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ImprimirO empresário Danilo Vunjão Santana Gouveia, 34, deixou de instalar portões eletrônicos em um falido negócio familiar na cidade natal de Itabuna, localizada no sul da Bahia, para desfrutar o mundo.
Quando estava no Brasil, dirigia uma Ferrari pelo interior gaúcho ou descansava em sua mansão no litoral baiano.
Em um final de semana, ele observava as ruas da Tailândia em cima de um elefante. Em outro, flanava pelo Central Park, em Nova York. Havia tempo, entre uma viagem e outra de helicóptero ou de jatinho, para assistir a jogos da Premier League, o campeonato inglês de futebol.
E se hospedava com a mulher e filhos em hotéis de luxo no Oriente Médio, de onde filmava o nascer do sol.
Todos esses prazeres mundanos, registrados em seu perfil pessoal no Facebook, tiveram o financiamento de milhares de pessoas de diversas nacionalidades que acreditaram na promessa de lucro fácil da D9 Clube de Empreendedores.
A empresa de fachada foi forjada por Santana para comandar um esquema de pirâmide financeira que lhe pode ter rendido até R$ 200 milhões, de acordo com investigações policiais que correm em paralelo na Bahia e no Rio Grande do Sul.
Somente na casa da sogra do acusado, policiais baianos encontraram R$ 1 milhão em espécie, durante uma operação realizada em setembro passado. A Justiça da Bahia bloqueou cerca de R$ 25 milhões em dinheiro e bens de pessoas ligadas à D9. Deste total, a metade foi encontrada somente em uma conta bancária em nome de Danilo Santana.
O presidente da D9 foi preso por agentes da Interpol no dia 13 de fevereiro ao desembarcar no aeroporto de Dubai, cidade que frequenta há pelo menos um ano.
A detenção na cidade mais rica dos Emirados Árabes Unidos foi consequência de um decreto de prisão preventiva do juiz Ricardo Andrade, da 1ª Vara Criminal de Sapiranga, cidade da região metropolitana de Porto Alegre onde tramita uma ação penal contra ele e outras 22 pessoas acusadas de participação no esquema.
Por esta razão, o Ministério da Justiça brasileiro tenta extraditá-lo, em um processo que promete ser demorado.
Enquanto não sabe quando e se será extraditado, Danilo Santana espera que o juiz Murilo Luiz Staut Barreto, da 1ª Vara Criminal de Itabuna, aceite homologar seu acordo de colaboração premiada firmado com o Ministério Público baiano, cujos termos permanecem em sigilo.
Ele autorizou também seu advogado, cuja carteira está suspensa pela OAB, a negociar com milhares de vítimas da D9, sem ainda apresentar uma proposta de devolução de dinheiro.
Como funcionava o esquema de pirâmide financeira
As denúncias do MPs da Bahia e do Rio Grande do Sul contra Danilo Santana concluíram que o golpe aplicado por ele e seus comparsas são típicos de uma pirâmide financeira. As acusações são de crimes contra economia popular, associação criminosa, estelionato e lavagem de dinheiro.
Um esquema de pirâmide financeira funciona assim: sob uma falsa promessa de altos lucros, um grupo de golpistas vende uma aplicação ou serviço a terceiros que, por sua vez, precisam chamar outras pessoas para o negócio. Forma-se uma estrutura piramidal, onde a base é constituída pela maioria dos investidores.
Cada novo membro que compra um "pacote de investimentos" financia o pagamento dos membros acima na cadeia. Até que, em determinado momento, o fluxo é interrompido. Dessa forma, o dinheiro no final fica com os membros do topo da pirâmide, enquanto a base amarga o prejuízo de perder tudo o que investiu.
Um caso exemplar é o chamado "escândalo da Telexfree", que estourou no ano de 2013 e incluía um sistema ligado à venda de serviços telefônicos. Investigadores da força-tarefa criada pela Polícia Civil baiana em Itabuna descobriram que Danilo Santana também operou no esquema da Telexfree.
Só que ele sofisticou a fraude, afirmam as investigações policiais. Ele apresentava a D9 como uma escola de "trading esportivo", uma forma de investimento muito comum na Inglaterra e nos Estados Unidos em que se faz apostas contra outras pessoas com base no que acontece em um evento esportivo, a exemplo de uma partida de futebol. É a chamada bolsa esportiva.
Daí a origem dos slogans da D9: "Bola na rede. Dinheiro no bolso" e "Aqui a gente dribla a crise e vence de goleada".
Os líderes eram subdivididos em categorias (gerente, coordenador, treinador e capitão) em alusão a eventos esportivos, para dar a ideia de que o negócio se tratava de um verdadeiro investimento em trading esportivo. Eventos da D9 contavam com participação de atletas e ex-atletas.
"Só que nenhuma aposta era realmente feita e nenhum curso era ministrado. O esquema consiste em mera especulação financeira através dos investimentos das vítimas", afirma o promotor de Justiça Sergio Cunha, responsável pela denúncia contra Santana e o grupo gaúcho da D9 junto à 1ª Vara Criminal de Sapiranga.
Em sua denúncia, Cunha identificou, como integrante do esquema, uma empresa de informática sediada na cidade de Betim (MG), responsável pela administração site da D9. Parte do dinheiro era desviada para a conta dessa empresa, a mando de Danilo Santana.
Bíblia e ostentação: o discurso da D9
O UOL assistiu a palestras gravadas por integrantes da D9, que estão disponíveis na internet, inclusive as feitas pelo próprio Danilo Santana, que se define como evangélico. Nestes eventos, os palestrantes abusam de termos bíblicos e frases retiradas de livros de autoajuda. Eles apresentam a D9 como "uma família de investidores".
O discurso é permeado por uma ênfase "na mudança de padrão de vida" e na segurança do sistema de investimentos. Há relatos de "investidores" que "ganharam muito dinheiro" em um curto espaço de tempo. Porém, essas pessoas fazem parte do esquema, indicam as investigações policiais.
A D9 foi criada para quebrar a prisão de pessoas que dependiam de pirâmide financeira
Danilo Santana, acusado de comandar um golpe financeiro
"Não é possível que uma pessoa desenvolva uma pirâmide financeira porque quer. Eu não acredito. A pessoa desenvolve porque precisa. Se eu precisasse manter a minha, eu assim faria, todo mundo precisa levar um mantimento para sua família. Mas este não é o caso da D9", afirmou Danilo Santana, em uma palestra realizada em 13 de dezembro de 2016, na cidade de Ilhéus (BA).
"Ele é muito carismático. Se você conversar com ele durante dez minutos, vai querer ser seu amigo. Ele convence quem quer", afirmou, sob sigilo, uma pessoa que trabalhou com Santana.
Os integrantes da D9 realizavam palestras em várias cidades por todo o país e ostentavam carros e motos de luxo com o objetivo de aliciar novas vítimas para o esquema.
Os gaúchos que comandavam o golpe da D9 no Rio Grande do Sul ficaram conhecidos como "o grupo do Camaro". Esse carro tem valor de mercado de até R$ 338 mil.
E os operadores do golpe convenciam muita gente a aplicar o dinheiro: em um dos casos citados na denúncia do MP gaúcho, dois investidores entregaram R$ 240 mil aos integrantes da D9, sob a promessa de que obteriam cerca de 300% do valor investido, o que nunca aconteceu.
"Houve casos de investidores que chegaram a aplicar R$ 1 milhão. Mas também pessoas pobres investiram tudo o que tinham, contraíram empréstimos e hoje estão completamente falidas", afirma a advogada Caroline Baratz, que defende um grupo de vítimas da D9 no Rio Grande do Sul.
"Eu percebi que tinha caído num golpe quando chequei as placas dos carros que os líderes dirigiam e descobri que era tudo financiado e que as prestações não estavam sendo pagas", disse a microempresária Maria Rosinete Pereira, moradora de Porto Alegre. Ela perdeu R$ 20 mil e de outros sócios perderam quase R$ 7.000 cada um.
D9 no Paraguai: 30 mil vítimas
Além de vítimas do golpe espalhadas por todo o país, há investidores ludibriados pelo esquema da D9 identificados pela reportagem em países como Argentina, Uruguai, Uganda, Quênia, Nigéria, China, Japão, Estados Unidos, Afeganistão, Itália e Paraguai. Somente no país vizinho, uma investigação do Ministério Público local detectou cerca de 30 mil cidadãos prejudicados, de acordo com o jornal "ABC Color".
"Eu não imaginava que seria vítima de uma fraude por causa da infraestrutura e do discurso de confiança que eles apresentavam. Eles se aproveitaram da lealdade do povo", disse ao UOL o piloto paraguaio German Spaini, morador de Assunção. Ele perdeu US$ 2.350 (cerca de R$ 8.100).
Nas postagens de Danilo Santana no Facebook, não faltam comentários de pessoas que se julgam prejudicadas pela D9. Houve vezes em que ele respondeu pedindo para que os investidores respeitassem a "hierarquia" e que fizessem contatos com seus líderes locais, e não com ele, o presidente da D9.
Em outras ocasiões, usou linguagem jocosa para responder às críticas: "Pô, sofrência, toma jeito de líder".
Há também mensagens de vítimas do golpe que são verdadeiras ameaças de morte. "Ainda colocarei uma bala em sua cabeça", escreveu um cidadão que se identificou como sendo da Argentina.
Quando estourou o escândalo da D9, Danilo Santana chegou a retirar seus pais da casa onde eles moravam em Itabuna por causa de ameaças, de acordo com reportagem veiculada em agosto do ano passado pelo "Fantástico", da TV Globo. Vítimas tentam recuperar dinheiro investido
O esquema piramidal da D9 começou a desmoronar em março de 2017, quando o fluxo de pagamento em bitcoins começou a ser interrompido.
Neste momento, Danilo Santana e seus líderes começaram a culpar "concorrentes" e problemas "no sistema". Meses depois, exigiam que os investidores fizessem novos depósitos para ter acesso aos valores que já tinham sido depositados. O dinheiro havia sumido e quase ninguém recuperou o que investiu.
"Eu cobrei o Márcio Rodrigo Santos, que era líder do grupo no Rio Grande do Sul. Eu pressionei tanto que ele me levou até sua casa, abriu o porta-malas do Camaro e me mostrou uma mala cheia de dinheiro. Ele me pagou R$ 4.500. Foi o único valor que eu consegui recuperar", disse ao UOL, sob sigilo, uma vítima que investiu um total de R$ 23 mil.
As vítimas da D9 criaram associações e ingressaram em processos de ações indenizatórias coletivas. O grupo gaúcho já reúne cerca de 350 pessoas, que pedem mais de R$ 10 milhões, a título de restituição.
A ação que tramita em uma vara cível de Itabuna, cidade onde golpe começou, reúne 1.300 vítimas de todo o país.
"Essas vítimas somadas têm a receber mais de R$ 27 milhões. Porém, somente nesta semana eu recebi o contato de outras 500 pessoas que foram prejudicadas e também vão entrar no processo", afirma o advogado cearense Manasses Gomes da Silva, responsável pela ação cível em Itabuna.
Na última quinta-feira (26), o advogado se reuniu com representantes da D9, mas nenhum acordo foi celebrado. O encontro ocorreu na cidade de Juazeiro do Norte (CE).
Ao pedir à Justiça da Bahia o bloqueio de contas bancárias e de bens de Danilo Santana e de outros sete integrantes do esquema, a Polícia Civil do estado estimou em R$ 200 milhões o prejuízo causado, devido ao grande número de vítimas. O MP gaúcho também conseguiu apreender carros de luxo usados pelos integrantes do esquema no estado.
MP-RS luta por extradição; na Bahia, colaboração é analisada
Conforme mencionado acima, as investigações na Bahia e no Rio Grande do Sul seguem em paralelo. As duas motivaram denúncias dos MPs locais, porém, no âmbito baiano, Danilo Santana firmou um acordo de colaboração premiada com a promotoria de Itabuna.
"O acordo foi oferecido, mas ainda se encontra em fase de tramitação, conferindo-se legalidade e documentação, não estando homologado", afirmou o juiz da 1ª Vara Criminal de Itabuna, Murilo Luiz Staut Barreto. O magistrado disse que o caso está sob sigilo.
O UOL procurou o promotor responsável pelo caso, mas, de acordo com a assessoria do MP da Bahia, ele não vai se pronunciar sobre o assunto.
Por sua vez, o MP gaúcho corre contra o tempo para extraditar Danilo Santana. Não há tratado de extradição entre Brasil e Emirados Árabes Unidos.
"Conforme foi pedido pelas autoridades do país, o MP busca um tradutor juramentado que possa transcrever os documentos do processo para o árabe. Ao mesmo tempo, estamos tentando, por meio do Ministério da Justiça, propor que eles aceitem a tradução dos documentos para o inglês, o que seria mais barato e mais rápido", explica o promotor Sergio Cunha.
Em um documento do MP gaúcho, a cujo conteúdo a reportagem teve acesso, estão listados entre os suspeitos de participação neste núcleo nacional, o jornalista Sergio Cursino e um primo de Santana, Alex Gouveia, considerado seu braço direito.
Cursino participou de eventos e gravou vídeos com informes aos investidores da D9 que estão disponíveis no YouTube. Danilo Santana o apresentava como o "diretor nacional de comunicação da empresa".
"Minha relação com a D9 foi estritamente profissional: prestação de serviços de consultoria de comunicação," se defende Cursino.
"Esse título de diretor de comunicação foi utilizado indevidamente: jamais exerci qualquer cargo nessa empresa, era exclusivamente um prestador de serviços assim como tantos outros profissionais, não conhecia o funcionamento do empreendimento, era um técnico da área. Danilo usou indevidamente o título para imprimir credibilidade à empresa, era uma prestação de serviços informal, sem vínculo algum", afirmou. Cursino diz estar processando Santana.
Danilo Santana está em Dubai há um ano
A última postagem de Danilo Santana no Facebook data de 7 de abril de 2017, quando os pagamentos aos clientes da D9 já tinham sido interrompidos. Na foto, ele aparece andando de jet ski em Dubai. Ele escreveu a seguinte legenda: "O baiano virou dubaiano (sic)".
Meses depois, sob cerco das investigações policiais sobre sua empresa de fachada, ele gravou um vídeo, também disponível na internet, em que afirma estar no exterior por questões de segurança.
"Eu costumo dizer que nunca procurei inimigos, mas às vezes a gente encontra o que não procura. Então tem pessoas que entraram em contato com a gente tentando nos extorquir, e nós não trabalhamos com isso."