FP/PCS
ImprimirReeleita com mais votos do que em sua primeira candidatura, a deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) se prepara para deixar a oposição ao governo -de Jair Bolsonaro (PL), no caso- e virar base.
Mas a parlamentar de 29 anos diz à Folha de S.Paulo que ser aliada do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não vai tirar dela a vontade de alertar e criticar quando for preciso. "A única coisa que eu peço é que tenha diálogo", afirma ela, que inicialmente resistiu à ideia de apoiar o petista.
A paulistana espera que o governo se comprometa com o combate à corrupção, embora evite comentar escândalos em gestões do PT porque "falar do passado ajuda muito pouco". Ela sugere, no entanto, que Lula seja intransigente com as emendas de relator. "Não se governa com o orçamento secreto."
Há poucos dias, durante evento do RenovaBR (organização privada que a ajudou em sua estreia na política, em 2018), Tabata disse que vai "continuar sendo a doida que fala de moderação e diálogo".
PERGUNTA - Ser moderada é o novo ser 'doida'?
TABATA AMARAL - Olha, foram quatro anos em que ser moderado e prezar pelo diálogo não foi o caminho mais fácil. Foi um momento de muita divisão e ódio. Uma das consequências dessa polarização é o holofote que se dá a quem tem uma posição mais extremada e não encara a realidade com a complexidade que ela tem. Essas pessoas conseguem dividendos políticos, mas o custo para o povo é muito alto.
P. - Mas a sra. vê ambiente favorável depois de uma eleição em que a divisão ficou tão escancarada?
TA - Tenho um pouquinho de esperança, espero contribuir. Primeiro porque a gente precisa. Não vejo o Brasil se reconstruindo, desde a pauta econômica, a ambiental, passando pela educação, se não for com mais união. Esse nível de polarização, em que quem pensa diferente é tratado como inimigo, é impraticável. Isso não é bom para a democracia.
Vejo um contexto mais favorável a partir de 2023. O presidente Lula é uma das figuras mais amplas da política brasileira. Em governos passados, levou para o governo pessoas que inclusive não o tinham apoiado na campanha. Dialogou com o Congresso e com quem pensava diferente. Aposto muito nessa amplitude dele e no cansaço que a população está com essa divisão toda.
P. - A sra. se opôs ao bolsonarismo, foi criticada pela esquerda e passou por reviravoltas, como a sua saída do PDT. Pensou na hipótese de não se reeleger?
TA - Sim e não. Tomei decisões ao longo do mandato que foram consideradas suicídio político, como votar sim à reforma da Previdência [contrariando seu partido da época, o PDT]. Quando acredito em algo, sigo esse caminho. Nem sempre vão concordar. Quando você se propõe a ter coerência, toma atitudes que não são populares.
Digo que sim e não porque tenho a preocupação de sair do mandato inteira. Cresci ouvindo que político é tudo bandido, que ninguém presta. Faço escolhas para manter a coerência. Foi assim quando decidi apoiar o Lula no primeiro turno. Talvez fosse mais confortável apoiar uma candidatura de terceira via ou não me posicionar, mas eu realmente acreditava que o nosso país, muito mais do que a democracia, estava em risco. Por mais que tenha sido um apoio que me custou muitos votos.
P. - A que atribui os 73 mil votos a mais que recebeu?
TA - Acredito que eu conheço o meu eleitor. Eu não me elegi com redes sociais. Meu eleitor era da periferia, de classe C, e estava menos preocupado com discussões do Twitter e mais com coisas concretas. Eu não estava lá [na Câmara] para fazer discurso lacrador no plenário, mas para fazer lutas como a da distribuição de absorventes, do Fundeb [fundo ao financiamento da educação básica], da vacina dos professores, do ensino técnico. Ter aumentado a votação tem muito mais a ver com esse diploma de realidade do que qualquer outra coisa.
P. - Antes de apoiar Lula, a sra. disse em um jantar com empresários discordar 'de todos os posicionamentos que o PT' vinha tendo. Essas divergências foram sanadas?
TA - Também falei naquele jantar que tenho muito mais concordâncias do que discordâncias com o que foi o governo do PT. Mas, sim, existem divergências que se referem ao que aconteceu nos últimos anos. Quando eu falo, por exemplo, da importância de não negociar com orçamento secreto, é porque acho que combate à corrupção importa.
A corrupção aconteceu no Brasil em todos os governos desde a redemocratização. Não é para dizer que a culpa é da esquerda, a culpa é da direita. É um problema crônico, que faz com que as pessoas, na periferia inclusive, não confiem na política e nos partidos. Se a gente não entende que a corrupção é parte do que levou à eleição do Bolsonaro e que o orçamento secreto é o maior escândalo de corrupção da nossa história recente, talvez a gente possa cometer o mesmo erro nessa direção.
P. - Acha que Lula deveria ter tido uma posição mais firme e repudiado casos que envolveram o PT?
TA - Acho que falar do passado ajuda muito pouco. Até porque é muito fácil julgar depois que a coisa passou, né? Agora, o que eu sei é o que dá para fazer de diferente para o futuro. Será que não vale a pena ter algo dentro do governo para pensar o combate à corrupção? Outros países entenderam que o caminho era ter uma comissão interministerial voltada ao tema. É só não colocar esse problema debaixo do tapete, sabe? É encarar como uma luta contínua.
P. - A sra. apoia a reeleição de Arthur Lira (PP-AL) para a presidência da Câmara, como indicou seu partido?
TA - Espero dizer a ele que é muito importante que a gente construa uma candidatura de união. Obviamente, respeito a decisão do meu partido, mas não dá para ser uma candidatura que vá deixar uma parte da Câmara brigando com a outra, causar mais divisão.
P. - Mas é possível?
TA - A divergência faz parte, né? Faz, mas quero que as pessoas tenham noção da gravidade do momento. Não tem dinheiro para absolutamente nada. Não temos orçamento para pagar merenda no ano que vem, para habitação, para o Farmácia Popular. Quero fazer um único pedido ao presidente Arthur Lira: que não seja a candidatura de um grupo, mas uma candidatura com pontos pactuados, pelo menos com o mínimo para o Brasil se manter de pé nos próximos anos.
P. - Como está enxergando a nova composição da Câmara?
TA - Fiquei preocupada porque perdemos quadros importantes, que dialogavam e debatiam o que é importante para o país, como Felipe Rigoni [União-ES], Marcelo Ramos [PSD-AM], Professor Israel Batista [PSB-DF]. E tivemos a entrada de pessoas que colhem os dividendos do radicalismo. Mas o tamanho da extrema direita, do radicalismo, seria um com Bolsonaro reeleito e será outro, reduzido, com a eleição do Lula.
P. - Vai dar trabalho, fazer barulho, provocar?
TA - Vai. Mas estou menos preocupada com isso do que estava antes do segundo turno.
Minha segunda preocupação é com o fisiologismo, o nível de corrupção que temos com o orçamento secreto. Tiraram dinheiro da merenda escolar para financiar a reeleição do Bolsonaro. Dinheiro que dizem que está indo para a educação, na verdade, não está. Essa conta não vale a pena. Sou absolutamente contra. Não se governa com o orçamento secreto. E vou tentar fazer esse convencimento.
P. - Defende ajustes no texto da PEC da Transição?
TA - A PEC é necessária, e votarei a favor dela. Mas precisamos de uma nova âncora fiscal, que não pode ser tão rígida em um país tão desigual quanto o nosso. Não tenho apego ao teto de gastos, até porque ele não funcionou, não foi respeitado nos últimos quatro anos e não levou a uma melhor alocação de recursos. Nesse papel de moderação ingrato, vou bater na tecla de que dá para conciliar as duas coisas [responsabilidade fiscal e social].
P. - A sra., que vem falando da necessidade de entender as razões do voto em Bolsonaro, já descobriu algumas?
TA - Com certeza, a corrupção dos governos anteriores é uma delas. A eleição do Bolsonaro foi como se a população dissesse que preferia que o sistema fosse implodido, por não acreditar mais na política. A esquerda e a direita precisam entender essa mensagem. Entender a corrupção como sistêmica é um problema que a gente tem que encarar.
Outra razão é uma população que se sente julgada. Tenho um exemplo: cresci em uma comunidade conservadora, sou religiosa, vou à missa todos os domingos. Nas minhas primeiras férias de Harvard, quando me entendi progressista, voltei [no estilo] pé na porta. Com qualquer piada, eu reagia: racista, preconceituoso, gordofóbico. Até que um amigo me falou que eu estava passando por uma lavagem cerebral. Aquilo me doeu muito, porque a minha primeira identidade é como uma pessoa periférica.
Uma parcela da esquerda age como se fosse moralmente superior, da mesma forma que eu estava agindo naquela ocasião. E aí tive que entender que só estava trilhando um caminho diferente daquelas pessoas, com outras oportunidades, mas não era melhor do que elas. E acho que essa arrogância de achar que não tem que debater corrupção, de achar que quem pensa diferente é moralmente inferior, vai ter que ser desmanchada se a gente quiser pelo menos conversar com essas pessoas [bolsonaristas].
P. - Como será passar da oposição para a base do governo?
TA - Ninguém nunca me viu indo para o plenário atacar alguém pessoalmente ou fazer uma crítica que fosse para lacrar, para receber palminhas nas redes sociais. Com educação e respeito, nunca deixei de pontuar o que achava importante. Então, quando houver algo de que eu discorde, eu vou trazer, porque quero o bem do meu país.
Acho que o que muda é que eu vivi quatro anos em que não havia nenhum espaço para dialogar, e aí talvez ficassem mais evidentes as minhas críticas -que eram muito necessárias a esse governo, diga-se de passagem. O que espero é que, com a abertura que está sendo dada, eu possa ajudar a construir.
P. - Qual é a sua disposição de concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2024, como se cogita?
TA - Sinceramente, acho um desrespeito com quem votou em mim eu, antes de começar o meu segundo mandato, pensar ou falar de uma próxima eleição. O Brasil não está bem neste momento. Disputei um segundo mandato por acreditar que posso ajudar nessa reconstrução, especialmente na educação. Vou primeiro enfrentar 2023 antes de enfrentar 2024.
P. - Que aspectos do governo Tarcísio de Freitas em São Paulo a sra. considera merecerem atenção?
TA - Não vou julgar antes que as coisas aconteçam, mas tenho alguns medos. Meu receio é São Paulo virar um cabide de emprego para bolsonarista derrotado. O que aconteceu em Brasília está muito longe de ser o que eu quero para o estado. Não tem nada de bom que possa ser aproveitado. Outra preocupação é que, se Tarcísio foi eleito com apoio de um grupo político radical, é isso que vai ditar o ritmo daqui para a frente? Estamos precisando acalmar os ânimos. O governo de São Paulo não conversar com o federal é muito ruim para a população.
RAIO-X
Tabata Claudia Amaral de Pontes, 29 Cientista política e astrofísica, é formada em Harvard, criou o a ONG Mapa Educação e é cofundadora do Movimento Acredito, de renovação política. Eleita deputada federal por São Paulo em 2018, saiu do PDT após votar a favor da reforma da Previdência e migrou para o PSB, partido pelo qual se reelegeu neste ano, com 337.873 votos (sexta mais votada no estado). É presidente municipal do PSB e cotada para concorrer à Prefeitura de São Paulo em 2024