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Imprimir“A era da banda larga ilimitada acabou”. Com essa frase, o presidente da Anatel, João Rezende, sacramentou, na terça-feira (19), que o limite de dados em planos de internet residenciais veio para ficar. O anúncio da medida, feito recentemente pela Vivo, tem potencial de mudar drasticamente a forma como clientes da empresa utilizam a Internet e encontrou imediata resistência dos consumidores.
“Esse limite de dados vai na contramão do que nós, profissionais de tecnologia, fazemos. O mundo é cada vez mais conectado, e impor limites a essas conexões é um erro”, afirma Fernando Redigolo, doutor em Engenharia Elétrica e pesquisador do Laboratório de Arquitetura e Redes de Computadores da USP, entrevistado pelo R7.
Até o momento, empresas vendiam planos pela velocidade da banda. Apesar de Oi e NET preverem em contrato o limite de dados gastos há anos, na prática isso apenas ocorria em casos raríssimos. Essas duas operadoras identificavam clientes que extrapolassem, e muito, a média de gasto de dados de outros usuários e a velocidade da conexão deles era diminuída.
Com o anúncio da Vivo, clientes temem que as três empresas (Vivo, NET e Oi) passem a praticar a medida rotineiramente, assim como fazem nos planos móveis. Oi e Vivo recusaram pedidos de entrevista do R7 para esclarecer o futuro do funcionamento dos planos de internet residencial oferecidas por elas, se limitando a responder a reportagem através de notas.
Ao R7, a Vivo afirmou que “não conseguiu um porta-voz para entrevista no momento”, mas afirmou que “a mudança em nada interfere em contratos de clientes que adquiriram o serviço até 5 de fevereiro de 2016”, e ressalta que “promocionalmente, não haverá cobrança pelo excedente do uso de dados até 31 de dezembro de 2016” para novos contratos.
A Oi adotou posição similar, e informou que, embora já preveja em contrato franquias de dados, “não pratica redução de velocidade ou interrupção de navegação”, e ressalta que “o serviço de banda larga da Oi possui um limite de consumo de dados mensal, proporcional à velocidade contratada”.
A Anatel também afirmou que não está concedendo entrevistas no momento, mas já se posicionou publicamente a favor da medida. O superintendente de competição da agência, Carlos Baigorri, afirmou ao site Convergência Digital, em fevereiro, que a medida de impor limites de dados a franquias “pode beneficiar” usuários que gastam pouco.
Segundo ele, “para quem está abaixo da média, consome menos, o limite é melhor. E pior para quem consome muito”, sem explicar como quem gasta pouco se beneficia, já que os preços continuam os mesmos até o momento.
"Medida vai na contramão"
Especialistas criticam duramente a medida tomada pelas operadoras, e afirmam que ela é um retrocesso a evolução tecnológica. Fernando Redigolo afirma que limitar dados pode até interferir na segurança dos computadores e na educação de estudantes.
Segundo o pesquisador, o problema vai muito além do apontado pela maioria das matérias, que focam apenas no Netflix ou Spotify. O futuro já aponta casas inteiras conectadas, com lâmpadas que acessam WiFi, geladeiras que se comunicam com smartphones e carros acionados a distância. Tudo isso demanda dados. Muitos.
Mas não é preciso ir ao futuro para perceber que existe uma série de usos “invisíveis” entre aparelhos eletrônicos. “Pense nas atualizações desses aparelhos. Alguns games mais modernos possuem atualizações obrigatórias de 2 ou 3GB, um valor alto mesmo com os planos mais caros [com 100GB ou 130GB de limite de dados]”, comenta.
O Windows também às vezes libera pacotes de atualização generosos. O update da versão 8.1 do sistema tinha 3.42GB. Atualizações de apps também costumam chegar facilmente às dezenas de megabytes, e são quase semanais, tanto em computadores quanto smartphones. No fim do mês, o resultado pesa.
“A tendência é a abolição completa da mídia física. Já estamos caminhando para isso. No iTunes ou Google Play, você aluga e compra filmes. No Spotify ouve música e por aí vai. Não existe retorno ao passado”, argumenta Redigolo.
Mercado americano
Fernando pontua que comparações com o mercado americano são irreais. Além dos preços praticados por lá serem outros, nos Estados Unidos vigoram leis diferentes de mercado.
“Nos EUA os planos residenciais geralmente começam em 300GB. A Comcast, por exemplo, começa com esse valor e não corta, mas avisa da chegada ao limite de dados e vende pacotes adicionais de 50GB por valores de aproximadamente 10% do preço total do plano”, comenta. Além disso, muitas empresas te dão descontos se você usar menos de 500GB em um plano de dados ilimitado. Mesmo em uma realidade econômica diferente e com planos mais baratos que os do Brasil, muitos clientes americanos pedem mudanças e exigem o fim das franquias de dados em planos das maiores operadoras do país.
Para Redigolo, é importante o papel das agências reguladoras para estabelecerem limites às práticas das empresas, e impedir que haja qualquer tipo de monopólio no setor e medidas conjuntas e em tempos iguais, como essa.
Para conseguirem medir o tráfego de de dados em cada porta, as operadoras utilizam o monitoramento por IP, através de endereços específicos de cada porta. Mesmo com dados criptografados, cada operadora consegue saber o destino dos dados e assim distinguir quanto cada usuário gasta com Netflix, YouTube, Spotify e outros serviços considerados gastadores de dados. Por essa tecnologia, é possível que as operadoras escolham praticar a limitação de dados apenas de usuários que utilizam esses serviços mais custosos, praticando uma violação indireta da neutralidade da rede.
Para evitar erros, as operadores podem optar por uma tecnologia ainda mais avançada: a Deep Packet Inspection (Inspeção Profunda de Pacotes, em tradução livre), que faz uma espécie de pente fino nos dados de saída dos IPs.
Mas, segundo Fernando, tal tecnologia é bastante cara e demanda equipamentos específicos para ser implementada. “Quanto mais dados filtrar, mais caro se torna”, completa. É possível, entretanto, que seu uso aumente. Nos Estados Unidos, cerca de 10% de todos os usuários conectados a internet são analisados pela tecnologia, que permite que as operadoras tracem perfis avançados dos hábitos de navegação de cada IP.
Um conselho é que cada usuário instale aplicativos ou um sistema próprio de medição de banda no roteador, para comparar com os dados da empresa. Nos Estados Unidos, diversos usuários revelaram leituras erradas de gasto de dados e por isso precisaram pagar valores exorbitantes com dados extras. O erro acontecia principalmente por enganos na digitação de endereços MAC (endereço único com 12 algarismos que identifica uma porta que se conecta a internet) nos sistemas da empresa e só foi descoberto quando um programador mostrou ao site Ars Technica os dados de medição enganosos, que pediu explicações a empresa.
Procon
Além de profissionais de tecnologia, Associações de Defesa do Consumidor também se pronunciaram sobre a medida e foram mais incisivas: ela é ilegal. A Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) afirma em seu site que a medida fere a relação entre a empresa e clientes, porque “o corte só é cabível se não for paga a conta”, segundo a lei.
Já o Procon (Promotoria do Consumidor) do Rio de Janeiro enviou no último dia 15 uma notificação a Oi, Vivo e Claro com um prazo de 15 dias para que se expliquem sobre como funcionarão os cortes.
Após essa pressão, a própria Anatel publicou na segunda-feira (18), no Diário Oficial da União, um despacho que impede a efetivação das franquias por operadoras pelo tempo que elas levarem para implementar algumas medidas consideradas obrigatórias pela pela agência, no intuito de garantir ao consumidor o pleno acompanhamento dos próprios gastos.
As exigências são as seguintes:
- criar uma ferramenta onde os usuários possam acompanhar quantos dados já gastou;
- informar através da conta e por email que serão utilizados limites de franquia de dados para todos os clientes que estão nessa modalidade de contrato;
- dar o mesmo destaque ao limite de dados no plano que o dado a velocidade contratada;
- funcionários de telemarketing precisam avisar reiteradamente sobre o limite de dados em todos os contratos para os clientes que os adquirem.
Apenas 90 dias depois da Anatel decidir que todas essas medidas estão sendo cumpridas é que os limites de dados poderão ser implementados.