Terra/PCS
ImprimirO termo "lacração" definiu ações políticas nos últimos anos no qual pressupõe-se a intenção não de debater a sério um problema, mas de fazer populismo às custas dele. No entanto, a "arte de lacrar" acabou gerando um novo tipo de captura de atenção dos políticos nas redes sociais.
Hoje é comum vermos parlamentares de diversos partidos, mas principalmente do campo da direita, realizarem, em espaços legislativos, movimentos teatrais para criar conteúdo viral em plataformas como TikTok, Kwai e Instagram. Essa estratégia reflete a necessidade urgente dos políticos de se conectarem com seu público, especialmente com os jovens, em um cenário digital cada vez mais competitivo.
Em março, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) causou polêmica ao usar uma peruca em sessão plenária, alegando que “se sentia uma mulher” em uma manifestação criticada como transfóbica.
Em outra ocasião, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) gerou repercussão ao entregar uma réplica de um feto ao ministro dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida, durante uma discussão sobre aborto no Senado.
Eles provavelmente estavam em busca de "cortes", vídeos editados apenas para causar efeito. No meio de longas sessões no Congresso, o deputado pede a fala e começa a discursar pensando menos no tema do dia e mais nas frases e perguntas que poderão impactar a sua base de eleitores.
Se ele teve o microfone cortado ou recebeu uma resposta firme logo depois, pouco importa: ele só postará as partes em que reforça positivamente sua persona política.
Apesar das críticas que receberam, ambos os políticos alcançaram o que muitos acreditam ser o objetivo principal: viralização, ao menos dentro de suas bases eleitorais.
"A direita tem demonstrado maior agilidade e eficácia na utilização dessas plataformas digitais", observa Felipe Bailez, fundador da Palver, uma empresa que monitora tendências em redes sociais.
Segundo ele, enquanto campos progressistas investem em discursos mais elaborados, mas com menos aderência, a direita capitaliza em comunicação rápida e slogans incisivos, alinhando-se astutamente com os algoritmos das redes que favorecem postagens polarizadas.
"Conteúdo provocativo, muitas vezes veiculado pela direita, naturalmente gera engajamento," explica.
O papel dos algoritmos no fenômeno
Nesse contexto, as redes sociais colaboram mais com engajamento do que esclarecimento. Vídeos curtos em que alegações são tiradas de contexto e uma frase é colocada como ponto final de uma discussão, sem direito de resposta, naturalmente alimentam esse sistema.
"As plataformas estão lutando para controlar isso, mas falta transparência em suas operações e decisões, o que complica a situação", na visão de Bailez, da Palver.
Procurados pelo Byte, o TikTok e o Instagram afirmaram que não se pronunciariam sobre o assunto e encaminharam publicações institucionais sobre o funcionamento dos algoritimos das redes.
À reportagem, o Kwai afirmou que "protege a liberdade de expressão, mas não tolera conteúdos que tenham o potencial de prejudicar o processo democrático pela distribuição de informações falsas, enganosas, manipuladas ou prejudiciais a indivíduos e instituições".
O app citou que tem parcerias com a agência de checagem Aos Fatos e com Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para combater a desinformação. Além disso, disse que usa uma mistura de inteligência artificial e verificação humana para identificar e remover conteúdos que violem ou infrinjam as políticas da comunidade.
O Digital Services Act (DSA), uma legislação recentemente aprovada pela União Europeia, representa um marco regulatório significativo nesse sentido. Apesar de ainda ter caráter abrangente, a nova peça promete delimitar novos padrões de exigência de transparência algorítmica em todo o mundo.
Em outras palavras, as plataformas precisarão ser claras sobre como seus algoritmos funcionam, especialmente quando se trata de classificar e recomendar conteúdo aos usuários.
É esperado que o texto mude toda a internet, em uma manifestação do conhecido “efeito Bruxelas” — no qual as diretrizes regulatórias da União Europeia tradicionalmente viram inspiração para países fora do bloco.
Em reportagem publicada pelo Byte em setembro, Rafael Sbarai, professor de produtos digitais dos programas de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero, afirmou que a nova peça europeia é encarada como uma referência possível para o Brasil por colocar o consumidor final como "maior interessado".
"Para as companhias, eu entendo essa questão como um darwinismo, em que o ambiente seleciona o melhor adaptado", disse.
"TikTokização" da política é ruim para a democracia?
"A tecnologia criou uma forma de democratização da politica, fazendo com que o cidadão comum possa participar ativamente do dia a dia de um politico", na visão de Fernando Holiday (PL), vereador de São Paulo.
Para o ex-integrante do Movimento Brasil Livre (MBL) — grupo envolvido em controvérsias por sua abordagem de comunicação, frequentemente agressiva e por vezes acusada de disseminar desinformação —, os videos curtos levam informação aos cidadãos de forma mais simples e rápida, atingindo um publico que antes carecia deste tipo de conteúdo.
"Eu, por exemplo, fui eleito através das redes sociais, pois não tinha os recursos necessários para uma campanha tradicional", pontua.
Marcelo Alves dos Santos Junior, doutor em comunicação e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), afirma que os políticos brasileiros estão apenas começando a entender como utilizar os insights provenientes das redes sociais para fortalecer suas bases de apoio.
"Temos mecanismos algorítmicos que amplificam conteúdo mais extremo, com maior carga emocional, muitas vezes associado a um posicionamento de 'lacração'," analisa.
Mas ele não vê, a priori, implicações tão problemáticas para a democracia, em um sentido geral, com o fenômeno. "Justamente porque estamos em um momento de aprendizado e entendimento de como essas tecnologias estão sendo apropriadas pelos políticos", diz.