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ImprimirEmbora sejam comuns as críticas de parlamentares de que o Poder Judiciário interfere no processo legislativo, deputados e senadores acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) ao menos 45 vezes nos últimos dois anos, com pedidos para que a Corte decida sobre assuntos internos do Congresso Nacional.
O G1 levantou no sistema do STF o número de vezes em que os congressistas entraram com processos desse tipo na atual legislatura, iniciada em 2015. Em média, os deputados e senadores abriram uma ação no Supremo a cada 16 dias questionando decisões tomadas dentro do próprio Congresso.
Em discurso no dia em que foi reeleito presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez críticas à judicialização de questões internas da Casa. Somente contra a candidatura à reeleição dele, foram abertos cinco processos diferentes.
"Muito se fala em independência, mas, mais uma vez, o ator principal da nossa eleição foi o Poder Judiciário e, por incrível que pareça, por decisão dos próprios políticos", disse Maia, no dia 2 de fevereiro. "Todas as nossas decisões acabam sendo levadas ao Judiciário", completou em tom de crítica.
Os apelos feitos à Justiça envolvem diversas áreas: são questionados ritos de votação, funcionamento de comissões, tramitação de projetos, representatividade de partidos, abertura de CPIs, legitimidade do presidente da Casa, entre outros.
O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição. Com base nesse princípio, os parlamentares formulam as ações com o argumento de que o texto constitucional foi ferido ou interpretado de forma equivocada.
Em um caso recente, de ação aberta por deputados do PT e do PCdoB para tentar impedir a tramitação da proposta que criou um teto para o gasto público, o relator do processo, ministro Luis Roberto Barroso, usou a própria decisão para tecer uma crítica sutil.
"Esta não é uma questão constitucional, mas política, a ser enfrentada com mobilização social e consciência cívica, e não com judicialização", escreveu na peça jurídica, em outubro do ano passado, ao negar o pedido feito pelos parlamentares.
Ações no STF
Conhecido por usar instrumentos jurídicos para questionar decisões tomadas no Congresso, o PSOL entrou com oito ações desse tipo no Supremo desde 2015. Para o líder da sigla na Câmara, deputado Glauber Braga (RJ), o elevado número de processos é resultado de uma crise institucional que vive o país.
"Isso tem relação direta com o momento político em que se vive, com um conjunto de matérias ilegítimas sendo colocadas em votação", argumentou o deputado. "Recorrer ao Judiciário não é o melhor dos mundos, mas, quando há desrespeito à Constituição, é necessário", completou.
Para o senador José Agripino (DEM-RN), o excesso de ações de parlamentares na Justiça "não deixa de ser uma incoerência". Ele acredita que as decisões acabam sendo levadas ao Supremo por falta de consenso entre os parlamentares.
"É um problema isso. Essa repetição de interferências do Judiciário vai fazer o Congresso buscar caminhos para o consenso e para resolver isso", disse o senador. "Vamos deixar de fazer a nossa parte? Ou o Judiciário var acabar tomando para si o que é nossa obrigação?", questionou Agripino.
Na avaliação do pesquisador Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o nível de discordância entre os agentes políticos aumentou muito nos últimos anos. Isso, segundo ele, faz com que o STF seja cada vez mais provocado pelos parlamentares a decidir sobre questões do Congresso.
Para ele, a judicialização traz problemas. Como essas ações geralmente são urgentes, acabam obstruindo os trabalhos do Supremo. Além disso, prerrogativas de decisão do Congresso acabam transferidas ao STF, que fica sob pressão.
"Os membros do Judiciário não foram eleitos e, muitas vezes, tomam decisões em nome dos representantes, provocados pelos próprios representantes", disse. "Quanto mais o Supremo é provocado, mais ele interfere no processo político. Aí o estranhamento [entre os Poderes] acontece", ressaltou Barreto.
Episódios
Entre os episódios de "estranhamento" entre o Legislativo e o Judiciário está o que envolve o pacote de medidas anticorrupção, que foi desfigurado pela Câmara, se comparado com o projeto de iniciativa popular apresentado inicialmente. As assinaturas em apoio ao projeto também não haviam sido conferidas.
Após ação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), o ministro do Supremo Luiz Fux mandou o Senado devolver o projeto à Câmara. A decisão não foi cumprida pelo então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que alegava interferência da Justiça.
O texto só foi devolvido em fevereiro deste ano, dois meses depois da ordem judicial, pelo novo presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).
O impasse em torno do texto não parou por aí e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a dizer que não sabia o que fazer com a proposta devolvida. Depois, determinou que os dados das assinaturas no projeto fossem conferidos para que o texto seja enviado diretamente ao Senado.