O Globo/LD
ImprimirAs empreiteiras flagradas na Lava-Jato poderão ser processadas no Brasil por corrupção de agentes públicos estrangeiros em obras executadas fora do país. Prestes a entrar no terceiro ano, a operação já mapeou os principais caminhos da propina no país. Na rota, chegou a movimentações financeiras internacionais, que vêm sendo apuradas em mais de 30 acordos de cooperação internacional, muitos deles em países onde as construtoras têm negócios.
O procurador da República Roberson Henrique Pozzobon, um dos integrantes da força-tarefa, afirma que a Lava-Jato se torna uma teia cada vez mais “robusta”, com informações que se entrelaçam.
— Com vários países investigando, a trama vai se fechar, incorporando novos fatos e novos agentes. Não podemos ser ingênuos e acreditar que essas empreiteiras, que corromperam na Petrobras, se restringiram a corromper só no Brasil. O modelo de negócios é um modelo corrupto, replicado em outras frentes e disseminado para outros países — afirmou.
O Brasil ratificou em 2000 a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. Dois anos depois, o crime foi incorporado ao Código Penal, que passou a prever os crimes de tráfico de influência, promessa ou pagamento de vantagens indevidas a funcionários públicos estrangeiros em transações de comércio internacional.
Na avaliação de Pozzobon, o avanço das investigações permite ver a corrupção com mais nitidez. A base para seguir o dinheiro foi a identificação de falsos contratos de serviços ou consultoria, aliado ao superfaturamento de valores pagos a fornecedores.
— Ao contrário de contrabandistas e traficantes, que atuam à margem da lei, os empresários precisam dar uma maquiagem às suas contas. Esses contratos permitem dar baixa no dinheiro na contabilidade, gerando excedente para a propina — explica.
O operador Milton Pascowitch, por exemplo, que repassou dinheiro ao ex-ministro José Dirceu, movimentou mais de R$ 100 milhões por meio de falsos contratos de consultoria.
Para o procurador, houve um refinamento na lavagem de dinheiro no país, como o uso de inúmeras offshores (empresas fora do país), abertas em nome de terceiros. O real beneficiário surge apenas como procurador do laranja.
— No caso da Odebrecht, existiam quatro camadas de offshores até a chegada do dinheiro nas contas de Pedro Barusco ou Paulo Roberto Costa, funcionários da Petrobras — explica Pozzobon.
A Odebrecht nega ser dona das offshores e busca impedir o uso no Brasil de documentos encaminhados por autoridades suíças.
Pozzobon diz que as delações e a cooperação internacional são os trunfos da operação. Sem elas, os resultados não seriam tão rápidos. A Lava-Jato já condenou 62 pessoas e mantém outras 14 atrás das grades. Mais sete estão em prisão domiciliar.
— Temos muito a descobrir ainda no caminho das offshores — diz o procurador.
Pozzobon diz que o trânsito de dinheiro pelas offshores levará a outros fatos e agentes. O delator Roberto Trombetas contou ter intermediado pagamento de propina para a OAS, por obras no Peru e Equador. O valor supera US$ 15 milhões. No Peru, a força-tarefa que investiga obras de empreiteiras brasileiras foi batizada de Lava-dólar. Trombeta, porém, pode ter seu acordo de delação cancelado a pedido do MP.
OBRAS DE ARTE PARA LAVAR DINHEIRO
Obras de artes e reformas milionárias em apartamentos estão na mira da Lava-Jato. As investigações mostram que presentes e favores pessoais são algumas das formas utilizadas por operadores do esquema na Petrobras para lavar dinheiro desviado.
Nas galerias do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, está exposta quantidade expressiva de material fruto da propina desviada dos cofres da Petrobras. São mais de 270 obras de artes apreendidas nas 22 operações da Lava-Jato. O material é estimado em R$ 40 milhões.
Peças assinadas por artistas renomados como Picasso, Di Calvalcanti e Salvador Dalí eram alguns dos presentes. Só o ex-diretor Renato Duque tinha 131 obras de artes.
Além de quadros e esculturas, lobistas assumiam o pagamento de obras e reformas em casa de políticos e diretores da Petrobras. É o caso envolvendo José Dirceu, que teve a reforma de sua casa paga pelo lobista Milton Pascovitch.
Recentemente, duas reformas colocaram o ex-presidente Lula no alvo das denúncias: as obras no tríplex no edifício Solaris, no Guarujá, e as melhorias no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, frequentado por Lula e sua mulher desde 2011. Um dos donos é sócio do filho de Lula.