator Ricardo Saud. "A gente deu aproximadamente R$ 80 milhões para ele, coisa assim, na campanha. E pós-campanha, continuou achando que a gente tinha bom compromisso com ele, mas a gente não tinha", disse aos procuradores.
O delator disse que a empresa comprou um prédio no valor de R$ 17 milhões para “pagar dívida de campanha” e ainda negociou a compra da cobertura da mãe de Aécio por R$ 40 milhões. A campanha de Aécio terminou com uma dívida de R$ 558.905, segundo o TSE.
Marcelo Odebrecht prestou depoimento na ação no dia 1º de março deste ano e afirmou que disponibilizou R$ 150 milhões para a campanha de Dilma. "Quando você vai para o caixa 2, mesmo que o caixa 2 não tenha origem numa propina, ele carrega uma ilicitude, ele desiguala o processo eleitoral", disse ele ao ministro Herman Benjamin, relator da ação. “Para a Dilma, a maior parte, provavelmente foi, quatro quintos, caixa dois”, relatou.
Marcelo afirmou ainda que houve doações oficiais da Odebrecht por meio de outras empresas, que depois eram reembolsadas, como a Itaipava. “Entrou oficial e depois era reembolsado por nós”, afirmou.
No caso de Dilma, por exemplo, há na declaração R$ 54 milhões de doação oficial da JBS, o que corresponde a apenas 18% do total que Joesley afirma que a campanha petista recebeu. Já o que a JBS diz ter dado a Aécio é mais do que o triplo do que o tucano declarou ter recebido da empresa.
Pela UTC, o empresário Ricardo Pessoa afirmou ao TSE que foi combinado o pagamento de R$ 10 milhões à campanha de Dilma, mas que o PT queria R$ 20 milhões. Ele disse, no entanto, que uma parcela de R$ 2,5 milhões foi inviabilizada por sua prisão, porque ela havia sido adiada para depois das eleições.
A delação da JBS cita ainda outros candidatos que, segundo os delatores, tinham chance de ser eleitos. Para o PSB de Eduardo Campos, que morreu antes do término da corrida eleitoral e cuja sucessora na chapa foi Marina Silva, a JBS diz ter repassado R$ 14,65 milhões. Ricardo Saud, delator da JBS, não especificou quanto desse dinheiro foi para a campanha presidencial. Marina nega ter recebido qualquer valor ilícito como doação eleitoral.
Já em uma planilha da propina entregue por Saud aos procuradores, aparecem os nomes de Marina e Campos como tendo recebido doação da JBS, sem especificar, porém, se se tratava de propina. Nessa lista, também estão Levy Fidelix (PRTB) e Eymael (PSDC). Pastor Everaldo (PSC) foi citado na delação da Odebrecht como beneficiário de R$ 6 milhões.
Especialista explica
Savio Chalita, especialista e autor de obras sobre Direito Eleitoral e professor do Centro Preparatório Jurídico (CPJUR), explica abaixo as principais questões envolvendo abuso de poder político e econômico em uma eleição:
O que é abuso de poder econômico e político nas eleições?
No caso de abuso de poder político, isso foi problema trazido pela possibilidade de reeleição, em que candidatos se utilizam da sua própria influência no cargo público para tenta influenciar a lisura e a vontade livre do voto. Já o poder econômico ocorreu quando se utiliza de maneira demasiada o dinheiro, a ponto a interferir no equilíbrio do pleito. O que configura de maneira muito clara é a compra do voto, mas vai depender muito do caso. Os tribunais consideram que tem que se provar com muita força se houve o efetivo abuso. Os valores acima do declarado podem representar abuso, mas é preciso comprovar o desequilíbrio. E as delações devem ser analisadas com parcimônia, porque precisam ser comprovadas. Se comprovar, que houve uma alteração no pleito eleitoral em razão da utilização demasiada do dinheiro, há um abuso de poder, porque a Justiça busca um pleito cada vez mais justo, que traz igualdade e paridade de chances, o binômio moralidade-legalidade.
A delação premiada pode ser usada para provar abuso de poder nas eleições?
Não basta simplesmente a delação. Os tribunais, como estamos acompanhando, têm tentado não liberar o conteúdo das delações antes de serem homologadas, para que tenham realmente validade, tanto para o delator quanto para o acusado. A delação tem que trazer um caminho para se chegar ao tema de que ela tratou.
O dinheiro utilizado em uma campanha precisa ser ilícito para configurar abuso?
Temos uma diferença entre o que é caixa 2 e o que é dinheiro ilícito. O caixa 2, ele não necessariamente tem origem numa atividade ilícita. Caixa 2 é não declarar à Justiça Eleitoral o dinheiro doado para a campanha. Exemplo: a empresa A financiava um candidato X, Y, Z. Mas ao X, com chances maior, ela fazia doações por baixo dos panos. Já a origem ilícita é um segundo problema. É possível ter um caixa 2 com um dinheiro ilícito. Nesse caso, tem toda a situação de lavagem de dinheiro. O abuso do poder econômico pode se configurar nas duas hipóteses, se gerar um desequilíbrio, porque, em tese, enquanto outros candidatos estão gastando 10, os outros estão gastando 20.
Compra de apoio de partidos e candidatos pode configurar abuso econômico?
Entendo que você tem que pensar as circunstâncias. A compra de apoio, muito embora seja prática constante há muitos anos, eu entendo como sendo abuso, principalmente no reflexo que você tem, por exemplo, no tempo de TV. Você não tem o reflexo direto no fundo partidário, mas você tem esse reflexo. O meio de comunicação que traz mais reflexo numa campanha eleitoral é a televisão. O candidato aparecendo com mais tempo, tem vantagem.
O repasse de valores a campanhas estaduais e municipais para fortalecer a campanha de presidente pode configurar abuso?
Esse repasse de dinheiro pode ser que seja uma compra do apoio propriamente. Por outro lado, pode ser que este repasse tenha como foco o fortalecimento de campanha naquele local. É preciso verificar. Mas, se houve repasse ao diretório, entendo que seria mais adequado doar para o CNPJ do candidato. Como garantir que essa fala de fortalecimento ela é de boa-fé?
Nem todas as delações premiadas da Lava Jato foram anexadas ao processo da chapa Dilma-Temer no TSE. Os ministros podem usar outras delações ou fatos para dar seus votos?
Em tese, o julgamento é objetivamente técnico. Por outro lado, há um comando da legislação eleitoral que traz a possibilidade de o tribunal levar em conta fatos notórios, ou seja, o que não se precisa comprovar, porque tomou tal magnitude que não precisa nem contraditar. Há, de um lado, o exercício dos direitos políticos do cidadão, e de outro, pessoas que estão buscando ocupar cargos eletivos de maneira não adequada. O tribunal pode levar isso em consideração. Mas existem posicionamentos contrários.
O que dizem as campanhas
Nas alegações finais do processo, a defesa de Dilma nega que sua campanha tenha sido financiada com recursos de origem ilícita, que ela não teve conta no exterior ou tratou de doações ilegais com empresários. A defesa do ex-ministro Guido Mantega classifica como "absurdas" as alegações do empresário.
A defesa de Temer diz que o presidente "não pode sofrer qualquer apenamento por atos de terceiros". Em nota, a assessoria de imprensa de Aécio Neves afirma que o senador "está absolutamente tranquilo quanto à correção de todos os seus atos". O PMDB informa que "as contribuições eleitorais recebidas" pelo partido "estão devidamente declaradas à Justiça eleitoral e observaram todos os requisitos legais vigentes à época".
Pastor Everaldo diz que a delação da Odebrecht é "fantasiosa". Marina Silva nega ter recebido qualquer valor ilícito como doação eleitoral. Sobre Eduardo Campos, o PSB declara sua decisão de "atuar em todas as instâncias para que seu nome e sua honra jamais sejam maculados".