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ImprimirO governo federal estuda mandar que as empresas repitam um recall se ele não for considerado efetivo. A medida pode ser implementada já em 2015, diz Amaury Oliva, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), ligado ao Ministério da Justiça.
O ano de 2014 baterá um novo recorde de chamados para que veículos retornem às concessionárias para passar por algum tipo de conserto ou substituição de peças. Esses produtos respondem por mais da metade dos recalls no Brasil. Até o último dia 23, houve 74 chamados de automóveis, 10 de motos e 4 de caminhões. Em 2013, foram 70 ao todo.
A alta é considerada um bom sinal pelo departamento. "A cada ano vai aumentando, por várias razões, como o crescimento do mercado e a exigência do consumidor de que a empresa seja transparente", diz Oliva, lembrando que os Estados Unidos e a Europa costumam ter números ainda maiores de chamados. "Não vou dizer que recall é bom. É como remédio: não é bom, mas é uma saída para uma doença."
O foco agora é tornar o recall mais efetivo. Para isso, o DPDC poderá ordenar a repetição do chamado. "Vai ter que aumentar o índice de atendimento. Quero que as empresas demonstrem o que fizeram, se deram carta, como foi a veiculação na mídia do recall", diz o diretor.
Boa parte dos consumidores não atende aos chamados. O governo estima que, considerando todos os tipos de recall, e não só os de veículos, a média de comparecimento seja de 60%. Os donos de carros, motos e caminhões são os que mais atendem, diz Oliva, por causa do alto valor agregado e porque eles costumam permanecer mais tempo com o produto. "Um brinquedo, geralmente a pessoa se desfaz dele", compara Oliva.
"Acho que o mercado precisa se reinventar (para aumentar o índice de atendimento). Me lembro de uma cafeteria nos EUA que tinha recall de caneca e oferecia um refil grátis para quem comparecesse", exemplifica o diretor.
5 meses para ser atendido Mas os que atendem aos chamados no Brasil também relatam dificuldades. Em agosto passado, o advogado Thassio Henrique Silva soube que seu Ford Fiesta 2014 estava na lista dos 176.341 convocados em julho para um recall que envolvia um problema no freio.
Segundo a montadora, não havia risco de perda total da capacidade de frenagem, mas poderia ser necessário "um esforço adicional do motorista no acionamento do pedal, podendo aumentar a distância de frenagem e causar acidentes graves com possíveis danos físicos aos ocupantes do veículo e terceiros".
Naquele mês, começou uma "novela" para Thassio: ele primeiro ligou para 4 concessionárias de São Paulo, onde mora, para tentar agendar o recall. A resposta era que não havia datas disponíveis porque as peças que deveriam ser trocadas estavam em falta.
O advogado conta que tentou ainda agendar o recall em cidades da Grande SP, mas sempre obteve a mesma resposta. Só neste mês de dezembro conseguiu ser atendido, em Caraguatatuba, no litoral norte paulista, onde tem parentes. "Já tinha pensado em comprar as peças e pagar para um mecânico fazer o serviço", conta.
Thassio foi um dos dos proprietários de Fiesta que postaram queixas em sites como Reclame Aqui. Em uma busca no último dia 26, das 781 reclamações que envolviam o tema recall, para veículos, 166 eram relacionadas ao recall do Fiesta, citando falta de peças e demora no atendimento.
Fila de espera Marcelo Lopes, de Apucarana (PR), recebeu em setembro a carta da Ford convocando para o recall, mas ouviu da concessionária que a peça só chegaria no começo de outubro. "Iria coincidir com a revisão dos 6 meses, o que era bom, porque assim não deixaria o carro parado mais dias", lembra. Porém, até o último dia 17 não tinha sido chamado para o conserto do carro.
No SAC da Ford, foi informado de que a concessionária não tinha feito o pedido de peças. A loja, por sua vez, alegou que tinha fila de 30 pessoas para fazer o recall e não recebia a peça, conta Lopes. "Disseram que não vai dar problema no carro, que o freio pode só ficar mais duro, que não há com o que me preocupar, mas eu viajo muito."
Procurada pelo G1, a Ford disse que houve problema de abastecimento de peças no início do recall, mas que o estoque da peça do fiesta já foi abastecidos nos distribuidores.
Preocupação no fim de ano A Peugeot Citroën (PSA) também é alvo de reclamações por falta de peças de reposição para a suspensão dos modelos Citroën C3 e Peugeot 208, que foram convocados para recall no início de dezembro.
A administradora Diana Delgado França, de São Paulo, disse que teria de usar o carro do pai na viagem de fim de ano porque não conseguiu agendar o conserto do 208. "Liguei nas concessionárias e não tinham previsão de marcação nem da chegada das peças", relata. Estou preocupada. Uma coisa é não saber do recall e viajar. Vou com o carro do meu pai."
Também procurada pelo G1, a PSA não se manifestou até a publicação da reportagem.
O DPDC explica que a lei não especifica um prazo de atendimento no recall, mas que as empresas são obrigadas a enviar, a cada dois meses, relatórios sobre a campanha. "Fica o prazo do bom senso: se é risco de incêndio, de o freio não funcionar, tem que resolver o mais rápido possível", afirma Oliva. "(Nesses casos) ele (o consumidor) tem até uma facilidade de buscar reparação na Justiça, em caso de acidente."
O comunicado do recall do C3 e do 208 diz que as buchas dos braços da suspensão têm dureza excessiva, o que pode provocar fissuras e rompimento dos braços. "Caso a peça se quebre, as rodas dianteiras sofrerão deslocamento, causando acidentes", informa a nota.
Regra não sai do papel Apesar de a lei não um prazo para que as empresas agendem o recall, ela diz que o proprietário de um veículo convocado poderá exigir, a qualquer momento, que a montadora faça o conserto, gratuitamente. Mesmo que se passem anos do comunicado.
Criada em 2011, uma regra que poderia facilitar que os compradores de carros usados saibam se o veículo "faltou" a um recall até hoje não saiu do papel. Ela determina que o não comparecimento conste do documento do veículo, no campo "Observação".
Na época em que apresentou a ideia, em junho de 2010, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), chegou a divulgar que veículos que tivesse faltado a recalls seriam bloqueados para venda. Mas o Denatran voltou atrás dias depois, alegando que não encontrou base legal para isso.
Permaneceu a determinação de que o não comparecimento fosse registrado no documento. Mas isso não ocorre na prática, segundo confirmou o Denatran ao G1, no último dia 18. O órgão, no entanto, não respondeu por que a regra não é aplicada.
O Detran-SP informou que não é possível constar o não atendimento ao recall no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) porque essa informação não está disponibilizada no Sistema de Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam). "Os Detrans só poderão inserir a informação de recall no documento do veículo quando o Denatran interligar o sistema de recall ao do Renavam", disse o departamento estadual.