Quarta-Feira, 19 de Fevereiro de 2025
Tecnologia
03/07/2022 12:28:00
Facebook não prioriza Brasil contra fake news, diz Frances Haugen
Ex-funcionária diz que há menos proteção contra tentativas de interferência na eleição brasileira do que houve na dos EUA

Folha/PCS

Imprimir
Está é Frances Haugen (Foto: 60M)

O Facebook não prioriza o Brasil no combate às operações coordenadas de desinformação eleitoral, alerta a cientista de dados Frances Haugen, a ex-funcionária da plataforma de internet que liberou à imprensa documentos da empresa, os chamados Facebook Papers, no ano passado.

"Eu garanto que há muito menos proteção no Brasil contra tentativas de interferir nas eleições do que nos Estados Unidos", disse Haugen em entrevista exclusiva à Folha.

Haugen, que cuidava da área de integridade cívica na empresa, chega ao Brasil neste domingo (3) para participar de uma audiência pública na Câmara na terça (5) sobre o projeto de lei das fake news e conversar com organizações da sociedade civil.

A cientista de dados afirma que o mecanismo anunciado pelo Facebook no Brasil em outubro, que detecta conteúdo desinformativo eleitoral e coloca etiquetas que direcionam os usuários para links do TSE, é muito ineficiente.

"Na melhor das hipóteses, o Facebook consegue detectar 20% do conteúdo desinformativo –mas, pensando de forma realista, eles devem estar rotulando no máximo 5%", disse, afirmando se basear nos números a que teve acesso na empresa.

Ela critica a falta de investimento e transparência em moderação e inteligência artificial em português. "Eles só se preocupam com moderação de conteúdo em países onde correm o risco de serem alvo de regulação, como os Estados Unidos."

Qual é o objetivo de sua viagem ao Brasil? O Facebook vem nos dizendo há anos que o melhor caminho para tornar a plataforma segura é a moderação de conteúdo por meio da inteligência artificial "mágica". Mas eles sempre sub-investiram em segurança em idiomas fora o inglês e também não investiram o suficiente em moderadores.

O Brasil é uma das democracias mais importantes do mundo e eu garanto a vocês que o português brasileiro é um dos idiomas que não têm os sistemas básicos de segurança que deveria.

O Ministério Público enviou ofício ao Facebook e às outras plataformas de internet indagando quantas pessoas que falam português eles têm nas equipes de moderação de conteúdo e pedindo informações sobre a inteligência artificial em português. As empresas não especificaram. O Facebook revela esses números em algum país? Eles vêm se recusando a fornecer as informações mais básicas sobre o desempenho de seus sistemas para todos os governos na Europa. Os governos perguntaram seguidamente quantos moderadores de conteúdo falam alemão, quantos falam francês, espanhol, e eles nunca respondem.

A Meta [empresa dona do Facebook] não responde porque, se fosse honesta sobre o quanto investe em segurança em línguas sem ser inglês, as pessoas ficariam furiosas. Eles têm sido muito negligentes. Vou te dar um exemplo que mostra porque eu aposto que o sistema é muito ruim com o português brasileiro.

Há 500 milhões de pessoas que falam espanhol no mundo, e apenas 130 milhões que falam alemão. Em 2019, o Facebook gastava cerca de 58% de seu orçamento para combate a discurso de ódio em moderação em inglês, e só cerca de 2% ou 3% para alemão e espanhol.

Isso porque eles têm mais medo que os alemães baixem regulamentação sobre o Facebook —e isso é profundamente injusto.

A senhora pode explicar quais são as consequências concretas de não investir em moderação de conteúdo em outros idiomas?

Em 2015, em meio a crescentes tensões em Mianmar que acabaram desembocando no genocídio dos rohyngia, o Facebook tinha apenas dois moderadores que falavam birmanês e a plataforma foi um dos principais veículos de discurso de ódio contra a minoria muçulmana. Mark Zuckerberg admitiu, em 2018, que a promoção de conteúdo baseada em engajamento é perigosa. Ela é perigosa porque as pessoas são mais atraídas por conteúdo extremista. Quando o Facebook não investe o necessário em um idioma, as pessoas acabam usando a versão mais violenta do Facebook.

O Brasil terá eleições presidenciais em 2 de outubro. O presidente Jair Bolsonaro tem espalhado sua versão do "Stop the Steal" de Donald Trump, afirmando que as eleições serão fraudadas. A senhora acha que o Facebook aprendeu com os erros que cometeu nas eleições americanas de 2016 e 2020?

A rede que existia em 2020 para lidar com as eleições, chamada de Integridade Cívica, foi desmantelada imediatamente depois da eleição daquele ano.

E para ter inteligência artificial que garanta segurança na plataforma, é preciso construí-la para cada língua, cada contexto. No momento, não existe transparência em relação ao que o Facebook está ou não fazendo. Sou muito cética em relação à ideia de que o Facebook fez o trabalho necessário para garantir a segurança da eleição [brasileira].

O que o Facebook deveria estar fazendo para garantir a segurança da eleição do Brasil?

No verão de 2020 nos EUA, o Facebook estava recomendando aos usuários entrarem em grupos, durante dias, antes que o sistema de segurança pudesse avaliar se os grupos eram seguros. Havia grupos com atividades ilegais. Eles estavam ativamente promovendo esses grupos [alguns eram sobre o Stop the Steal, a teoria da conspiração sobre suposta fraude nas eleições].

Isso era muito perigoso, porque grupos estavam enviando milhares de convites por dia, e o sistema de segurança não conseguia dar conta.

Ao fazer pequenas mudanças como reduzir o número de convites para grupos que podem ser enviados por dia [feito posteriormente na eleição americana], diminuindo de 2000 para 200 o número de convites que um grupo ou usuário pode mandar por dia, já fica significativamente mais difícil espalhar desinformação e burlar as regras de uso.

COMENTÁRIO(S)
Últimas notícias