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Política
18/06/2018 10:12:00
Entenda por que Maia e Eunício viajam ao exterior sempre que Temer sai do país

G1/LD

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Desde abril, sempre que o presidente Michel Temer viaja para o exterior, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), também programam agendas fora do país. O motivo é eleitoral: Maia e Eunício não querem correr o risco de serem impedidos de disputar as eleições em outubro.

Informados pelo Palácio do Planalto da presença de Temer na reunião do Mercosul nesta segunda-feira (18) no Paraguai, Maia e Eunício acertaram compromissos em Portugal e na Argentina, respectivamente.

Temer embarcou para o Paraguai na manhã desta segunda e retorna ao Brasil no mesmo dia à noite. Eunício e Maia deixaram o país já no fim de semana.

Assim, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, deve assumir a Presidência da República pela segunda vez neste ano. Em 13 de abril, a ministra despachou do Planalto graças às viagens de Temer ao Peru, de Maia ao Panamá, e de Eunício ao Japão.

Como o Brasil no momento não tem vice-presidente, Maia e Eunício são os seguintes na linha sucessória. Quando eles também saem do país, Cármen Lúcia exerce a Presidência.

Questionadas pelo G1, as assessorias do presidente da Câmara e do Senado confirmaram que as viagens ao exterior foram agendadas em razão da ida de Temer à reunião do Mercosul.

Risco de ficar de fora da eleição

Especialistas explicam que, no caso de ficarem no exercício da Presidência da República por algum período nos seis meses anteriores à eleição, Maia e Eunício só poderiam concorrer à Presidência. Ou seja, não poderiam disputar outros cargos nas eleições de outubro.

Conforme o professor de Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos, o artigo 14 da Constituição prevê que presidente, governadores e prefeitos podem tentar uma vez a reeleição e, se desejarem disputar outro cargo, devem renunciar até seis meses antes da eleição.

“Se Maia e Eunício assumirem a Presidência neste período pré-eleitoral, a quatro meses da eleição, eles poderiam disputar apenas a eleição à própria Presidência. Eles não poderiam tentar um novo mandato de deputado e senador”, diz Mayer dos Santos.

Leia abaixo trecho do artigo 14 da Constituição que trata do assunto:

§ 5º O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subseqüente.

§ 6º Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito.

Reeleição

Eunício é pré-candidato à reeleição como senador pelo estado do Ceará. Maia, por sua vez, lançou pré-candidatura à Presidência da República pelo Democratas. Contudo, nos bastidores, não descarta concorrer a um novo mandato de deputado federal.

Especialista em Direito Eleitoral, o advogado Francisco Emerenciano lembra que a legislação não faz distinção entre quem assume a Presidência em definitivo ou quem apenas fica no exercício do cargo por poucos dias, substituindo o titular durante uma viagem.

“É desproporcional ficar inelegível para outros cargos por assumir a Presidência por um dia, mas a legislação não faz essa ressalva”, afirma Emerenciano.

No caso de Maia, o risco de inelegibilidade também poderia complicar o eventual interesse de seu pai, Cesar Maia, de disputar as eleições de outubro no estado do Rio de Janeiro.

A Constituição também estabelece que ficam inelegíveis parentes de até segundo grau do presidente ou de quem o tenha substituído nos seis meses anteriores à eleição, exceto quando esse familiar concorre à reeleição. Cesar Maia é vereador na cidade do Rio Janeiro.

“Rodrigo Maia assumindo a Presidência, automaticamente seu pai não poderia concorrer a deputado, senador ou governo no Rio”, explica o professor Mayer dos Santos.

Leia abaixo trecho do artigo 14 da Constituição que trata do assunto:

§ 7º São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Consulta ao TSE

Os especialistas ouvidos pelo G1 também afirmam que Rodrigo Maia e Eunício Oliveira preferem viajar nas mesmas datas que Michel Temer por precaução.

Professor da FGV Direito Rio, Michael Mohallem diz que não há uma regra definida sobre a possibilidade de quem está na linha sucessória declinar de assumir a Presidência, permanecendo no Brasil.

“Não há clareza na lei porque a ordem de sucessão presidencial, em tese, é automática. Há também controvérsia sobre se a recusa a assumir a Presidência significaria uma renúncia ao cargo de comando da respectiva casa legislativa”, declara.

O tema, inclusive, foi alvo de um questionamento feito pelo Democratas, partido de Maia, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A sigla apresentou consulta formal à Corte para saber se fica inelegível quem substituir, nos últimos seis meses do mandato, como interino, o presidente da República.

O partido ainda perguntou se é possível declinar de ficar no exercício da Presidência em razão dessa eventual inelegibilidade. O relator da consulta é o ministro Luís Roberto Barroso. Segundo o TSE, o caso está pronto para ser julgado, mas ainda não há uma data definida para analisar o questionamento.

'Abusos de poder'

Segundo o advogado Ademar Costa Filho, a inelegibilidade para outras funções – gerada a quem assume a Presidência da República seis meses antes da eleição – tem o objetivo de evitar “abusos e desvios de poder”.

“É para evitar que a pessoa use do cargo – editando um decreto de liberação de verbas, por exemplo – para se beneficiar na disputa por outra função, como uma vaga na Câmara ou no Senado”, diz o especialista em Direito Eleitoral.

Na avaliação do advogado, uma saída, para evitar que os presidentes da Câmara e do Senado viajem ao exterior quando o chefe do Executivo se ausentar do país nos seis meses anteriores à eleição, seria retirar a obrigatoriedade de assunção desses parlamentares à cadeira presidencial.

Ademar Costa Filho afirma que, apesar dos avanços tecnológicos, é imprescindível ter, na Presidência da República, uma pessoa que esteja em território nacional.

“A Constituição é de 1988, outra época. Mas, se o presidente estiver em viagem a um país que não é de fácil acesso, e, por exemplo, desata uma nova greve dos caminhoneiros, o país não pode prescindir do controle, da presença do presidente”, opina.

O professor Michael Mohallem discorda. Para ele, o presidente tem condições de governo mesmo fora do país.

“A regra fazia sentido há 60 anos, quando a comunicação era mais difícil e o presidente perdia o contato direto com o país. Hoje, o presidente consegue pelo telefone ou do próprio avião presidencial tomar decisões importantes”, afirma.

Novas viagens

Na contagem regressiva para o pleito de outubro, existe a possibilidade de que Cármen Lúcia assuma a Presidência da República novamente até as eleições.

Temer pode ir à África do Sul em julho para a 10ª Cúpula do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O encontro ocorrerá entre 25 e 27 de julho em Johanesburgo.

Temer também pode ir outra vez ao Paraguai em 15 de agosto, para a posse do presidente eleito Mario Abdo Benítez.

Precedente

Situação semelhante à verificada neste ano ocorreu na última eleição presidencial, em 2014. Na oportunidade, o então presidente do STF, Ricardo Lewandowski, ficou no exercício da Presidência da República.

À época, a presidente Dilma Rousseff foi aos Estados Unidos e o vice Michel Temer ao Uruguai. Os presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Alves (MDB-RN) e Renan Calheiros (MDB-AL) não assumiram a Presidência porque alegaram impossibilidades eleitorais.

Alves, que hoje cumpre prisão domiciliar, concorreu ao governo do Rio Grande do Norte e foi derrotado.

Renan não disputou a eleição de 2014, porém seu filho, Renan Filho, foi eleito governador de Alagoas.

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