FolhaPress/PCS
ImprimirJair Bolsonaro é o líder de país de grande porte que mais associou sua imagem à do presidente americano, Donald Trump.
Se não é possível afirmar que a derrota do republicano na eleição é um mau presságio para as pretensões de reeleição do brasileiro em 2022, dadas as diferenças políticas óbvias entre os países, é certo o dano de imagem que Bolsonaro terá de absorver.
Afinal de contas, Bolsonaro cantou até a bola conspiratória de uma interferência fantasma externa no pleito para tentar justificar a derrota do ídolo.
Seu filho Eduardo, deputado federal (PSL-SP), famoso por usar bonés de campanha de Trump e por quase ter virado embaixador nos EUA, correu ao Twitter para gritar fraude –o pai fizera o mesmo no pleito que ganhou em 2018, sem nunca apresentar provas. Ao fim, é tudo espuma.
Mas é do ponto de vista administrativo que a coisa se complica. O alinhamento do presidente e de seu entorno ideológico à Casa Branca de Trump, indicado desde a campanha eleitoral de 2018 e elevado a política de Estado, cobrará um preço sob o governo de Joe Biden.
Não faz muito sentido o presidente eleito fazer um movimento mais brusco quando assumir. O pragmatismo de Biden é conhecido: vice de Barack Obama, conseguiu estabelecer pontes com Dilma Rousseff (PT) depois que a presidente brasileira foi grampeada pelo governo mais queridinho dos progressistas mundo afora.
Mas a animosidade dispensada pelo brasileiro contra si, além do apoio aberto a Trump na campanha, lhe dará trunfos na hora de qualquer negociação. E há arestas e possibilidades aos montes, em especial na área comercial, na qual os EUA ainda são o segundo maior parceiro do país.
O ponto mais nevrálgico, está decantado, é o ambiente. Biden foi e voltou ao tema com declarações meio vagas, como no primeiro debate com Trump na TV, mas foi o suficiente para Bolsonaro cometer o erro de agredi-lo em rede social.
Até aí, o trato dos biomas sob o presidente tornou o Brasil um pária internacional, título visto por orgulho pelo chanceler Ernesto Araújo. Negociações com a União Europeia tornaram-se fardos devido às acusações do manejo da Amazônia, independentemente da qualidade da crítica e dos reais interesses colocados.
O mesmo poderá ser usado por Biden. O tema do combate à pandemia do novo coronavírus é outra rusga, dado que Bolsonaro e Trump falavam a mesma língua do negacionismo, ainda que com diferenças. O democrata é o oposto disso.
Em favor de Bolsonaro, há o fato de que praticamente nada importante foi conseguido junto à Casa Branca como um aliado nominal por lá: a promessa de ajuda para entrar na OCDE, clube de países integrados economicamente, um acordo militar de acesso a fundos de pesquisa.
Na mão inversa, o Brasil cedeu a diversos desejos americanos, muitas vezes de forma voluntária, como nas ocasiões em que zerou tarifas de importação de etanol para produtores dos EUA. Por pouco, o Planalto não embarcou em aventuras militares contra a Venezuela e permitiu a instalação de uma base americana no Brasil.
A posição agressiva de Bolsonaro ante a China veio de encontro à pressão direta de Washington para eliminar a fabricante Huawei das futuras redes de 5G no país, uma questão ainda inconclusa.
Será interessante ver como Biden agirá neste caso, dado que será de seu interesse manter Pequim sob tensão estratégica. O tom poderá ser diferente do de Trump, mas dificilmente haverá inflexão na percepção estratégica de competição pelo gigante asiático.
Até aqui, Bolsonaro foi bastante permeável ao lobby dos americanos, aliados ideológicos. Como agirá a pedidos da administração democrata para alienar ainda mais seu maior parceiro comercial, a China?
Uma má interlocução com a Casa Branca sob Biden dará ao menos uma desculpa a Bolsonaro, a de que a relação bilateral não avança em termos concretos porque o democrata é um adversário político –ainda que imaginário.
Se assim for, poderá funcionar entre seus aliados mais fervorosos, mas garantirá uma dor de cabeça contínua a empresários e diplomatas até o fim do mandato de Bolsonaro.