Sábado, 23 de Novembro de 2024
Política
13/01/2013 07:54:39
Governo Dilma Rousseff é retrocesso na segurança pública, afirma escritor
Às vésperas de completar seus 60 anos, Luiz Eduardo Soares resolveu fazer um balanço do tema com o qual vem convivendo cotidianamente há muitas décadas, a segurança pública.

Folha/PCS

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Foto: Adriano Vizoni
\n \n Às\n vésperas de completar seus 60 anos, Luiz Eduardo Soares resolveu fazer um\n balanço do tema com o qual vem convivendo cotidianamente há muitas décadas, a\n segurança pública. \n \n O\n antropólogo não ficou muito satisfeito. Contabilizou problemas sérios nas\n esferas municipal, estadual e federal, na atuação da esquerda e da direita, em\n governos como o de Fernando Henrique Cardoso, "inerte", e no de\n Dilma, "que representa um retrocesso na área". \n \n Soares\n não é um crítico de gabinete. Já colocou mãos na massa, tanto no governo do\n Rio, seu estado natal, quanto no segundo governo Lula, quando foi, por menos de\n um ano, secretário nacional de Segurança Pública. \n \n Também\n escritor, co-autor das obras que deram origem aos filmes "Tropa de\n Elite", ele trabalha atualmente num livro que procura sintetizar sua visão\n sobre a violência no país, e que deve ser lançado neste semestre pela Companhia\n das Letras. \n \n Parte\n das ideias que ele apresentará no trabalho, seu nono livro, aparecem num artigo\n que ele escreveu para a revista "Interesse Nacional", que será\n lançada amanhã. \n \n Soares\n questiona em especial a arquitetura institucional da segurança pública\n brasileira, que pouco avançou desde a promulgação da Constituição, que completa\n 25 anos em outubro. \n \n Em\n entrevista à Folha, ele fala sobre esta inércia que faz do Brasil o\n "segundo país mais violento do mundo", comenta a retomada do aumento\n dos homicídios em São Paulo e faz um balanço de cinco anos das UPPs, as\n Unidades de Polícia Pacificadora, do Rio, onde "não há um só crime\n importante sem a participação da polícia". \n \n FOLHA - Em um artigo recém-publicado, o sr.\n comenta que na Constituição "não ousamos tocar no cordão umbilical que\n liga as Polícias Militares ao Exército". Por que o sr. acredita que após\n 25 anos este ponto ainda não tenha sido revisto? \n \n LUIZ EDUARDO SOARES - Esse é o grande enigma. Já\n escrevi muito a esse respeito, mas nunca me dei por satisfeito. Sempre me\n pergunto: como é possível que um país que se transforma todo o dia possa\n enfrentar um de seus maiores problemas, a insegurança pública, com instituições\n organizadas pelo passado. Claro, na transição era preciso aceitar as imposições\n dos militares. Mas se passaram 25 anos. Não há como justificarmos nossa inércia\n com temores de golpes militares. \n \n Que forças políticas sustentam essa inércia? \n \n Diria\n que os conservadores nunca se movimentaram por temerem que a situação se\n agravasse. Já as esquerdas não foram capazes de formular uma proposta para a\n segurança pública. De um lado, por preconceito que vem da tradição marxista,\n que vê polícia como instrumento de dominação de classe. Outros acham que não\n devemos gastar energia porque para reduzir a violência se deve investir só em\n educação. \n \n E o governo? \n \n Os\n governos estaduais se sentem constrangidos, como se estivessem sob ameaça das\n forças policiais. Os governadores acabam adotando discursos mais realistas do\n que o do rei. Já o governo federal acaba avaliando que mesmo necessárias, as\n reformas não seriam convenientes. Mais responsabilidade à União significa mais\n cobrança. \n \n Quando o governo Dilma completou nove meses o sr.\n escreveu um artigo para a Folha classificando o início da gestão como\n decepcionante em termos de segurança pública. Que avaliação faz hoje? \n \n O\n governo Dilma representa um passo atrás. Era possível cobrar o governo Lula\n pela timidez, que não lhe permitiu avançar para promover as reformas, por\n razões que também imobilizaram Fernando Henrique Cardoso. No segundo governo\n Lula, foram tomadas medidas significativas. Ainda que insuficiente, o Programa\n Nacional de Segurança Pública com Cidadania significou algo. Mas Dilma\n decepciona porque até os avanços foram desorganizados. É retrocesso sem avanço.\n \n \n O sr. fala em seu artigo sobre a necessidade de\n reformar o artigo 144 da Constituição. Que pontos teriam de ser mexidos? \n \n O\n artigo 144 atribui pouca responsabilidade à União com relação à segurança pública.\n A União tem sob sua responsabilidade somente duas polícias, a Rodoviária e a\n Federal. Elas são importantes, mas longe de cobrir todo o espectro de desafios\n que a sociedade enfrenta. \n \n E qual o papel do município? \n \n Ele\n praticamente não existe, o que contradiz o processo histórico brasileiro\n recente. Depois da Constituição de 1988, municípios passaram a ter envolvimento\n crescente em áreas como saúde e educação. O artigo 144 diz que municípios só\n podem formar guardas municipais, cuja missão é cuidar das estátuas e prédios\n municipais. Mas as guardas municipais estão se proliferando pelo país, como no\n caso de São Paulo, onde há quase 10 mil guardas. \n \n Isso não é inconstitucional? \n \n É\n polêmico. Qualquer cidadão pode prender qualquer outro cidadão que esteja cometendo\n um crime, desde que isso seja feito em flagrante. Pode-se argumentar que os\n guardas municipais só prendem em flagrante, e que quando o fazem agem como\n cidadãos. Mas é claro que na prática muitos estão armados, usam distintivos e\n atuam como policiais. \n \n De que modo a redistribuição das forças policiais e a\n intensificação do papel da União poderiam melhorar a segurança? \n \n Para\n dar um exemplo, a União deveria supervisionar a educação e formação dos\n policiais. Hoje estes pontos são decididos de modo autônomo pelas instituições\n de cada Estado. Temos situações como a dos policiais contratados para as UPPs,\n no Rio, que estão sendo capacitados em três meses. \n \n Três meses mesmo para quem nunca foi policial? \n \n Sim.\n É inacreditável. Nas polícias temos um quadro babélico. Um Estado pode formar\n um policial em um ano. Outro, em dois meses. Já aconteceu no Rio de policiais\n serem formados em um mês. E não é só o tempo. Não há nenhuma padronização de\n currículo. Não defendo a imposição de um currículo único, mas um ciclo básico\n nacional seria razoável. \n \n As UPPs estão prestes a completar cinco anos. Que\n balanço seria possível fazer delas? \n \n É\n um projeto muito importante, mas não representa política pública porque não se\n universaliza. Isso não será alcançado sem reformas. Com as polícias do Rio será\n impossível. Apesar de terem milhares de profissionais honestos, as polícias do\n Rio têm outros milhares envolvidos em crimes. Não há um só crime importante no\n Rio sem a participação da polícia. \n \n E qual a sua avaliação do quadro da segurança de São\n Paulo, que vive a retomada do crescimento dos homicídios? \n \n Para\n agradar setores da opinião pública que pedem políticas duras e para evitar\n constrangimentos com as forças policiais, os governos acabaram tolerando a\n brutalidade policial. Como os números caíram, não por conta da brutalidade, os\n governos acabaram tolerando a violência. A valorização da Rota pelo secretário\n anterior endossava certa postura na qual a corrupção não é tolerada, mas a\n brutalidade sim. \n \n A resolução que estabelece que PMs não podem prestar\n socorro às vítimas é uma mudança importante? \n \n Sim.\n O novo secretário de São Paulo, que não conheço, me pareceu muito bem\n intencionado. Esta medida busca claramente conter as chacinas. \n \n ARTIGO PUBLICADO EM REVISTA \n \n O\n artigo "Raízes do Imobilismo Político na Segurança Pública", de Luiz\n Eduardo Soares, está no número 20 da revista "Interesse Nacional",\n que chega amanhã às bancas. \n \n Criada\n pelo embaixador Rubens Barbosa, a publicação trimestral de ensaios sobre\n política e economia tem, na edição comemorativa de cinco anos, textos sobre o\n mensalão, reforma tributária e uma avaliação econômica da Era Lula. \n \n Entre\n os destaques, estão artigos de Jorge Arbache, assessor da presidência do BNDES,\n e do jurista Miguel Reale Júnior.
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